Enquanto não for quebrado o encanto, os mais curiosos terão de se contentar apenas com fotos. Não adianta tentar implorar ou pedir de joelhos. Tão cedo vai rodar pelas ruas de Belo Horizonte o Opala modelo 1975, que ganhou placa preta de colecionador, só concedida a veículos com originalidade acima de 80% (o exemplar atingiu a marca de 88%). Se ameaçar chuva ou o céu estiver nublado, conforme a maioria das previsões para esses dias, o advogado Marcos Paulo Souza Barbosa desiste de tirar o carro, que está bem guardado na garagem, embaixo de duas capas e sob a proteção de uma medalha dependurada com o terço, da mesma cor do automóvel.
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Advogado embarca em aventura para resgatar Opala em que o avô o levava para passear Museu da Inconfidência em Ouro Preto tem nova direçãoHoje advogado, o neto conseguiu encontrar o paradeiro do Opala que um dia pertencera ao avô dele, Newton Palhares, um dos fundadores do tradicional Café Palhares. Foram necessários quatro anos de oficina mecânica (lanternagem, mecânica, pintura e capotaria) e um considerável investimento até concluir a restauração do automóvel, que já estava na carcaça e tinha ido parar em outro estado, passando por três donos diferentes (veja quadro).
Um detalhe é que, quando da morte de vovô Pato, em 1990 – o que, à época, ocasionou a venda do veículo –, Marcos era um adolescente de 15 anos e não tinha permissão para dirigir o Opala. Só conseguiria pegar no volante dele pela primeira vez, portanto, depois de uma espera de mais de 40 anos.
Nesse ponto da conversa, o advogado suspira fundo e completa: “Cheguei a ser criticado por investir em um carro antigo e, algumas vezes, pensei que não daria conta de achar as peças ou de ter dinheiro para ir até o fim. Neste período, regrei alguns gastos pessoais, mas nunca sacrifiquei a vida da minha esposa e dos meus três filhos. Quando precisava proporcionar uma viagem com a família, por exemplo, empurrava a entrega do carro mais para frente”.
Marcos não revela o valor, para além do sentimental, investido na recuperação do Opala do vovô Pato, que voltou a ser praticamente zero-quilômetro, igualzinho ao carro do qual se lembrava na infância: “Da primeira vez em que parei para abastecer no posto, já elogiaram o Opala, perguntando quanto ele custou. Nesses casos, digo que o carro tem valor, mas não tem preço”. Ele herdou a preferência pelo modelo da GM, sabiamente cultivada pelo avô, que, de vez em quando, autorizava o neto a lavar e a encerar o automóvel, deixando-o tinindo de novo: “Ele ficava ao longe, observando, e mandava caprichar mais, caso não estivesse do jeitinho que ele queria”.
Investigação e resgate no Rio
A saga do resgate do Opala ilustra a genuína história de amizade entre um avô e seu neto, que se orgulha de ter andado sozinho com vovô Pato, solto no banco de passageiros (na época, era permitido às crianças viajarem na frente e sem cinto de segurança). “Eu me tornei companhia do meu avô”, conta o advogado, que seria legalmente adotado por Palhares com a separação dos pais dele, ocorrida após a morte do irmão de Marcos, aos 10 anos, vítima de câncer. Com isso, ele e a mãe se mudaram para a casa dos avós.
Marcos sonha agora em pegar a estrada até Guarapari (ES), repetindo o percurso feito ao lado de seu motorista predileto, que seguia despreocupado porque o carro andava bem, com o motor de quatro cilindros e 88 cavalos de muita potência.
Em 2014, um ano após ter recuperado a carcaça do Opala, Marcos concedeu entrevista ao Estado de Minas, contando como ocorreu o resgate do carro, localizado finalmente em Seropédica, município do interior do Rio de Janeiro. Para achá-lo, a única pista era a combinação da antiga placa, de que o neto nunca se esquecera: AN 8776. Emoldurada, hoje a primeira reportagem está pregada na parede da sala do apartamento dele, no Bairro Luxemburgo.
Antes de partir para a nova aventura, Marcos terá de ensaiar sair mais vezes com o Opala, como fez outro dia, ao participar de um encontro de colecionadores de carros antigos no Colégio Arnaldo: “Choveu e fiquei com um pesar danado. No dia seguinte, dei outra volta rápida com ele para tirar a água empoçada, limpei e encerei novamente. Depois, passei outro pano para tirar qualquer sujeirinha e desconectei os pinos da bateria, como precaução para ela não descarregar”.
Mesmo com o excesso de cuidados, Marcos já enfrentou um episódio “pavoroso” (o adjetivo é dele) no comando do carro, que o fez perceber que também Deus é fã de Opalas brancos. O advogado conta que tinha ido à vistoria obrigatória no Detran do Bairro Gameleira, na Região Oeste de BH, quando percebeu que a caixa de marchas havia travado, ao mesmo tempo em que o celular perdera o sinal. Ele se sentiu perdido, indefeso ao lado de seu bem mais precioso. Na hora apareceu o aposentado José Pereira, antigo morador do bairro.
Segundo Marquinhos, o tal senhor foi logo entrando embaixo do carro e, de fato, destravou a marcha. “Mas, ao fazer isso, o Opala começou a descer a rua sozinho. Saí correndo e entrei pela porta do passageiro, que por sorte, o despachante do Detran havia deixado sem travar. Consegui apertar o freio e o Opala parou a menos de três palmos de um carro estacionado. Quase morri de susto, mas ofereci de pagar ao homem pelo conserto. Ele agradeceu e disse estar satisfeito por fazer amizade com o dono de um Opala.”
Seja por sorte ou por já estar traçado nas estrelas, a história acabou bem. Por precaução, entretanto, Marcos prefere manter o Opala trancado na garagem, embaixo da sólida cobertura de concreto e de duas capas de chuva, imune às intempéries do clima e do destino.
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