Perspectiva de vida renovada para um dos espaços mais nobres de Belo Horizonte. O governador Fernando Pimentel e o prefeito Alexandre Kalil se preparam para anunciar em conjunto, depois do carnaval, um projeto de restauração da Praça da Liberdade, na Região Centro-Sul da capital. Conforme fonte ouvida pelo Estado de Minas, a ação vai contemplar a recuperação de equipamentos e a revisão do paisagismo, de forma a preservar o espaço inaugurado em 1897 e tombado há 40 anos pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG). O local sofre os impactos do tempo, do uso constante e de atos de vandalismo.
Na sexta-feira a praça voltou a ser o centro das atenções urbanas, depois que Fernando Pimentel desativou o Palácio Tiradentes, na Cidade Administrativa, inaugurada em 2010 no Bairro Serra Verde, em Venda Nova, e declarou novamente o Palácio da Liberdade como sede do Executivo estadual – desde 2015, o governador petista despacha no prédio centenário, em estilo eclético com influência neoclássica, que data da época da fundação da capital. O local foi adotado e totalmente recuperado pela mineradora Vale em 1991, seguindo o estilo paisagístico de sua primeira reforma, datada da década de 1920, ano da visita dos reis da Bélgica a BH. O pioneirismo na adoção virou referência e sedimentou o Programa Adote o Verde, iniciativa municipal que permite a empresas, instituições e indivíduos adotar e revitalizar espaços públicos municipais.
Também na semana passada a praça voltou a ser notícia, com o estado de degradação de seu coreto, uma das referências do conjunto, que foi alvo de pichadores. Sujo pelos vândalos com tinta spray preta, o monumento foi reinaugurado em 2013, depois de dois anos interditado. Hoje, a cada lado da estrutura o visitante sente falta de um detalhe. Em 2010, foi furtada a placa de bronze medindo 60cm x 40cm, que identificava o busto do imperador dom Pedro II (1825-1891). Na época, a Associação dos Amigos da Praça da Liberdade (Apraliber) deu o grito, mas o sumiço parece ter caído no esquecimento.
BRAÇO QUEBRADO De tão bonita e refinada, a escultura Moça mirando o espelho d’água, que não consegue atualmente refletir tanta beleza na água escura empoçada, se transformou em um dos pontos preferidos dos visitantes para fotos e selfies. Muitos se entristecem ao ver a estátua com o braço quebrado e o vaso faltando um pedaço. Na tarde de quarta-feira, o estudante de direito Luiz Fernando Vilela Leite, de 23 anos, que mora nas proximidades, fez um registro fotográfico e lamentou o estado de degradação, que, aliás, é recorrente. “Gosto demais daqui, venho diariamente. Pena estar assim, pois incomoda a gente”, afirmou o jovem, adepto de caminhadas e contemplação do espaço.
DIVERSIDADE Visitantes meditando, outros passeando com cachorros, casais apaixonados nos bancos das alamedas, turistas de câmera ou celular em punho, atletas em exercício ou gente simplesmente curtindo – tem de tudo e de todos na Liberdade, apelidada de “Liba” pelas tribos variadas de jovens que a frequentam. Com seu trompete, o aposentado Luiz Antônio Carvalho, nascido no Bairro Floresta, na Região Leste de BH e hoje morador do distrito de São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, na Grande BH, quebra o silêncio da tarde com sucessos de Frank Sinatra (Strangers in the night) e músicas compostas por Tom Jobim (como Insensatez).
“Venho a vida inteira. Acho a praça bem conservada, e é preciso ser bem tratada. O problema é que há muitos eventos: as pessoas participam, mas pisoteiam a grama, destroem os jardins”, afirma Luiz Antônio. Ao ouvi-lo, o gestor comercial Marcus Carvalho, morador de Americana (SP) e a trabalho, em BH, contou sua curta experiência na cidade. “Estou tranquilo, achei o Centro da cidade seguro, desde o momento em que cheguei à rodoviária. Gostei também de ver a limpeza, e esta praça é linda”, comentou o paulista.
Marco no tempo e no espaço
» 1894
Palácio da Liberdade, em estilo eclético com influência neoclássica e marco da Praça da Liberdade, sai da prancheta de José de Magalhães
» 1920
Visita dos reis da Bélgica a Belo Horizonte. A Praça da Liberdade passa pela primeira grande reforma
» 1942
Durante a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Praça da Liberdade se torna palco de grandes manifestações contra Alemanha, Itália e Japão. O estopim ocorre quando mais de 50 navios brasileiros, em águas nacionais, são torpedeados por submarinos alemães
» 1951
Depois de nomeado prefeito de Belo Horizonte, Juscelino Kubitschek se elege governador de Minas. No dia da posse, ele desfila em carro aberto pela Alameda das Palmeiras
» 1960
Em 31 de julho, multidão festeja a consagração de Nossa Senhora da Piedade como padroeira de Minas Gerais no local. A proclamação ocorrera dois anos antes, em Roma, pelo papa João XXIII
» 1969
Criada a Feira de Artesanato da Praça da Liberdade, que ficou conhecida como Feira Hippie
» 1979
Em 29 de maio, professores que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho são expulsos pela polícia, que usa jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo
» 1985
Falecido em 21 de abril, o presidente Tancredo Neves é velado no Palácio da Liberdade. Na época, a grade do palácio cedeu à pressão da multidão que se comprimia às portas da sede do governo. Houve gente pisoteada e sete mortos
» 1991
Começa o projeto de restauração do espaço, a cargo da arquiteta Jô Vasconcellos. A avenida Afonso Pena se torna o novo endereço dos feirantes
» 1997
Em 24 de junho, o cabo da PM Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, é assassinado na praça, com um tiro na cabeça. Ele era um dos líderes de passeata por melhores salários
» 2010
A sede do governo de Minas é transferida para a Cidade Administrativa, no Bairro Serra Verde, na Região de Venda Nova
» 2018
Governador Fernando Pimentel volta a despachar oficialmente no Palácio da Liberdade
Palco escolhido pela história
Espaço de histórias, lutas, conquistas e lazer, a história de Minas – e do Brasil, por que não? – passa necessariamente pela Liberdade. Ao longo de décadas, ali foi o palco de todos os tipos de manifestação: políticas, sociais, religiosas, culturais e cívicas. O espaço de 120 anos, que também abrigou cerimônias fúnebres e festivas, não perde o posto de marco estratégico no município: especialistas explicam que, ao projetar a nova capital, a comissão construtora chefiada pelo engenheiro Aarão Reis escolheu o ponto mais alto para receber a sede do poder estadual.
Não custa lembrar que, além de lugar charmoso, a praça é síntese de vários estilos arquitetônicos, como os prédios das antigas secretarias de Fazenda e Educação e Obras e Vias Públicas, da época da construção; ou o Edifício Niemeyer e a Biblioteca Pública, projetados pelo arquiteto modernista Oscar Niemeyer (1906-2012). Da lavra contemporânea, pontifica o Rainha da Sucata, da década de 1980, do arquiteto Éolo Maia (1942-2002).
Entre os fatos marcantes, os pesquisadores chamam a atenção para os milhares de mineiros que compareceram à praça para bradar contra os países do Eixo, formado por Alemanha, Itália e Japão, durante a Segunda Guerra Mundial. Outra data que entrou para a história do espaço foi 29 de maio de 1979, quando professores, a maioria mulheres, que reivindicavam aumento salarial e melhores condições de trabalho foram expulsos pela polícia da praça. Os militares usaram jatos d’água e bombas de gás lacrimogêneo para forçar os educadores a bater em retirada.
Um dos momentos mais marcantes do complexo foi o velório, no Palácio da Liberdade, do ex-presidente Tancredo Neves (1910-1985), morto em 21 de abril de 1985. Em meio à comoção geral, a grade que protegia a sede do governo arrebentou devido à pressão da multidão. Sete pessoas morreram. Na sacada do palácio, a viúva Risoleta Neves (1917-2003), com voz embargada, pedia calma aos mineiros, em um apelo dramático para conter o povo aglomerado que queria se despedir do ex-presidente. Outra cena que ficou gravada na memória dos mineiros foi o assassinato, com um tiro na cabeça, do cabo da Polícia Militar Valério dos Santos Oliveira, de 36 anos, que liderava passeata por melhores salários na corporação em 1997.
Mas a alegria também dominou a praça, que teve grandes celebrações. Entre os mais marcantes estão a posse do presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976), em 1951; a aclamação de Nossa Senhora da Piedade, em 1960, como padroeira dos mineiros; e bem antes de todos esses fatos, nos idos de 1920, a recepção aos reis da Bélgica.
O tempo passa, o novo século chega e a Praça da Liberdade não para de surpreender. Em setembro de 2000, o Palácio da Liberdade se transformou em trincheira do então governador Itamar Franco, que se sentia ameaçado pela presença de tropas federais em Minas. A sede do poder estadual foi cercada por carros de choque, helicóptero, atiradores de elite, UTI móvel e barraca de campanha. Agindo como se um ataques de tropas federais fosse ocorrer a qualquer momento, Itamar permanecia em vigília e alertava para risco de “mortes”.
Soldados com o rosto coberto por máscaras tipo ninja apareciam nas sacadas do Palácio. Em entrevista ao EM, em 13/9/2000, Itamar garantiu ter informações sigilosas de que “se planejam atos contra o Palácio da Liberdade”. Também estão frescas na memória de muitos mineiros as manifestações, em 2015 contra a corrupção.