Jornal Estado de Minas

SOS Mata Atlântica revela que mananciais de Minas estão cada vez mais degradados

Projeto do Centro Universitário Newton Paiva monitora a qualidade da água no Córrego do Cercadinho (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)

Donos de territórios privilegiados quando o assunto são recursos hídricos, tanto o Brasil quanto Minas Gerais chegam a mais um Dia Mundial da Água em condição de alerta em relação a essa riqueza. Abrigando, segundo dados do governo federal, 12% dos recursos hídricos de todo o planeta, o país vem degradando esse patrimônio líquido a uma velocidade bem superior à capacidade de recuperação da natureza, como evidencia resultado de estudo da Fundação SOS Mata Atlântica que monitorou durante dois anos mananciais em 17 estados, incluindo em Minas a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, responsável por quase 50% do abastecimento da Grande BH, 78% da água consumida na capital e a segunda maior tributária do Rio São Francisco – atrás apenas do Rio Paracatu.


A vigilância sobre a qualidade dos cursos hídricos é parte das ações do programa Observando os Rios, desenvolvido pela organização não-governamental (ONG) que só em Minas Gerais monitora oito trechos de mananciais da Bacia do Velhas. Em nenhuma dessas amostragens os cursos apresentaram qualidade considerada boa ou ótima, a maioria no limite de tolerância com conceito regular. Na seca, esse limite extrapola e a qualidade chega a péssima em locais como o Córrego do Cercadinho, que passa pelos bairros Buritis e Estoril, na Região Oeste de BH, o Córrego do Diogo, que corta Sete lagoas, e o próprio Velhas no município de Jequitibá, na Região Central.

No Dia Mundial da Água, comemorado hoje, a situação do Velhas mostra que lições como a de Mariana não foram aprendidas. “A lógica é ainda a da produção e a do lucro a qualquer preço, pouco importando a sociedade, os trabalhadores e o meio ambiente. Sinal disso são os incidentes com barragens em Mariana, no Pará e as preocupações gravíssimas no Rio das Velhas e Paraopeba com as barragens de mineradoras como a CSN”, afirma o presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Marcus Vinícius Polignano. 


Uma rede de monitoramento que dispensa avaliadores técnicos foi estabelecida pelo programa Observando Rios, dando instrumentos simples a 3.500 voluntários em todo Brasil. Cada grupo recebe um kit de avaliação da qualidade da água coletada que permite dizer, por meio de reações químicas ilustradas em gabaritos impressos em cartilhas, se o líquido coletado apresenta poluição por parâmetros como pH (acidez), coliformes fecais, nitrogênio, nitrato, fósforo, turbidez, entre outros. “O projeto é fundamental para levar essa metodologia para junto do público voluntário, que é engajado e passa a observar o rio de forma mais aprofundada. Com esse acompanhamento, pudemos identificar que 70% das águas do país têm qualidade regular, o que é extremamente preocupante, pois mostra que há níveis de comprometimento desses mananciais”, considera Tiago Félix, educador ambiental da Fundação SOS Mata Atlântica.


(foto: Corpo de Bombeiros/Divulgação)


ECOSSISTEMAS De acordo com ele, o Rio das Velhas entrou no monitoramento devido à sua importância para a Grande BH, os ecossistemas locais e do Rio São Francisco. E esse retrato do Velhas foi levado pela ONG ao Fórum Mundial da Água, que ocorre até amanhã, em Brasília. “Será uma oportunidade de mostrar essa situação preocupante e de cobrar ações principalmente políticas públicas e ações”, disse Félix. O presidente do Comitê da Bacia do Velhas afirma que o monitoramento feito no Velhas já tem 20 anos e que toda atenção ajuda a denunciar os lançamentos de poluentes sobre o manancial. “O que está faltando agora são políticas públicas. Denúncias são importantes, mas já passou da hora de o poder público e as empresas de saneamento, a sociedade civil tratar o esgoto que é lançado no Velhas. Na grande BH, que é a maior fonte de poluição, esse tratamento não passa de 60%”, estima Polignano.

Essa poluição é visível no encontro do Rio das Velhas com o Ribeirão do Onça, em Belo Horizonte. A água escura do ribeirão que traz consigo toda a poluição despejada ao longo de sua passagem pela capital mineira forma línguas concentradas que levam centenas de metros para, aos poucos, se misturarem com a correnteza barrenta do Velhas. Poucos metros antes de atingir o Velhas, o Onça desce por um canal onde as quedas d’água produzem densos flocos de espuma. “Normalmente, isso é ocasionado pelo descarte de esgoto doméstico dentro do ribeirão, com muitos resíduos de sabão ou de detergentes. Isso já indica por exemplo a necessidade um saneamento básico”, observa o professor de química do Centro Universitário Newton Paiva, Luciano Faria. O professor é um dos voluntários do SOS Mata Atlântica e utiliza o laboratório da instituição para realizar o monitoramento da qualidade da água da bacia.

Nas margens do Onça, o esgoto não é o único poluente que fica evidente. A grande quantidade de lixo doméstico chega que flutuando deixa nas árvores e vegetação da mata ciliar um rastro emaranhado de detritos. Nessas águas não há qualquer condição de procriação de peixes. Entre as rochas do leito de águas podres ficam encalhados pneus, pedaços de móveis, vasilhames, garrafas PET, sacos de lixo, animais mortos e outros detritos que fatalmente alcançam o Rio das Velhas.



 

 

Nada de águas límpidas


Amostras de voluntários mostram Rio das Velhas poluído

Manancial    Níveis de poluição
» Ribeirão do Onça    No limite
» Córrego Bonsucesso    No limite
» Córrego Cercadinho    No limite
» Córrego Ponte Queimada  No limite
» Ribeirão Isidoro    No limite
» Rio das Velhas (em Jequitibá)    Ruim
» Rio das Velhas (em Rio Acima)    No limite
» Córrego do Diogo    Ruim

Fonte: SOS Mata Atlântica

Em BH, situação é crítica


Os mananciais que cruzam a área urbana de Belo Horizonte estão entre os mais poluídos da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas. Mas nem sempre foi assim, o que mostra que apesar dos alertas a degradação dos cursos d’água continua a ocorrer. “Nadavam peixes nessas águas. Quando era criança, me lembro que minha mãe lavava nossas roupas na beira do córrego. Hoje, é esgoto puro. Você pega até doenças se encostar na água quando temos enchentes, por exemplo”, afirma, sobre o Córrego do Cercadinho, o autônomo Rafael dos Santos Pereira, morador do Bairro Estoril, na região Oeste de BH. O professor de química do Centro Universitário Newton Paiva e voluntário do SOS Mata Atlântica, Luciano Faria, é um dos responsáveis pelo monitoramento do Cercadinho. “A qualidade da água costuma ser regular, mas quando entramos nos meses de seca, isso piora muito atingindo níveis de conceito ‘péssimo’”, afirma.

Com auxílio dos kits de verificação da qualidade da água, o professor e seu grupo de voluntários abastecem a ONG com um retrato contínuo da saúde do manancial. Os voluntários coletam amostras de água mergulhando vasilhames no leito do córrego. Depois, essa água é misturada a reagentes químicos em tubos plásticos, adquirindo uma coloração específica dependendo de sua concentração de poluentes. “O bom é que os resultados são quase instantâneos. Podemos verificar, por exemplo, que o Córrego Cercadinho tem um pH muito ácido, inaceitável para os organismos vivos”, observa o estudante de engenharia civil, Victor Bertone Alves.

A estudante de engenharia ambiental Marcelle Cordeiro Pimentel é voluntária no trecho de análise do Rio das Velhas em Rio Acima, na Grande BH. “Em Rio Acima não há tratamento de esgoto. Tudo acaba sendo jogado no rio ou em fossas. Por isso conseguimos ver em alguns pontos o esgoto sendo joga diretamente de forma clandestina no rio”, observa. Apesar disso, aquele ponto ainda conserva uma qualidade considerada “regular” segundo os índices do SOS Mata Atlântica. “O volume de água ainda é muito grande naquele ponto para o esgoto que acaba sendo jogado. A mata ciliar também está melhor conservada e ajuda a depurar os poluentes. Isso tudo mudo quando o Rio das velhas desce mais e passa pelas áreas mais urbanizadas da Grande BH”, observa o biólogo e voluntário da ONG, Rafael Freitas de Abreu. (MP)



 

Acordo para preservação

Na segunda-feira, em Brasília (DF), a Copasa e a Fundação Banco do Brasil (FBB) firmaram um acordo de cooperação para preservação de nascentes e mananciais em Minas. Conforme a Copasa, o recurso no valor de R$ 8,5 milhões – R$ 7 milhões da empresa mineira e R$ 1,5 milhão da FBB – será investido na continuidade das ações do programa Pró-Mananciais e usado na implementação de tecnologias sociais – como fossas sépticas biodigestoras e cisternas para captação de água da chuva – e mobilização social nas comunidades, realização de oficinas e adequação de estradas. Assinaram o documento a diretora-presidente da Copasa, Sinara Inácio Meireles Chena, e o presidente da FBB, Asclépius Soares.

Açudes ameaçam romper


Obras emergenciais foram iniciadas na manhã de ontem em um açude de Bela Vista de Minas, na Região Central de Minas Gerais, que ameaça romper. Logo a frente dele, há outros dois reservatórios que também podem ceder com o volume de água (foto) caso uma chuva forte atinja o município. Segundo o Corpo de Bombeiros, há um alerta da Coordenadoria Estadual de Defesa Civil (Cedec) para temporais até amanhã. Os açudes ficam em uma propriedade particular onde existia um pesque-pague. Devido aos temporais que atingiram a região nos últimos dias, eles acabaram transbordando. “Com a última chuva forte, esses açudes receberam um volume muito grande de água e transbordaram. A água atingiu cerca de 18 residências”, explicou o tenente Leonard Farah da corporação.