Jornal Estado de Minas

Ministério Público Federal investiga danos ao patrimônio histórico de Tiradentes

O casal de namorados Ricardo Caetano e Renata Figueiredo, moradores do Rio de Janeiro, estranhou a situação precária do calçamento do Centro Histórico - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press
Tiradentes – Há muitas pedras – e falta delas, também – no caminho dos visitantes que chegam a Tiradentes, na região do Campo das Vertentes, para conhecer o patrimônio cultural, assistir aos filmes da 21ª Mostra de Cinema, que termina hoje, e curtir a boa mesa. Entre uma atração cultural e outra, os turistas se queixam da situação do calçamento no Centro Histórico, área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e que, em 2015, na administração municipal anterior, foi alvo de um projeto de revitalização com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), para melhoramento do piso que dá charme à cidade. O atual prefeito, José Antônio do Nascimento (PSDB), conhecido com o Zé Antônio do Pacu, critica o serviço, diz que recebeu o problema “de herança” e revela que está sendo obrigado a aplicar verba da prefeitura para consertar “o que ficou malfeito”. Já o Ministério Público Federal (MPF) apura se houve erros no projeto e danos ao patrimônio.

Irritado, José Antônio informa que está corrigindo, aos poucos, “os erros cometidos nas principais vias públicas”, incluindo a Rua da Câmara, de acesso à Matriz de Santo Antônio, cartão-postal de Tiradentes e um dos maiores monumentos de visitação, e no espaço que fica atrás do templo do século 18. “Nada foi executado de maneira satisfatória”, avalia. No dia 16, antes do início da Mostra de Cinema, o Estado de Minas flagrou a cena: pedras soltas, buracos e terra empilhada. “A cidade está bem preservada, mas este cenário é triste de ver. Poderia estar melhor”, estranhou o casal de namorados Ricardo Caetano, supervisor de vendas, e Renata Figueiredo, representante comercial, moradores do Rio de Janeiro (RJ).

O conserto no local foi feito e o prefeito diz que já gastou cerca de R$ 100 mil numa área de 1 mil metros quadrados, para reduzir os impactos, que também causam transtornos aos moradores do município, de 7,5 mil habitantes.
“Foram gastos cerca de R$ 5 milhões na obra e o MPF está investigando. Ficamos com esse ônus e devemos lembrar que Tiradentes vive do turismo”, ressalta o prefeito. “A empresa fez um ‘colchão de areia’ sob as pedras, mas não funcionou. Na primeira chuva forte desceu tudo e o serviço foi perdido. Deveriam ter reparado tudo, o que não ocorreu.”

Piso solto na Rua da Câmara, no Centro de Tiradentes: área tombada foi alvo de projeto de revitalização em 2015 - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press

SEM ACORDO A história da revitalização do calçamento de Tiradentes tem tantos personagens e posições contrárias que mais parece o roteiro de um filme – baseado, claro, em fatos bem reais, porque basta andar na rua para ver a situação. O ex-prefeito Ralph Justino reconhece que “o serviço na Rua da Câmara e atrás da Matriz de Santo Antônio não ficou bom”. Ele explica que se trata de uma obra “difícil, complexa” e que 90% do projeto iniciado na sua gestão foi concluído.
Justino explica que não foi feito um sistema de drenagem nas ruas e que ficou faltando pagar cerca de R$ 300 mil à empresa de engenharia para terminar o trabalho, nesta administração. “Não houve um acordo entre o atual prefeito e a construtora para esse acerto. Faltou diálogo”, ressalta.

A direção da Suprema Engenharia Ltda., empresa responsável pela execução do projeto, informa, por e-mail: “Primeiramente, cumpre destacar que a obra contratada pela Prefeitura de Tiradentes se iniciou após o decurso de mais de 12 meses de sua contratação, uma vez que vários foram os problemas de projeto que eram de responsabilidade do município. Não obstante a espera, demos início às obras como ordenado. Destaca-se que a empresa elaborou cronograma para execução de obra em três frentes de trabalho, para que o calendário municipal não pudesse ser prejudicado e a obra fosse executada dentro do prazo máximo contratado. Entretanto, enfrentamos vários problemas por culpa exclusiva da prefeitura. Várias foram as paralisações ordenadas pelo Iphan por erro ou inexistência de projeto, o que causou à empresa inúmeros prejuízos”.

E mais: “A inexequibilidade de projetos também foi um problema enfrentado, além da não execução de obras básicas, como drenagem, que prejudicaram em muito o serviço executado pela empresa. A Rua da Santíssima Trindade não teve projeto de drenagem e reconhecidamente por todos os envolvidos a inexistência de tal prejudica inteiramente os serviços dessa rua e das adjacentes.
Enfim, vários foram os problemas apresentados, e a Suprema ainda assim concluiu integralmente o que foi contratado, permanecendo, entretanto, sem pagamento pelo município das notas fiscais, que totalizam mais de R$ 300 mil”.

“Até mesmo o Ministério Público Federal foi por nós procurado a fim de intermediar um acordo para que tudo pudesse ser finalizado. Entretanto, a municipalidade se furtou de todas e quaisquer obrigações contraídas junto à empresa”, completa o texto.



VISTORIA Por meio de nota, o Iphan informa que foi feita uma vistoria no calçamento de Tiradentes na quinta-feira, e está sendo elaborado um relatório. A Secretaria de Estado da Cultura, por sua vez, esclarece que não é a executora da obra, “cujo objeto consiste na revitalização de vias públicas a fim de melhorar a qualidade do calçamento, acessibilidade, infraestrutura, trânsito para veículos e pedestres e o monumento histórico denominado Chafariz de São José”.

Em nota, a secretaria diz ainda que “os recursos para a execução da obra são fruto de empréstimo realizado pela prefeitura junto ao BNDES”, no qual foi interveniente. Dessa forma, afirma, cabe à prefeitura “realizar a fiscalização dos trabalhos, bem como os relatórios pertinentes à execução físico-financeira, além dos comparativos específicos das metas propostas com os resultados alcançados”. O MPF informa que o caso está sendo apurado e se baseia em erros detectados pelo Iphan.

A Prefeitura de Tiradentes, via assessoria de comunicação, tem um passo a passo de todas as atividades no ano passado, a partir de janeiro, quando recebeu um ofício do Iphan a respeito do assunto. O relatório inclui reuniões do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano, laudos técnicos enviados à empresa responsável pela obra, reunião com os executores (que se comprometeram a refazer os serviços, em 18/5/17) e governo do estado, solicitação de intervenção ao Ministério Público de Minas Gerais, “pois quem deveria corrigir as obras seria a empresa executora das mesmas”, e outros. O documento diz ainda que a prefeitura pedirá, na Justiça, o ressarcimento dos recursos investidos nas obras.

INTERVENÇÃO Também em nota enviada por e-mail, o BNDES informa que “existe uma intervenção em Tiradentes, integrante do conjunto das ações aprovadas no Programa de Desenvolvimento Integrado II (PDI-II), formalizado por meio do Contrato de Financiamento mediante Abertura de Crédito 12.2.0952.1, firmado entre o BNDES e o Estado de Minas Gerais, em 11/12/2012. (Ou seja: o contrato em vigor é entre o BNDES e o governo de Minas. De modo que, nesse caso, o banco pode afirmar que, da sua parte, não há pendência perante os compromissos assumidos no contrato.)

A direção do banco informa ainda que “dentro do contexto da referida operação de crédito, foi aprovada em 3/11/2014, após a solicitação do estado de Minas Gerais, a concessão de recursos para a execução da intervenção denominada ‘Revitalização em vias públicas e monumentos históricos do município de Tiradentes (MG)’, voltada à execução de obras e serviços para revitalização de vias públicas e revitalização de monumento histórico (Chafariz de São José), do município de Tiradentes/MG. O estado, por sua vez, celebrou convênio com o município, este sim responsável pela execução da intervenção.
Foram desembolsados recursos para essa intervenção, sendo que os repasses para o município de Tiradentes foram realizados em 2015 e 2016.” Segundo informações disponibilizadas pelo estado de Minas Gerais, a data da ordem de início das obras ocorreu em 4/6/2015.

“Como dito antes, o referido projeto é executado diretamente pelo município de Tiradentes, que não tem relação contratual com o BNDES. Assim, o acompanhamento de sua execução é realizado levando-se em consideração informações apresentadas pelo estado de Minas Gerais, beneficiário do contrato 12.2.0952.1. Cumpre assinalar que os dados de execução física e financeira encaminhados pelo estado de Minas Gerais são avaliados, conforme requisitos contratuais, pelo grupo técnico de acompanhamento do BNDES, junto com os demais projetos firmados com o estado de Minas Gerais sob o contrato 12.2.0952.1.”

Finalmente, a direção do agente financeiro esclarece que, “assim como em todas as nossas operações, o BNDES tem cobrado do estado informações atualizadas sobre o andamento do projeto, eventuais pendências e estimativa de conclusão. O relato do estado de Minas Gerais é de que tem enfrentado dificuldades junto ao município neste acompanhamento para atender às nossas demandas”.

 

 

"Trabalho de alto nível"


 

Em 17 de agosto de 2015, o Estado de Minas anunciou o começo do projeto para proporcionar mais conforto e segurança a moradores e visitantes. A obra de revitalização do calçamento ocorria depois de três anos de expectativa, e incluiria retirada das pedras, preparação do terreno, nivelamento e compactação da base e, finalmente, retorno do piso. A expectativa era de um ano e meio de intervenção, mas, segundo o prefeito Ralph Justino, o tempo poderia ser reduzido para oito meses. Ele garantiu: “Será um trabalho de alto nível, com benefícios para a população, que terá firmeza para caminhar melhor, e para a cidade, pois haverá mais durabilidade na pavimentação. Há muitos buracos, áreas faltando pedras, com problemas também para os veículos. Tivemos um mês de mobilização e discussões com a comunidade, portanto, agora, é só dar a largada”, afirmou o prefeito.

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