Jornal Estado de Minas

Surto de febre amarela pode ter mesma origem do vírus que matou 162 mineiros em 2017


O surto de febre amarela, que provocou neste ano nova corrida aos postos de saúde e trouxe o medo a locais onde nem sequer a vacinação era recomendada, como São Paulo e Rio de Janeiro, pode ter como origem a mesma cepa de vírus que matou 162 mineiros em 2017. A suspeita tem sido investigada por Sérgio Lucena, primatólogo e professor de zoologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), que, desde o surto de 2016/2017, tem avaliado a dinâmica da doença sobre as populações de primatas de Minas Gerais e capixabas, sendo também um dos responsáveis pela criação do Projeto Sentinelas, um observatório para o monitoramento dessas espécies. “Algo que temíamos, naquela época, acabou acontecendo: a febre amarela permaneceu na mata atlântica, matando milhares de macacos e se expandindo para áreas onde a sua presença não era comum”, afirma o especialista.

De acordo com o último informe epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde (SES), foram confirmados 47 casos de febre amarela e 25 mortes em Minas. Em São Paulo ocorreram 36 mortes e oito óbitos no Rio de Janeiro. A expectativa é de que ainda dure pelo menos mais uma semana o pico de transmissão da doença, iniciando seu declínio.

Segundo o biólogo da Ufes, as ações humanas propiciaram que a febre amarela se mantivesse ativa nas matas e se expandisse pelo Brasil. “Já foram identificadas cepas do vírus que matou no ano passado em MG e no ES como sendo originárias da Amazônia. Ou seja, a doença está circulando pelo Brasil, sendo levada pelos homens”, afirma. O especialista Sérgio Lucena diz que isso ocorre porque a maioria das pessoas é assintomática para a febre amarela, ou seja, contrai a doença, mas não desenvolve a sua fase mais aguda e mortal, ao mesmo tempo em que se torna uma fonte de contaminação para mosquitos de outras regiões por onde essa pessoa passa.
“Essa é uma das formas mais importantes de alastramento da doença que observamos”, diz.

Além dessa forma, Lucena destaca outras duas como sendo as mais prováveis de circulação da febre amarela para áreas diferentes. “O tráfico de animais, de primatas contaminados que fogem de seus cativeiros é uma forma de introdução do vírus em áreas onde ele não existia. Mesmo com a fragmentação da mata atlântica, as rajadas de vento têm sido capazes de arrastar os mosquitos que ficavam no interior de uma floresta para uma outra área, cobrindo extensa área.”.


MAIS PERTO O surto dos anos de 2016/2017 (julho) se concentrou especialmente na região Leste de Minas e na região Oeste do Espírito Santo. Neste ano, a doença se aproximou perigosamente da Grande BH, com casos em Brumadinho, Mateus Leme, Nova Lima, Rio Acima, Sabará e Santa Luzia, alastrando-se para o Centro-Oeste e Sul de Minas. As regionais de saúde de BH, Barbacena, Juiz de Fora, Itabira e Ponte Nova foram consideradas as mais graves. O subsecretário de Vigilância e Proteção à Saúde de MG, Rodrigo Fabiano do Carmo Said, afirma ser complexo comprovar que veio de Minas e do Espírito Santo o vírus da febre amarela que tem afligido áreas litorâneas do país onde teoricamente a doença não circulava. “É difícil saber ao certo.
Temos áreas em SP, no limite com MG, que registraram circulação do vírus, com epizootias (morte de animais) no ano passado. Parte já era área de recomendação (para a vacina). Mas é notório que houve expansão próxima às áreas litorâneas e metropolitanas”, afirma.

O subsecretário concorda com o professor da Ufes que a causa desse alastramento está intimamente ligada à devastação do meio ambiente. “É sabido e comprovado que a febre amarela se dissemina com grande intensidade em áreas com processo de degradação ambiental. Isso é um dos fatores mais propícios para a dinâmica da doença, pois essa é uma doença silvestre, está ligada às matas, aos mosquitos das matas e aos macacos das matas”, observa Said. Conforme avaliação do subsecretário, os surtos de febre amarela são sazonais e o declínio da doença está próximo. “Não que isso vá reduzir a atenção e nossas campanhas.
Ainda estamos em alerta, pois temos, pelo menos, mais uma semana de transmissão importante. São, em média, cinco semanas de transmissão e o declínio vem no início de fevereiro, registrando, depois, apenas casos pontuais.”

Outra semelhança desse surto com o do ano passado é o perfil dos doentes. A maioria é composta por homens, com idade por volta dos 45 anos, sem histórico de vacinação e com contato íntimo com matas, seja por trabalho ou outro tipo de atividades. “É um perfil muito difícil de aderir às campanhas de vacinação. Por isso é preciso fazer a busca, de casa em casa, conferindo os cartões de vacinação”, afirma o subsecretário..