Jornal Estado de Minas

Ouro Preto lança Ano do Patrimônio Cultural e reabre Chafariz dos Contos

Vista parcial da cidade de Ouro Preto, a primeira no país a receber título de patrimônio histórico da humanidade, concedido pela Unesco em 1980 - Foto: Beto Novaes/EM/DA Press

Ouro Preto – Uma solenidade na noite de hoje, no Centro da cidade reconhecida como patrimônio cultural da humanidade, lança o Ano do Patrimônio Cultural e dá início a uma série de comemorações sobre a história de Ouro Preto, antiga Vila Rica. No total, serão 10 marcos festivos ao longo de 2018 (veja quadro), em datas que celebram oficialmente, entre outros, os 280 anos de nascimento do filho ilustre, Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, 320 anos da chegada do bandeirante paulista Antonio Dias, fundador do primitivo arraial, e 80 anos de tombamento do conjunto barroco pelo governo federal, quando Getúlio Vargas (1882-1954) era presidente. Arte, educação patrimonial, religiosidade, gastronomia e cultura popular estão unidos e à disposição de visitantes que chegam de toda parte para se encantar com igrejas, casario e monumentos dos séculos 18 e 19.

A fim de reverenciar a memória de homens e mulheres que construíram – e constroem – a história tricentenária, o Executivo municipal instituiu o Ano do Patrimônio Cultural em Ouro Preto, com lei aprovada por unanimidade na Câmara. Às 19h, durante a reabertura do Chafariz dos Contos, que ficou 20 anos seco, o prefeito Júlio Pimenta sancionará simbolicamente a lei e presenciará a volta da água potável à peça de cantaria que demandou oito meses de restauração com recurso do Fundo Municipal do Patrimônio. Para garantir a pureza, foram instalados filtros subterrâneos.

Coordenando a realização dos eventos, com apoio da iniciativa privada, o secretário municipal de Cultura e Patrimônio de Ouro Preto, Zaqueu Astoni Moreira, informa que as ações visam fortalecer a educação patrimonial e o “sentimento de pertencimento” dos moradores com seu acervo histórico. “Nosso grande desafio é dar continuidade a todas as ações de restauro e envolver a comunidade.
É preciso aliar preservação, mobilidade urbana e evitar o crescimento desordenado com políticas públicas voltadas para a habitação em todos os níveis.” 

CAMINHO DAS ÁGUAS
Na semana de abertura dos eventos, as águas norteiam os caminhos na ex-Vila Rica, e o Chafariz dos Contos está bem inserido nessa trajetória. Equipamento de 1760, usado originalmente para abastecimento público e agora livre dos tapumes, ele traz uma inscrição em latim (Is quae potatum cole gens pleno ore Senatum, securi ut sitis nam jacit ille sitis) numa referência ao antigo Senado da Câmara. A tradução é: “Povo que vens beber, louva de boca cheia o Senado, porque tens sede e ele faz cessar”.

Em resumo, o Senado da Câmara, como administrador impessoal, e não o governador da época, entregou à população a obra de utilidade pública. De tão importante, o chafariz tem réplica num parque da cidade norte-americana de Brazil (com z mesmo), no estado de Indiana. Foi dado de presente pelo ex-embaixador do Brasil em Washington (EUA) Maurício Nabuco (1937-1985).

A água voltará a jorrar também no chafariz do Museu da Inconfidência, embora apenas nas datas cívicas.
Quem visitar Ouro Preto até 29 de abril poderá ver uma exposição no anexo do museu sobre o uso da água nos séculos 18 e 19. Por meio de documentos, inclusive legislação e plantas do esgotamento sanitário, será contada a história de oito chafarizes da cidade. Entre os destaques da mostra estão a réplica do busto existente no Alto da Cruz, considerada a primeira peça de Aleijadinho, alcatruzes (encanamentos antigos), torneiras de chumbo e outros da reserva do Arquivo Público Municipal e Museu da Inconfidência. Os estudantes que visitarem o espaço receberão uma cartilha com informações sobre educação patrimonial e alusivas à Semana da Água. 
- Foto: Beto Novaes/EM/DA Press - 23/10/17
DESAFIOS Numa caminhada pelo Centro Histórico e arredores, é possível ver que ainda são muitos os desafios a serem vencidos em Ouro Preto, principalmente na ocupação das encostas. A preservação de todo o conjunto demanda esforço – hoje, estão sendo conduzidas 15 ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) Cidades Históricas do governo federal. A população, vigilante, cobra resultados, sem esconder o orgulho que nutre pela cidade. É o caso de José Pedro Nogueira, de 73 anos, zelador há 35 da Igreja de São Francisco de Paulo, vinculada à Paróquia de Nossa Senhora do Pilar.

“Sou defensor deste patrimônio e tenho muito orgulho de ser nascido e criado aqui.
É a terra de Aleijadinho, onde o mestre Ataíde (natural da vizinha Mariana) trabalhou e Tiradentes (do Campo das Vertentes) fez história”, diz José Pedro. No adro do templo, ele reclama que o mato alto (“pau-de-leite”) impede a contemplação da paisagem barroca e houve retirada de holofotes que iluminavam o monumento. O secretário Zaqueu explica que as equipes da prefeitura já foram acionadas para resolver os problemas.

A artesã Efigênia Souza Silva, de 72, sente o mesmo amor pela cidade que a recebeu há 50 anos. Declarando-se garimpeira há 58, a mulher nascida em Mariana vende colares, brincos, terços e adereços e tem a orientação na ponta da língua sobre o efeito das pedras: hematita é boa para circulação e pressão alta; ametista traz fortuna; quartzo-rosa atrai amor; cristal tem força para fazer a paz; e o quartzo-verde melhora a saúde no geral. Os visitantes Ronei Godinho, de 31, analista de sistema, e Juliano Fonseca Sousa, de 28, cozinheiro, de Patos de Minas, no Alto Paranaíba, ouvem com atenção, apreciam as peças e têm olhos para a paisagem barroca.

“Ouro Preto é um museu a céu aberto. Acho que nunca vou ver algo assim!”, disse Ronei. Depois, os amigos escolhem as pedras preferidas e caminham para conhecer mais sobre a primeira cidade brasileira (1980) a ser reconhecida como patrimônio cultural da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco).

 

 

Festa de hoje


19h – Entrega oficial da restauração do Chafariz dos Contos ou de São José, com água potável. Em seguida, apresentação do coral do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), na escadaria do Ministério Público de Minas Gerais

20h – Ligação da água do chafariz do Museu da Inconfidência, na Praça Tiradentes

20h30 – Abertura de exposição no anexo do Museu da Inconfidência sobre o uso da água, em Ouro Preto, nos séculos 18 e 19, com a história de toda a legislação sobre o fornecimento do recurso natural no período colonial e dos oito principais chafarizes da cidade

Dez motivos para celebrar a história de Ouro Preto 

 

1) 80 anos de tombamento federal da cidade.

A proteção está a cargo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), com marco em 20 de abril

2) 320 anos da chegada da bandeira de Antonio Dias. A origem de Vila Rica está no arraial fundado pelo bandeirante paulista, pelo padre João de Faria Fialho e por dois irmãos da família Camargo. Festa
em 24 de julho

- Foto: Nathalia Costa/Divulgação - 21/10/173) 280 anos do nascimento do escultor, entalhador, arquiteto e louvado (perito) Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814). Festividades em agosto

4) 50 anos da Fundação de Arte de Ouro Preto (Faop), que teve como idealizadores o escritor Murilo Rubião (1916-1991), o poeta Vinícius de Moraes (1913-1980) e a atriz Domitila do Amaral. Festividades em julho

5) 50 anos do Museu do Aleijadinho, vinculado à Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, que tem um projeto museológico em andamento

- Foto: Marcos Michelin/EM/DA Press - 7/3/086) 20 anos do Museu do Oratório, que ocupa a Casa do Noviciado da Igreja de Nossa Senhora do Carmo e está vinculado ao Instituto Cultural Flávio Gutierrez

7) 15 anos da Escola de Música Padre Simões, ligada à Paróquia de Nossa Senhora do Pilar. Programação comemorativa no segundo semestre

8) 80 anos da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, no distrito de Miguel Burnier, projetada por um arquiteto italiano

9) 10 anos do registro dos doces artesanais tradicionais de São Bartolomeu, patrimônio imaterial de Ouro Preto

10) 50 anos de criação da Superintendência Regional de Ensino. Em parceria com a Secretaria Municipal de Cultura e Patrimônio e a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop), a superintendência vai desenvolver atividades em educação patrimonial.

 

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