Jornal Estado de Minas

Febre amarela motiva reorganização de serviços de saúde em Minas Gerais

Aeronave usada no transporte de órgãos pelo MG Transplantes: procedimento passa pelo crivo técnico do Ministério da Saúde - Foto: Polícia Militar/DivulgaçãoCom a escalada de casos de febre amarela confirmados em Minas Gerais – já são 264 com 96 mortes contando apenas o atual surto da doença – unidades de saúde do estado veem sua rotina alterada em função da necessidade de resposta rápida à enfermidade. As mudanças, como a entrada dos pacientes em hospitais, doação de sangue, análise de amostras de possíveis casos e transplantes de pacientes com quadro grave de complicações no fígado, implicam a reorganização dos atendimentos. Em alguns casos essa situação leva a perda de fôlego em outros serviços, enquanto em outros as atividades seguem normais com adequações.

No Hospital Eduardo de Menezes, por exemplo, os prazos para realização de exames em portadores do vírus HIV foram estendidos por conta da alta ocupação dos leitos com pacientes de febre amarela, numa mudança de rotina vista também em outras dos 26 unidades de referência para o tratamento da doença no estado. No Felício Rocho, que é referência para transplante de fígado, um núcleo foi criado com o objetivo de desenvolver ações coordenadas em relação à doença, mantendo o fluxo normal da unidade. O MG Transplantes tem se reportado a um corpo técnico do Ministério da Saúde para avaliar, caso a caso, se o paciente necessita de um transplante de fígado. O procedimento é realizado somente quando a enfermidade provoca hepatite aguda fulminante. O quadro também pode ser causado por outros fatores.

Um dos primeiros pontos de reorganização do sistema de atendimento da febre amarela pode ser visto em diferentes hospitais. O Hospital Eduardo de Menezes, que fica na Região do Barreiro, precisou ativar um Plano de Contingência para Catástrofes, que consiste na redistribuição de pacientes da rede do SUS.
Enquanto a unidade ganha fôlego para atender os pacientes graves de febre amarela, que podem morrer em horas, os pacientes de outras enfermidades estão sendo encaminhados para unidades como o Hospital Metropolitano Doutor Célio de Castro e o Hospital Júlia Kubitschek, ambos na mesma região.

No caso do Júlia, uma equipe do Eduardo de Menezes foi transferida para atender os pacientes que tiveram que se deslocar para a segunda unidade, como parte do plano de contingência. Nesse caso, os “prazos para a realização dos exames eletivos foram estendidos em razão da sobrecarga do laboratório do Eduardo de Menezes, incluídas as coletas de CD4 e carga viral, para pacientes com HIV, e serão normalizados assim que for restabelecida a atividade cotidiana da assistência, o que provavelmente ocorrerá na próxima semana sem qualquer prejuízo para os pacientes”, informou, em nota, a Fundação Hospitalar de Minas Gerais (Fhemig).  

NÚCLEO Se por um lado o Eduardo de Menezes é referência para atendimento a casos de febre amarela, por outro o Felício Rocho se destaca quando os diagnósticos são muito graves e incluem a necessidade de transplante de fígado. Nos pacientes mais graves, a evolução da doença prevê o comprometimento das funções hepáticas. Se isso acontecer, o paciente é transferido para que o procedimento seja feito na unidade do Barro Preto, Centro-Sul de Belo Horizonte. Quatro transplantes de fígado em decorrência de febre amarela já ocorreram este ano no Felício Rocho, sendo que dois pacientes morreram e dois seguem no Centro de Tratamento Intensivo (CTI).

“Criamos um núcleo interno no hospital, que inclui a equipe de transplante de fígado, a infectologia, a diretoria do hospital e o laboratório para agir de forma coordenada”, afirma o hepatologista e responsável técnico pelo transplante de fígado do Felício Rocho, Antônio Márcio de Faria Andrade.
Além disso, ele explica que o CTI reservou um espaço maior para esses pacientes, porém, sem nenhum impacto para os demais atendidos da unidade. Otimista quanto à recuperação dos dois casos que seguem na unidade, Andrade destaca que o Felício Rocho já realizava, antes do surto de febre amarela, em média, 50 transplantes por ano, sendo o maior transplantador nos últimos três anos do país.

O resultado da febre amarela no Felício Rocho também impactou o funcionamento da clínica Vita Hemoterapia, banco de sangue privado que atende o hospital com doações. Segundo o proprietário, Natan Lessa Goyata, a unidade saltou de 45 bolsas de sangue diárias para cerca de 120 nas duas últimas semanas, aumento de 166%. Isso implicou a necessidade de comprar um novo freezer, além de outros equipamentos. “O tamanho da demanda também nos fez criar o serviço de agendamento de doação online, para que possamos ter noção da agenda de doações durante o dia. Criamos ainda uma seção de perguntas e respostas em nosso site para facilitar o atendimento e aumentamos em 20% nosso efetivo”, afirma Natan.

INTERIOR A mesma situação vivida pelos hospitais de Belo Horizonte ocorre no interior do estado. Em Barbacena, na Região Central de Minas Gerais, o Hospital Regional da cidade foi estabelecido como referência no atendimento aos pacientes de febre amarela.
Por isso, o Hospital Ibiapaba se tornou a retaguarda para os atendimentos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Para suportar a demanda, a unidade de saúde ativou um novo Centro de Terapia Intensiva (CTI) com mais 10 leitos, pronto desde o ano passado. A prefeitura vai alugar equipamentos para o funcionamento. Na Regional de Saúde de Barbacena foram confirmados 19 casos e 11 mortes em decorrência da febre amarela.

A corrida mobiliza a saúde pública de maneira geral. A Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (SES-MG) estabeleceu 26 unidades de referência em todo o estado para o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS), em 13 regiões, e disponibilizou R$ 3,5 milhões para manutenção e abertura de novos leitos. De acordo com a SES/MG, 100 municípios mineiros já foram contemplados com repasses de recursos para ações contra a febre amarela. A Fundação Ezequiel Dias (Funed) é referência do estado nos exames de febre amarela. Devido ao surto, também reforçou as ações. Segundo a SES, o Laboratório de Arbovírus da fundação está disponível e lá são feitas as análises das amostras encaminhadas de doenças como dengue, zika, chikungunya e febre amarela. A Funed esclarece que “tem trabalhado para entregar os resultados dentro do prazo estabelecido pelos protocolos da Saúde”.

Ministério avalia transplantes


Na tentativa de recuperar pacientes em estado grave em decorrência da febre amarela está sendo realizado um procedimento, até então, inédito: o transplante de fígado.
O procedimento ocorre quando há falência hepática grave, chamada de hepatite aguda fulminante, que pode provocar a morte dentro de 48 horas. Em Minas Gerais, seis pessoas nesta situação receberam um novo órgão. Quatro morreram. A avaliação de cada caso está sendo criteriosa. O MG Transplantes tem se reportado a um corpo técnico do Ministério da Saúde para detectar se o paciente necessita de um transplante de fígado.

“(O transplante) Não é um tratamento para febre amarela, está indicado para os pacientes com a doença que tenham falência hepática grave. É um grupo pequeno de pacientes que vai ter indicação para o tratamento. É uma indicação muito criteriosa, que só ocorre mediante uma avaliação de um grupo técnico do Ministério da Saúde em relatórios e exames do paciente. Todos os casos passam pelo crivo técnico”, explicou a médica Sílvia Zenóbio Nascimento, do MG Transplante.

Os técnicos avaliam os casos dentro dos critérios da legislação do transplante, e determinam a prioridade do paciente quando está com hepatite aguda fulminante. “São situações de extrema gravidade e mortalidade muito alta. Precisam de priorização na fila de espera, pois não têm expectativa de vida de 48 horas.
Isso (a prioridade) sempre ocorreu em todo o Brasil e está regulamentado”, completou.

Em Minas Gerais, seis pacientes passaram pelo transplante devido à febre amarela. Quatro dos procedimentos foram feito este ano no Felício Rocho, sendo que dois pacientes morreram e dois seguem no Centro de Tratamento Intensivo (CTI). Uma das pessoas que se recuperam na unidade de saúde é o médico e professor do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Rodrigo Bastos Fóscolo. Os dados dos dois transplantes fora do Felício Rocho não foram divulgados, exceto que os pacientes morreram.

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