Na sala da casa da sua mãe, Maria Lúcia Costa e Souza, no Bairro São Bento, na Região Centro-Sul da capital, Renata comemora a decisão, embora sem esconder as lágrimas por um motivo especial. “A Justiça reconheceu que Wando e eu formamos uma família, da qual o maior fruto é nossa filha Maria Sabrina, de 11 anos. Ninguém pode imaginar o desgaste emocional num processo assim, envolvendo uma pessoa pública. Minha luta é uma demonstração de respeito pela memória de Wando”, afirma a psicóloga. Ao lado, com os olhos brilhando, Maria Lúcia revela que a maior felicidade “é o reconhecimento da minha filha como esposa”.
Encostada na porta de entrada da residência, e segurando um quadro com a foto do casal nos primeiros tempos da relação de sete anos, Renata conta que a decisão é fundamental também na vida da filha. “Batalhei muito para ver este dia chegar, e espero que, em segunda instância, haja a confirmação da sentença. O maior desejo é ver Maria Sabrina feliz, orgulhosa do pai que teve.”
Outra razão de alegria familiar virá no domingo de carnaval, quando a menina participará do bloco Beiço do Wando, que homenageia o cantor nos desfiles. “Ela vai cantar, a capela, O importante é ser fevereiro”, adianta. Na tela do celular, a mãe coruja mostra o vídeo do ensaio da filha com músicos do bloco, cuja concentração será a partir das 8h de domingo (dia 11), na Praça da Pampulha, com saída do cortejo da folia às 9h. “Minha filha e eu ficamos satisfeitas ao conhecer os fundadores do bloco. São pessoas bem parecidas com o jeito de ser de Wando”.
HERANÇA Se confirmada a decisão da Justiça mineira, Renata explica que terá direito a 50% e mais uma quinta parte dos bens de Wando – as quatro restantes serão divididas entre Maria Sabrina e mais três filhos do cantor. São eles Vanderlei Júnior e Gabrielle Burcci, do casamento anterior, e dois netos, filhos do maranhense Marco Antônio, já falecido. Uma suposta filha que vive na Alemanha não entrou no espólio, “pois nunca fez o exame de DNA para comprovar a paternidade, nem sequer se habilitou no processo de inventário”, esclarece a psicóloga. Ao lado da advogada Lúcia Ribeiro Silva, em atuação no caso com a também advogada Karen Becker, Renata observa: “Serei herdeira e meeira”.
Sem saber a extensão e valor do patrimônio do artista, natural de Cajuri, na Zona da Mata, apenas que a maioria se relaciona a imóveis e direitos autorais, Renata observa que tudo está bloqueado judicialmente, sem qualquer acesso dos herdeiros. “Educo minha filha com meu trabalho”, afirma a psicóloga, que, no início do processo, foi indicada inventariante do espólio, no processo em tramitação em Minas. No Rio de Janeiro, onde moram os outros herdeiros, há outro em andamento.
Depois de mostrar o vídeo de Maria Sabrina, Renata elogia a sentença – “foi muito bem escrita, fundamentada e detalhada”. E mais: “Houve uma grande riqueza de provas, como retratos do nosso dia a dia, documentos, 22 vídeos e depoimentos de testemunhas. Wando sempre foi uma pessoa muito correta, homem honesto, que gostava de ver tudo direito. Faço isso em nome do respeito que tinha por ele e, agora, pela sua memória.”
O Estado de Minas tentou entrar em contato com o advogado dos herdeiros, num telefone fixo e celular, mas não houve resultado. Pelas informações verificadas na apuração, o processo está em fase de recursos e os herdeiros residentes no Rio já recorreram da decisão.
HISTÓRIA DE AMOR A história de amor de Wando e Renata, casal com diferença de 25 anos, começou quando ela tinha 19, em 1991. Num fim de semana com a família, no Rio – “a gente ia sempre, raramente ficava em Belo Horizonte” –, a menina foi a um show do cantor, por insistência da irmã mais nova, Rachel. “Era Tenda dos Prazeres, no Canecão. Fiquei apaixonada por ele, era um artista de primeira no palco.” A partir daí, a jovem aprendeu todas as canções do repertório do cantor e comprou vários LPs, mais conhecidos hoje por vinil.
Tempos depois, Wando fez show no Palácio das Artes, em BH, sem lugares marcados na plateia, e Renata, por armadilhas do destino, se sentou logo na frente: “Foi pura sorte. Havia só uma fila bem comprida. De repente, o porteiro a dividiu em duas e eu fui a primeira da outra fila”. Wando logo notou a garota que sabia de cor e salteado todas as músicas e a convidou, no fim do espetáculo, para ir ao camarim com a irmã e a mãe. Depois, eles namoraram e terminaram, até que Renata entrou para a faculdade e se casou com um advogado, que morreu num acidente em 2005. “Era uma pessoa excelente, adorável, mas Wando foi diferente, tinha essa alma de artista”, resume.
Viúva, Renata se encontrou novamente com Wando e eles resolveram morar juntos. “No nosso relacionamento não faltou nada. Ele era romântico, engraçado, delicado, elegante, vigoroso, bom pai, bom genro e muito sensual. Não tinha defeitos. Tinha um jeito especial de olhar para a gente. Aliás, só de olhar já me preenchia”, conta Renata, já que divide o tempo nos cuidados com a filha e o trabalho na clínica de psicologia de um hospital.
Morte em 2012
O coração de Wando parou de bater no início da manhã de 8 de fevereiro de 2012. Ele sofreu parada cardíaca às 6h40 e, mesmo com manobras de ressuscitação no Centro de Tratamento Intensivo (CTI), morreu às 8h. Em 27 de março, o artista chegou ao Instituto Biocor, em Nova Lima, por uma recomendação do cardiologista João Carlos Dionísio. Fatores como estresse, sedentarismo, má alimentação e hereditariedade foram apontadas pela equipe médica como as possíveis causas da aterosclerótica que vitimou o artista e se traduz pelo entupimento dos vasos por placas de gordura. A luta pela vida de Wando começou com alterações no eletrocardiograma e outros exames, como a cintilografia miocárdica. Ele estava pesando 110kg e, devido ao quadro de angina, foi submetido, no mesmo dia, a um cateterismo. Na madrugada seguinte, sofreu infarto. Teve que fazer angioplastia coronariana de múltiplas artérias, com implantação de stents – tubos de metal colocados na artéria coronária. Não foi possível uma ponte de safena. Na sequência, voltou ao bloco cirúrgico para se submeter a traqueostomia. Os dias seguintes animaram médicos, mas o artista morreu a poucos dias do carnaval.