A quarta edição da Operação Watu – nome dado pelos indígenas Krenak ao Rio Doce, cuja bacia compreende o Gualaxo do Norte e vários outros mananciais atingidos – identificou vários pontos de degradação de estruturas ainda emergenciais instaladas para que os rios não prossigam o ciclo de injeção e depósito de minério de ferro e lama despejados pelo rompimento. A ação tem sido desempenhada pela Semad e auxiliada pela Renova, que é a fundação instituída pelo Termo de Transação de Ajustamento de Conduta (TTAC) firmado entre a União, os estados de Minas Gerais, Espírito Santo, a causadora Samarco e suas controladoras, a Vale e a BHP Biliton.
Nesse rumo, a reportagem do EM seguiu as águas do Rio Gualaxo do Norte a menos de um quilômetro do povoado fantasma de Bento Rodrigues, novamente com cor vermelha de ferrugem devido às chuvas que continuam a despejar o rejeito das margens do manancial para o leito. Pelo menos quatro pontos de degradação são visíveis, impulsionados pelos jatos d’água das mangueiras das bombas dos garimpos nas margens ou em desvios que desfiguram o curso nesses processamentos ilegais.
O ponto mais próximo é composto por três reentrâncias que avançam das margens recobertas de rejeitos para os barrancos que se seguem, abrindo grandes sulcos de erosão. As proteções e contenções de bioengenharia utilizadas pela Fundação Renova e pela Samarco para tentar estabilizar esses movimentos indesejados de detritos acabaram devastadas, rompidas ou soterrados novamente por aquilo que deveriam segurar. O mesmo se repete um quilômetro abaixo, onde apenas rochas e argila restaram das margens jateadas pelas mangueiras garimpeiras, se tornando fontes de recirculação do minério.
Em outros dois pontos mais a frente, os garimpeiros chegaram à ousadia de romper as cercas postadas para a reconformação das margens dos rios e desviaram o curso do Gualaxo do Norte para remansos artificiais, onde podem remover o ouro do cascalho por meio de esteiras de tapetes e bateias. Nesses locais, a Fundação Renova restaurou o cercamento, mas o estrago ainda persiste, aguardando trabalhos de restauração daquilo que foi perdido.
Plantio fatal
É importante destacar, contudo, que vários cercamentos cederam com o regime normal das cheias do rio ou com a instalação errônea de barreiras, mas a resistência aos processos reconstrutivos certamente tem retardado o sofrido processo de recomposição do mais atingido rio dessa tragédia.
Em baixadas que eram cultivadas antes do rompimento da barragem ter soterrado os terrenos, os vegetais plantados pela fundação para conter os rejeitos foram removidos pelos agricultores. Alguns desses pontos receberam capim, mesmo se tratando de áreas de proteção permanentes (APPs), onde a legislação determina uma reserva de mata para proteger os rios de assoreamento. Numa das fazendas invadidas pela lama e rejeitos, em Paracatu de Cima, o proprietário pediu para que a Renova cultivasse hortaliças, frutas e verduras diretamente sobre o material que desceu da mineração, um procedimento que os fiscais do estado que participaram da Operação Watu descreveram como inapropriado.
Por meio de nota, a Semad disse que tem conhecimento da situação, “por meio dos relatórios realizados durante a Operação Watu, que faz o acompanhamento das ações de recuperação realizadas pela Fundação Renova”. A Semad informou ainda que a questão do plantio realizado pelos produtores será avaliada dentro do Programa de Regularização Ambiental (PRA), no contexto do Cadastro Ambiental Rural (CAR), ao longo de 2018. “Após a realização do cadastro, será feita uma análise integrada no contexto do Plano de Manejo de Rejeitos, que engloba toda a área atingida pelos rejeitos que vazaram da barragem de Fundão, desde Bento Rodrigues até a Usina Hidrelétrica Risoleta Neves”, diz o texto.
Carreira de gado avança
Na porção mais baixa do Gualaxo do Norte, pouco distante da mata atlântica mais intacta e próximo às fazendas de criação de gado e aos plantios, o conflito das tentativas de estancar os danos sofridos com o rompimento da barragem e o de retomar atividades produtivas é ainda mais evidente. Pecuaristas chegam a romper cercas em longas extensões dos rios para que seus cavalos e gado possam acessar o rio barrento para matar a sede. Em muitos desses locais os cultivos preparados para estabilizar o rejeito ou abrir caminho para uma vegetação mais consistente foi simplesmente esmagado pela carreira do gado ou até mesmo consumido pelos animais famintos de capim que foi arrancado pela onda de lama e minério. Em outros, o simples pisoteio dos animais impede que as plantas consigam crescer.
De acordo com o líder de operações agroflorestais da Fundação Renova, Thomás Lopes Ferreira, a introdução de gado nas áreas em recuperação tem sido danosa, mas só será sanada quando as políticas de melhoria de produtividade nas propriedades resultarem em rendimentos capazes de estimular os proprietários de terras devastadas a abrirem mão dos cultivos ou pastoreio a nas margens dos rios afetados. “Temos tido grande adesão desses proprietários no sentido de conservarem as áreas afetadas por rejeitos”, diz.
Ainda segundo Ferreira, a questão de garimpos e plantios em áreas de preservação permanente geram conflitos devido ao uso costumeiro por essas populações. “Temos garimpos há 350 anos nesse rio, bem como uma utilização consolidada nas áreas de APP que a lei permite prosseguir na exploração. O que fazemos é denunciar as ilegalidades de garimpeiros e de outros usos”, disse. Sobre a utilização de rejeitos para o cultivo de uma fazenda em Paracatu de Cima, a Renova nega qualquer envolvimento nesse plantio, apesar de a operação de a Semad a implicar. Sobre o plantio feito em cima de rejeitos na propriedade citada no relatório da Watu, a Fundação Renova afirmou que ela “ocorreu na fase I da operação, considerado período emergencial, em vigor antes da criação” da instituição. (MP)
MEMÓRIA
Águas da agonia
A Barragem de Fundão, integrada ao complexo de mineração de ferro de Germano da Samarco, se rompeu em 5 de novembro de 2015, promovendo uma degradação sem precedentes no Rio Doce (foto). O desastre fez escorrerem 50 milhões de metros cúbicos de lama, numa onda gigantesca que cobriu os distritos de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, em Mariana, e em seguida o município de Barra Longa até atingir o litoral do Espírito Santo. A tragédia provocou a morte de 18 pessoas e é considerada o maior desastre socioambiental da história do país.