Uma tentativa de reintegração de posse a base do "fazer justiça com as próprias mãos". Esta é a conclusão da Polícia Civil sobre a ação dos proprietários da fazenda Norte América, localizada no município de Capitão Enéas, Norte de Minas, onde, na tarde da última quinta-feira, ocorreu um conflito que deixou seis pessoas feridas. Neste sábado, o delegado Renato Nunes Henriques, chefe do 11º Departamento de Polícia Civil de Montes Claros, informou que as investigações apontam que o principal suspeito de ser o mandante da "expulsão dos invasores" é o produtor Leonardo Andrade, que teria contratado "jagunços" para a ação. Ele é considerado pela polícia como o dono da fazenda, embora seu nome não apareça em documentos oficiais. A propriedade está em nome de sua mãe.
Ao todo, 12 pessoas foram presas pela suspeita de envolvimento no conflito e deverão responder por tentativa de homicídio, lesão corporal e associação criminosa. Entre os detidos estão a gerente da fazenda, Andreia Beatriz Silva, e o advogado Robson Lima, que atuava na defesa dos proprietários da Norte América. Dos feridos no confronto, cinco foram liberados. Continua internado, na Santa Casa de Montes Claros, Tiago Coimbra, líder do movimento Frente Nacional de Luta (FNL), que comandou a ocupação da propriedade por cerca de 120 pessoas, em 18 de fevereiro. Tiago foi atingido por dois tiros. Ele passou por cirurgia e seu quadro é estável.
As circunstâncias do conflito na fazenda Norte América e seus possíveis desdobramentos foram explicados pelo delegado Renato Henriques e pelo delegado regional de Montes Claros, Jurandir Rodrigues, em entrevista coletiva neste sábado. O caso também é investigado por equipes da Delegacia Especializada de Conflitos Agrários e do Departamento de Operações Especiais (Deoesp), de Belo Horizonte.
Renato Henrique disse que, no dia 18 de fevereiro, o grupo da FNL, que é uma dissidência do Movimento Nacional dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) invadiu a fazenda Norte América e agrediu a gerente Andréia Beatriz (atingida por um tiro de raspão), além de ter subtraído animais da propriedade. Conforme o delegado, a polícia instaurou inquérito para apurar a invasão, considerada ilegal. O autor do disparo contra a gerente foi identificado como o próprio líder da ocupação, Tiago Coimbra.
Na sequência, informou Renato Henriques, os proprietários da fazenda retiraram dali os animais, que foram levados para o Parque de Exposições de Montes Claros, onde passaram a ser alimentados em cocheiras, sistema de confinamento. Ainda de acordo com o delegado, os proprietários entraram com uma ação judicial, visando a reintegração de posse, com audiência na justiça marcada para a próxima terça-feira.
No entanto, disse o policial, os proprietários não esperaram a decisão judicial e resolveram fazer a "reintegração de posse por conta própria". Segundo Renato Henriques, as investigações revelam que Leonardo Andrade, que é ex-secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável, Meio Ambiente e Agricultura de Montes Claros (gestão anterior), contratou "jagunços" para "aterrorizar" os trabalhadores sem terra. "Ele arregimentou pessoas, pagando o valor de R$ 400 a cada uma delas para que entrassem na fazenda e manietassem os invadores, implantando o terror, e agredissem outros para que eles viessem a desistir dessa intenção", afirmou o delegado, salientando que teriam sido contratados cerca de 20 homens, o que ainda está sendo averiguado.
Ainda segundo ele, a reunião para a contratação dos jagunços teria sido realizada no Parque de Exposições de Montes Claros, onde já estavam outros funcionários dos proprietários da Norte América, alimentando os animais. A entrada na propriedade ocupada na última quinta-feira, disse, foi feita com o uso da estratégia "cavalo de tróia": um caminhão baú entrou no local como fosse buscar ração. Depois, os homens saíram de dentro do baú para agredir os sem-terra.
A reportagem tentou, mas não conseguiu contato com Leonardo Andrade, nem com a defesa dele. O produtor rural e ex-secretário estaria sendo submetido a um tratamento de câncer.
O delegado Renato Henriques disse que a gerente Andreia Beatriz foi autuada em flagrante porque as vitimas disseram que ela estava na fazenda no momento do conflito, e que estaria dando ordem aos jagunços. A reportagem não conseguiu falar com a defesa de Andreia, que, em depoimento, negou envolvimento no caso e alegou que, no momento do fato, na tarde de quinta-feira, se deslocava em uma estrada vicinal de Capitão Enéas para registrar, junto à Policia Militar, uma ocorrência de furto na propriedade.
Já o advogado Robson Lima, segundo a Polícia Civil, foi autuado em flagrante porque foi encontrado na propriedade rural por ocasião do crime. Ele também é suspeito de ter preparado a logística da ação contra os invasores da fazenda. A suspeita é negada pelo advogado Cristiano Otoni, constituído pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para defender o colega. "O doutor Robson foi na fazenda Norte América em atendimento a um chamado dos seus clientes, cumprindo um dever do exercício profissional. Ele não participou de nenhuma ação. A prisão dele foi uma arbitrariedade", afirmou Otoni, anunciando que vai entrar com pedido de liberdade provisória e de medida cautelar (prisão domiciliar ) para seu cliente.
MEDIDAS PARA PAZ NO CAMPO E RISCO DE CARNIFICINA
O delegado Renato Nunes Henriques afirmou ainda que, há algum tempo, a fazenda Norte América é palco de conflitos entre proprietários e invasores. Os dois grupos (donos e sem-terra) estão se alternando, hora na qualidade de vítima, hora na qualidade de autor, disse a autoridade policial. "Vamos tomar atitudes drásticas para que a paz possa voltar a reinar naquele lugar. É preciso que o estado, o poder público, tome atitudes mais enérgicas para que a paz volte a reinar (no campo), sob pena de acontecer uma carnificina, uma tragédia anunciada".