“Sem obras de drenagem, ainda vão morrer pessoas aqui. Só não sabemos quando.” O apelo à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) por intervenções na rede de drenagem veio do comerciante Marlon Neiva, dono de um estacionamento que foi invadido pela água da inundação desta última sexta-feira, na região do Prado, Oeste de BH, mas traduz o desespero de muitos outros lojistas que se viram encurralados pelas enxurradas que devastaram os arredores da Avenida Francisco Sá.
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Calças arregaçadas até os joelhos, vassouras em punho e mangueiras a postos para lavar a lama. Ontem, foi dia de mutirão de limpeza na porta de casa e em vários tipos de comércios de pontos diversos de Belo Horizonte.
O meteorologista Ruibran dos Reis lembra que no ano passado foi previsto um período chuvoso intenso para 2017/2018, com possibilidade de chuvas torrenciais especialmente nos meses de novembro e março. “A chuva de fevereiro nos pegou de surpresa, mas a de agora estava prevista”, afirma. Segundo ele, os estudos serviram para dar alerta máximo à Defesa Civil. “São frentes frias que chegam do litoral do Rio de Janeiro, mas elas não provocam aquelas chuvas leves que perduram por dias. São só temporais, que se formam entre as cidades de Congonhas, Conselheiro Lafaiete e Ouro Preto (na Região Central do estado) e, quando chegam à capital, transbordam na Serra do Curral e atingem esses bairros que estão ao longo dela”, explica.
As nove intervenções que se arrastam no cronograma da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) vão de tratamento de fundo de vale à construção de bacias de detenção de cheias e implantação de barragens.
A bacia de detenção do Calafate, que vai da Avenida Tereza Cristina até a Silva Lobo, teve o pontapé dado em 2014, com a publicação de decreto de desapropriação, mas está parada, sem recursos da ordem de R$ 370 milhões. Há ainda 10 outras obras previstas a partir do segundo semestre deste ano. Metade delas não tem sequer projeto executivo ainda – entre elas estão as obras no Córrego dos Pintos, na Avenida Francisco Sá, um dos pontos históricos de alagamento na cidade e uma das mais afetadas na tarde de sexta-feira. Procurada, a PBH informou que não poderia atualizar a situação das obras no fim de semana.
ESTRUTURA PRECÁRIA Professor do Departamento de Engenharia Hidráulica e Recursos Hídricos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Márcio Baptista diz que é preciso refletir sobre a eficácia de tantas obras. “O problema é muito complexo e nasceu junto com BH, na concepção, na canalização dos córregos. Mais cedo ou mais tarde vai pagando a conta”, afirma. Ele destaca que foram feitas intervenções entre as décadas de 1950 e 1970 e que a cidade cresceu além do previsto, tendo atualmente uma estrutura de drenagem precária.
De um lado, frisa o engenheiro, está o poder público, incapaz de resolver os problemas por questões orçamentárias e a falta de articulação conjunta dentro da cidade para resolver a situação de maneira abrangente. De outro, a população, que lança seu lixo em via pública, atrapalhando a desenvoltura das ações. E numa terceira ponta, a Defesa Civil. Para o professor, ela é muito atuante, mas precisa ir além. “O desespero de pessoas nos carros na Avenida Francisco Sá (Bairro Prado, na Região Oeste) foi impressionante. Em caso de previsão concreta de tempestade, ela não pode permitir o tráfego ali”, diz.
“Precisamos conviver com aquele risco.
TURBILHÃO O empresário Edney Bacelete, de 35 anos, assistiu de perto ao carro ser tomado pela água na Rua Ituiutaba, no Prado. Ele estava no salão de um amigo, quando os dois subiram ao segundo andar para buscar uma toalha para o atendimento de um cliente. “Quando descemos, não tinha mais como acessar o salão. A água subiu dois metros em apenas quatro minutos”, conta. O cliente subiu no lavabo para não ser levado pela água, cuja força arrastou as cadeiras do estabelecimento para a rua. Pela janela, Edney viu um turbilhão de carros vindos de todas os lados em direção à galeria de drenagem instalada na rua. O veículo dele só não teve o mesmo destino porque foi bloqueado pelos outros automóveis. Ontem, peças soltas e lama eram tudo o que sobrou.
Na Avenida Francisco Sá, os funcionários de uma loja de tinta ainda estavam abalados pelo susto do dia anterior. Limpando a sujeira, eles mal conseguiam relatar os episódios. “É a sétima vez que enfrento a inundação aqui, mas essa foi a pior de todas. É muito rápido, não dá tempo de fazer nada”, conta a gerente da loja, Alessandra Friche. Segurança de um restaurante na esquina da Francisco Sá com a Rua Erê, João Gualberto Gomes, de 58, também estava com vassoura na mão. No local, placas da via pública foram arrancadas pela força da água, que subiu a escadaria que está a 1,5 metro acima da calçada e invadiu o comércio. “Sempre que chove, ocorre isso. Estamos acostumados.”
Cidade no escuro
O temporal que alagou várias vias da cidade e derrubou dezenas de árvores sobre os postes de condução de eletricidade fez com que muitas pessoas passassem a noite de sexta-feira e a manhã de ontem no escuro. Bairros como Santa Tereza, na Região Leste de BH, Mangabeiras, Anchieta e Sion, na Região Centro-Sul, e Guarani, na Região Norte da cidade, ainda permaneciam sem energia no começo da manhã. Os semáforos nessas áreas que sofreram queda de luz estavam desligados, 16 horas depois do temporal.
A previsão é de mais chuva neste fim de semana em Belo Horizonte e região metropolitana, segundo previsão do Instituto Tempo Clima da PUC Minas. O céu ficará parcialmente nublado e a temperatura varia de 20°C a 30°C. Para as demais regiões do estado, exceto o Norte de Minas, a previsão é também de chuva a qualquer hora do dia.
De acordo com a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), apesar dos transtornos que toda tempestade tem trazido para a cidade, um trabalho integrado tem sido feito para minimizar os impactos. A administração municipal destaca que nesta sexta-feira as chuvas “atingiram o volume de 72 milímetros, em 40 minutos, mais de 40% do previsto para todo o mês”, lembrando que a média pluviométrica histórica leva em conta os cinco anos mais secos dos últimos tempos.
Segundo a PBH, a Defesa Civil e a Urbel estão prestando assistência humanitária por meio de vistorias, distribuição de cestas básicas, colchões, lençóis e cobertores, além de acolhimento institucional. A Superintendência de Limpeza Urbana informou ter dobrado as equipes nas áreas mais afetadas da cidade e só na noite de sexta foram recolhidos mais de 5 toneladas de lixo.
“Os restaurantes populares vão fornecer almoço para as equipes empenhadas no trabalho de recuperação da cidade. Os abrigos estão tendo um atendimento específico para pessoas atingidas pela chuva. A Secretaria de Obras está fazendo a recuperação de telhados e o recolhimento de árvores e galhos, além de intensificar o tapa-buracos para a recuperação das vias. A BHTrans, em conjunto com a Guarda Municipal, está realizando desvios operacionais pra viabilizar a limpeza e o conserto das vias atingidas”, informou a PBH, por meio de nota, em que destaca que “a prioridade é resolver os problemas da cidade de maneira definitiva e, por isso, segue buscando recursos junto ao governo federal para realizar as obras necessárias. O apoio do governo do estado, por meio do Corpo de Bombeiros, Polícia Militar, Defesa Civil Estadual, Cemig e Copasa, tem sido fundamental para a realização desse trabalho emergencial e de suma importância”.