Dor pela perda dos entes queridos e revolta contra as condições dos ônibus que atendem ao Bairro Mangueiras, na Região do Barreiro, em Belo Horizonte, palco da tragédia envolvendo um coletivo da linha 305 (Estação Diamante/Mangueiras) que deixou cinco mortos e 18 feridos. Esse é o cenário após o acidente com o veículo de passageiros que desceu uma rua por cerca de 500 metros e praticamente decolou ao subir em uma calçada e cair em um córrego, batendo na mureta de proteção do outro lado do canal na noite de terça-feira. Tomados pelo sentimento de tristeza – ampliado pela piora no estado de saúde dos feridos – parentes das vítimas reclamam que os ônibus que atendem ao bairro estão sucateados.
A BHTrans sustenta que as vistorias na frota aumentam conforme a idade dos ônibus e a última checagem no coletivo acidentado tinha sido feita em outubro, com nova vistoria prevista para maio. O ônibus tinha oito anos de fabricação, dois a menos que o limite do sistema. Enquanto a empresa responsável afirma que a manutenção estava em dia, cabe à Polícia Civil, em 30 dias, apontar as causas da tragédia por meio da perícia. O Sindicato dos Rodoviários de BH e Região (STTRBH) disse que vai acompanhar de perto todas as investigações relacionadas ao ocorrido e cobrará das autoridades os esclarecimentos dos fatos.
O clima de tristeza se espalhou pela porta dos hospitais que receberam os feridos e também pelo Instituto Médico-Legal (IML), onde parentes dos cinco mortos estiveram durante toda a manhã para os trâmites de liberação dos corpos. No Hospital João XXIII, a tristeza da tia da jovem Emanuele Cristina Dias, de 15, Valdirene Amaral, era muito grande devido às informações que apontavam o quadro gravíssimo da garota. Além do estado delicado de Emanuele, outro sobrinho de Valdirene também foi internado, só que no Hospital Risoleta Neves, na Região de Venda Nova. A unidade informou que Daniel Henrique Dias, de 11, também se encontrava em situação grave. “Eles estavam indo para uma festa de carnaval no Bairro Tirol. Essa situação é muito triste porque havia muitos jovens e minha sobrinha está muito grave. O jeito é rezar”, afirma Valdirene, que ficou extremamente abalada com o desastre.
Ela mora na mesma rua que os sobrinhos, no Bairro Mangueiras, e conhece bem a realidade dos ônibus que atendem ao bairro. “Já pedimos melhorias várias vezes, mas não tem jeito. Só temos ônibus velhos para nos atender”, diz ela. Quem ajudou a amparar Valdirene na porta do João XXIII foi a copeira Maria do Carmo Ribeiro de Souza, que foi até o hospital com familiares para saber notícias do primo Vinícius Henrique, de 17. “Os ônibus do Mangueiras são uma porcaria. Quando eles descem a rua do acidente, parece que estão voando e ninguém toma providência. Onde está a empresa para falar da situação do freio do ônibus?”, questiona Maria do Carmo.
Quem também apareceu no João XXIII na manhã de ontem foi a vendedora Sara Corrêa. Ao ver as notícias do acidente, ela imaginou que o irmão, Lucas Corrêa Marques, de 24, pudesse estar no ônibus, porque ele é morador do Bairro Mangueiras e a família está sem notícias do rapaz. Em nenhum dos hospitais ele foi encontrado. “Ele estava sem documentos, então pode ser que esteja como desconhecido em algum hospital. Nunca tive problemas com os ônibus do Mangueiras, mas sempre que preciso usar reparo que são bem velhos”, diz Sara.
Os corpos de quatro dos cinco mortos no acidente foram enterrados ontem: do motorista do coletivo, Marcio João de Carvalho, de 59; de Maria do Carmo Pereira dos Santos, de 73; Dayse de Fátima Josino Trindade, de 56; e Nayara Dias Martins, de 30. O sepultamento de Thais Soares Morais, de 25, foi marcado para hoje, para aguardar a chegada de parentes. O marido e a irmã de Thais estiveram no IML ontem e, muito abalados, saíram sem falar com a imprensa.
No enterro de Dayse, no Cemitério da Saudade, o comentário era um só. Testemunhas teriam contado que o motorista gritou que estava sem freio e, no susto, muito se levantaram, o que pode ter contribuído para elevar o número de vítimas. Tia de Dayse, a professora Maura Rosa, de 55, estava inconsolável. “Está muito doído. Há um ano e quatro meses perdeu a mãe, a minha irmã. Quatro meses atrás perdi o meu cunhado, pai da Dayse. Então, imagina como nosso coração está partido de perder uma pessoa tão grandiosa”, disse. A única filha de Dayse, Estér, estava no mesmo acidente e passou por cirurgia ontem no Odilon Behrens.
FERIDOS
O Corpo de Bombeiros informou que 18 pessoas foram socorridas para os hospitais João XXIII, Odilon Behrens, Risoleta Neves e no Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro (HMDCC) . Porém, os boletins de cada unidade somavam 12 feridos atendidos, sendo nove no João XXIII, um do Odilon, em estado grave, e dois no Risoleta. Raquel Pereira Alves, de 21 anos, estava consciente, enquanto Daniel Henrique Dias, de 11, se encontrava no CTI em estado grave, ambos no Risoleta Neves. Ester Carolina Trindade, de 12, permanecia em atendimento no Odilon Behrens. A má notícia veio do João XXIII, onde o estado de saúde dos feridos piorou. Dos nove que deram entrada, seis permaneciam em estado grave e dois estáveis, além da alta de uma paciente. No Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro (HMDCC), quatro homens, com idades entre 16 e 18 anos, seguem internados. Segundo a Secretaria Municipal de Saúde (SMSA) o estado de saúde deles é estável.
Apesar das reclamações da população, segundo o encarregado de tráfego da Transoeste, empresa responsável pela linha de ônibus 305 e outras seis linhas gerenciadas pela BHTrans, Fábio Júnior, o coletivo tinha as manutenções em dia. “Todos os documentos solicitados pela Polícia Civil foram entregues e eles vão apontar as causas”, diz ele. A BHTrans informou que o ônibus foi fabricado em 2010 e por isso tem mais dois anos de vida útil antes de ser eliminado da frota, que tem idade máxima permitida de 10 anos. O coletivo passou por vistoria em outubro e tinha outra checagem agendada para maio, pois a periodicidade das vistorias aumenta de acordo com a idade do veículo. Ainda segundo a BHTrans, os ônibus recebem a primeira inspeção quando entram no sistema e a segunda quando completam dois anos. De três a seis anos, as vistorias são anuais, e de seis a 10 a inspeção é feita semestralmente. A investigação deverá ser conduzida pela Delegacia Especializada em Acidentes de Veículos (Deav). A expectativa é que a perícia seja concluída em 30 dias e aponte qual foi o fator determinante para a batida. (Colaboraram Gladyston Rodrigues e João Henrique do Vale)
Memória
Tragédia no Arrudas
Em 16 de julho de 1999, outra tragédia marcou Belo Horizonte. Um ônibus da linha 1404, que fazia o trajeto Alto dos Pinheiros/Bairro Tupi, caiu no Ribeirão Arrudas. O coletivo bateu em três veículos na Avenida dos Andradas com Rua Tupinambás. De acordo com a Polícia Militar (PM), nove pessoas morreram e 67 ficaram feridos. Muitas vítimas morreram afogadas por não conseguir se livrar dos ferros retorcidos da cabine do ônibus, que ficou submerso no leito do Arrudas.