Jornal Estado de Minas

Mesmo com remoções, mais famílias seguem ocupando margens do Anel Rodoviário

A casa do pedreiro José Geraldo recebeu o selo de remoção: "Realmente aqui é perigoso", diz - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PressDe um lado, início do reassentamento de famílias que ocupam áreas invadidas às margens do Anel Rodoviário de Belo Horizonte, por meio de uma parceria entre várias autoridades para resolver o problema das moradias irregulares e sem segurança. De outro, falta de atuação do poder público para fiscalizar novas construções à beira da rodovia e até mesmo em lugares onde já houve cadastramento de famílias que serão reassentadas. Enquanto as primeiras pessoas recebiam títulos de propriedade de suas novas casas após deixarem residências consideradas de risco extremo, a reportagem do EM observava movimentações na área mais recente ocupada perto das margens da via. Essa situação indica a ausência do poder público para evitar que as ações coordenadas pela Justiça Federal se tornem inócuas. Além disso, há indícios na Vila da Luz, comunidade fincada entre o Anel e a BR-381, de que novos moradores estão ocupando locais onde já houve remoções.


De acordo com a Justiça Federal, que coordena o programa “Concilia BR-381 e Anel”, das 1.385 famílias cadastradas para serem removidas de trechos às margens da BR-381 e do Anel Rodoviário, no dia 6 começaram a ser entregues os títulos de propriedade para as primeiras de um grupo de 272. Elas ocupavam áreas de extremo risco e por isso precisaram ser retiradas com mais agilidade, migrando para imóveis por meio de um aluguel social. À medida em que as escrituras forem sendo entregues, o aluguel social deixa de ser pago. O próximo passo é começar o reassentamento das demais famílias cadastradas que estão, segundo a Justiça Federal, em quatro áreas: nas vilas da Luz, Pica-Pau, da Paz e Bom Destino.
As duas primeiras estão posicionadas no fim do Anel Rodoviário, entre o braço da rodovia que segue para Sabará e a BR-381, em direção a João Monlevade. A terceira está sob o viaduto do Bairro Universitário (Região da Pampulha), ainda no Anel, e a última fica às margens da BR-381, depois da barreira da Polícia Rodoviária Federal (PRF), em Santa Luzia, na Grande BH. Porém, segundo o Ministério Público Federal (MPF), o trabalho ainda é muito mais extenso, já que a estimativa é de 8 mil famílias vivendo às margens do Anel, sem contar as ocupações de 2013 para cá.

Na Vila da Luz, a reportagem encontrou várias casas que já receberam o selo da Justiça Federal indicando que serão removidas. É um dos trechos mais críticos do Anel quando o assunto são os atropelamentos. O pedreiro José Geraldo Silva, de 49 anos, perdeu a mãe atropelada no local em 2014. A auxiliar de serviços gerais Maria Alves de Souza, de 63, voltava do serviço quando foi atingida por um carro. “Desde que me mudei para cá, há 19 anos, que penso em um local melhor.
Realmente é aqui muito perigoso e o meu sonho é sair daqui, mas só terei condições com o reassentamento prometido. Minha casa é uma das que vai ser removida”, afirma José Geraldo. O servente de pedreiro Adão de Paula de Oliveira, de 51, é outro cuja casa vai sair dali. “Acho que a obra deveria ser feita junto com os reassentamentos para já ir removendo as famílias e fazendo a reforma no Anel”, afirma. Na própria Vila da Luz já houve remoções de pessoas em situação de risco, segundo moradores ouvidos pela reportagem. Em um dos imóveis demolidos já há indicativo de que uma nova residência está surgindo, pois pedaços de madeira foram reunidos formando o início da estrutura de uma nova casa. Moradores também dizem que há novos moradores em lugares de onde outras pessoas saíram para receberem outros imóveis.



NÃO AO DESPEJO Enquanto isso, não há nenhum sinal da presença das autoridades para resolver a situação da ocupação mais recente, que fica às margens do Anel. Batizada de Vila Esperança pelos moradores, está encravada entre a Avenida Tereza Cristina e o Anel, no sentido Vitória, ao lado do pontilhão da linha férrea, entre os bairros Madre Gertrudes e das Indústrias.
Uma faixa colocada na ocupação fala em 140 famílias que não aceitam o despejo e vão lutar para manter suas casas. Apesar de ainda existirem casas de madeira e todo tipo de material reaproveitado, a grande maioria já é de alvenaria. Um morador que pediu para não ser identificado disse que se mudou para o local devido à dificuldade de pagar aluguel. “Fiquei desempregado e não tive condições. Uma coisa é a prefeitura chegar e evitar as ocupações quando a primeira pessoa chega. Outra coisa é mexer em um terreno consolidado como este”, afirma.

Bem perto dali, já no sentido Rio de Janeiro, outra ocupação recente está instalada, na esquina com a Rua Doutor Cristiano Resende. Uma obra de uma casa indica movimentação recente no terreno, ocupado há pouco tempo. O responsável, Gerson Gleison Batista, de 37, disse que o local é particular e não invade área de domínio público do Anel. “Existe uma discussão na Justiça com outra pessoa que se diz dona do terreno, mas ocupou da mesma forma que a gente. O próprio pessoal da Via-040 orientou a não construir nada a menos de 31 metros da marginal do Anel e nós respeitamos essa questão”, afirma.
De fato, a Via-040, concessionária responsável pela gestão de 10 quilômetros do Anel, informou que monitora o local e até o momento não identificou ocupações irregulares dentro dos limites de sua gestão. Sobre a ocupação do Madre Gertrudes, a empresa informou que ajuizou pedido de reintegração da área, processo que está em andamento na Justiça Federal, para garantir a segurança dos usuários do Anel e das famílias que ocupam a área em questão.

O procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal (MPF), Helder Magno da Silva, diz que a situação das ocupações reflete um problema de políticas públicas de moradia na cidade. Segundo o procurador, o MPF tem atuado para que a retirada de moradores seja feita de forma humanizada e foi a partir de uma Ação Civil Pública do MPF e da Defensoria Pública da União que o acordo de reassentamento foi celebrado. Helder Magno ainda critica a falta de ação do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para evitar que a situação chegue ao ponto da necessidade das remoções e exija um trabalho muito mais complexo. “A partir do momento em que o Dnit não ocupa as áreas ou deixa de tomar medidas para evitar as ocupações, ele se torna responsável pelo problema e não pode tirar as pessoas sem respeitar uma série de questões. Se alguém iniciar o loteamento irregular, o poder público tem que agir de imediato”, afirma o procurador.

 

Reassentamento humanizado

 

O Concilia BR-381 e Anel entregou, no dia 6, os títulos de propriedades das primeiras 20 famílias que ocupam áreas de risco no Anel Rodoviário, de um grupo de 272 cadastradas em 2012. Integrante da Comunidade de Moradores de Área de Risco (Cmar), Eliane Pereira Santos, de 40 anos, explica que ao longo do Anel há 38 vilas, com cerca de 8 mil famílias, o que representaria mais de 30 mil pessoas. Embora não esteja entre os cadastrados, ela considera que a iniciativa é um passo importante na busca de solução para as ocupações. “A participação de representantes dos moradores no processo é essencial até para apontar quem de fato necessita e os oportunistas, que são os responsáveis pelas reocupações”, afirmou.

O juiz federal André Prado de Vasconcelos, coordenador do programa, explica que o reassentamento humanizado proposto pelo Concilia considerou 2012 como ano limite para o cadastro, como uma data de corte, para desestimular reocupações. “Não podemos dizer que o programa esteja ‘enxugando gelo’, pois é uma política habitacional que conta com todo o acompanhamento dos reassentados, mesmo depois de receberem o título de propriedade, visando até mesmo à colocação desses no mercado de trabalho.

Não tenho notícias de reocupação das áreas abrangidas pelo programa e, se for o caso, será concedida liminar para o despejo”, assinalou.

O Concilia foi criado em função da necessidade de revitalização da BR-381 e do Anel. É uma iniciativa da Justiça Federal e do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), em parceria com Ministério Público Federal (MPF), Defensoria Pública da União (DPU), Companhia Urbanizadora e de Habitação de Belo Horizonte (URBEL) e Comunidade de Moradores de Áreas de Risco (CMAR). O Dnit não retornou os contatos da reportagem. (Colaborou Landercy Hemerson)
 

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