Nova decisão da Justiça sobre os aplicativos de transporte em Belo Horizonte coloca um freio em mais uma tentativa da Prefeitura de BH de regularizar a atividade. Desta vez, uma medida liminar solicitada pelo vereador Gabriel Azevedo (PHS), que é do mesmo partido do prefeito Alexandre Kalil, suspende os efeitos do Decreto 16.832, publicado na semana passada e que obrigava empresas e motoristas a seguirem uma série de normas, entre elas curso para atender passageiros e pagamento de 1% do valor das corridas. Essa é a terceira decisão de maior vulto do Judiciário (veja quadro) que impacta diretamente no funcionamento dos apps, permitindo que o sistema continue funcionando da forma estipulada pelas empresas, desde novembro de 2014 na capital mineira, quando a Uber começou a atuar em BH. O argumento do vereador é que a regulamentação deveria ser feita passando pela Câmara Municipal, por meio de um projeto de lei e não por um decreto. Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que, do ponto de vista legal, o decreto abre brechas para ser questionado.
Apesar de ser do mesmo partido de Alexandre Kalil, Gabriel Azevedo disse que não é obrigado a seguir nenhuma orientação da prefeitura. “As técnicas legislativas não foram respeitadas. Essa decisão não podia ter sido tomada em forma de decreto e o assunto ainda está sendo discutido no Congresso Nacional, por isso a PBH precisa ter paciência neste momento”, afirma o vereador. De acordo com a decisão do juiz, estão suspensos efeitos previstos no novo decreto, entre eles a cobrança de uma tarifa chamada de preço público pela BHTrans. Segundo a empresa que gerencia o trânsito na capital, as donas dos apps deveriam pagar 1% de todas as corridas, destinando esses recursos para ações de educação no trânsito e mobilidade urbana na cidade.
INCONSTITUCIONAL O Movimento dos Motoristas por Aplicativos comemorou a decisão judicial. Eles ressaltam que não são contra a regulamentação e dizem que o decreto da prefeitura é inconstitucional. “A única coisa que solicitamos é a participação de uma comissão de motoristas de aplicativos, para que sejam colocados os nossos pontos. Esse decreto foi contra a Constituição brasileira, que fala que é de responsabilidade do município a regulamentação do transporte público, foi contra a decisão tomada pelo TJMG, que deu ganho de causa aos aplicativos, e foi contra a PLC 28, votada pelo Congresso e pelo Senado”, disse Lainnio Soares de Oliveira, integrante do grupo. “Queremos a regulamentação, mas desde que seja feita uma roda de motoristas dos aplicativos, da Prefeitura de Belo Horizonte, que são os mais interessados. Até porque, dá a entender que a regulamentação foi seguindo São Paulo, que também teve a regulamentação derrubada pela Justiça”, completou.
Uma das ideias dos motoristas do aplicativo é pedir a opinião dos moradores da capital mineira sobre os serviços das empresas. “Deveriam fazer uma consulta pública para ver o que a população tem a dizer a respeito dos aplicativos, porque, hoje, boa parte da população está deixando o carro em casa e até colocando o veículo à venda para utilizar o aplicativo devido o preço dos combustíveis e manutenções”, finalizou Oliveira.
A BHTrans foi procurada pela reportagem para comentar o assunto, mas até o fechamento a empresa não havia recebido a notificação. Por meio da sua assessoria de imprensa, a Uber mantém o apoio ao decreto da PBH dado na data da publicação. “O decreto publicado pela Prefeitura de Belo Horizonte é um passo na direção de uma regulação moderna para a cidade, levando em conta a liberdade de escolha de milhares de motoristas parceiros e usuários da plataforma. Queremos manter o diálogo aberto com a prefeitura para continuar a discutir os benefícios que a tecnologia pode trazer para as pessoas e para as cidades”, afirmou.
A Cabify, por meio de nota, informou que teve acesso à liminar e que “continuará acompanhando as decisões e os posicionamentos da Justiça em relação ao caso”. “A empresa acredita que a regulamentação do transporte individual privado de passageiros e serviços correlatos é, além de legítima, necessária para garantir o bom equilíbrio concorrencial; contudo, a regulamentação não pode se dar de forma a inviabilizar o modelo de negócio que pretende regular.”
Já a 99Pop disse que aguarda posição final da Justiça e que continuará a operar em BH. “ Seguimos operando normalmente na capital mineira de acordo com a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Permanecemos à disposição do poder público para contribuir com uma regulamentação equilibrada que preserve a oportunidade de trabalho e renda dos motoristas e o direito de escolha dos passageiros.”
Congresso discute tema
Em meio ao cenário incerto com relação à atuação de motoristas parceiros de aplicativos, o Congresso Nacional segue discutindo o tema. Nesse momento, o Projeto de Lei 5.587/2016, do deputado Carlos Zaratinni (PT/SP), que já tinha sido aprovado pelo plenário, aguarda indicação de membros para participação em uma comissão especial que vai avaliar o teor do projeto depois que ele recebeu emendas do Senado. No texto, não é necessária a autorização do governo para as empresas operarem, mas os senadores colocaram emendas que desobrigam os carros a usar placas vermelhas e também não será necessário que o condutor seja o dono do carro. Os aplicativos serão obrigados a mandar para as prefeituras a sua base de dados, permitindo que as administrações municipais tenham acesso ao número de motoristas dos apps, onde estão e quem são.
Histórico de polêmicas
Além da liminar que suspende a validade do Decreto 16.832, outras duas decisões de maior vulto moldaram a história recente dos apps na capital. Primeiro, a Justiça suspendeu, também em caráter liminar, em março de 2016, a lei construída pela administração Marcio Lacerda, que permitia aos aplicativos somente a intermediação de corridas de táxis. Um ano e cinco meses depois, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) liberou o funcionamento dos programas em Minas Gerais ao julgar um Incidente de Resolução de Demanda Repetitiva (IRDR). O objetivo era uniformizar o entendimento das câmaras do tribunal em relação à questão. Os desembargadores entenderam pela ilegalidade parcial da Lei 10.900 e foi essa decisão que permitiu à atual administração de BH concluir que era possível regulamentar o assunto por meio de um decreto.
O advogado Bruno Burgarelli, que é professor de direito constitucional da PUC/Minas, acredita que enquanto não houver uma regulação a nível nacional pelo Congresso, com a estipulação de normas gerais, o caminho do serviço dos apps é a judicialização constante sempre que houver novas decisões municipais, o que segundo ele é situação comum para vários assuntos no Brasil. “De fato, essa regulação não poderia ser feita por decreto, deveria passar por projeto de lei. Mas a regulamentação é sim muito importante, até porque, apesar do bom começo dos aplicativos, os danos aos consumidores têm aumentado de forma qualitativa e quantitativa. A regulamentação deve chegar para criar qualidade e segurança para os passageiros”, afirma.
O advogado especialista em direito digital Bernardo Grossi também entende que, pelo fato de trazer inovações para a legislação da capital, a regulação dos aplicativos não poderia vir em formato de decreto, mas sim de projeto de lei. “A legislação municipal feita pelo Executivo por meio do decreto de 2018 criou obrigações para motoristas de apps que não estão previstas na lei de mobilidade urbana. Não é possível criar obrigações por decreto do Executivo. O que eu posso fazer é especificar e detalhar coisas já previstas na lei”, afirma.