Nascida em uma das famílias de operários que ajudaram a calçar as ruas de pedra de Belo Horizonte no início do século 20, Vilma Eustáquia da Silva, de 73 anos, viu a então jovem capital amadurecer e se transformar ao seu redor. “Quando minha família chegou para morar aqui, isso tudo era mato. Ainda era a fazenda Curral del-Rey”, conta, com orgulho, a aposentada. Analfabeto e de origem humilde, o pai de dona Vilma, José Rodrigues da Silva, conseguiu, com o dinheiro que ganhou no calçamento das vias públicas, comprar o único bem material que deixaria para os 10 filhos, segundo ela: uma casa de quatro cômodos, construída em um terreno comprido e estreito, na descida de um morro, no Bairro São Pedro, Região Centro-Sul da capital. Dona Vilma, por força de uma decisão judicial, tem agora de deixar a casa até o fim de maio.
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Viúva há quase duas décadas, Vilma, que trabalhou muitos anos como manicure, vive da aposentadoria de um salário mínimo. “Não tenho como comprar uma nova casa. Para onde eles vão empurrar uma pessoa da minha idade? Nunca pensei que passaria por uma situação dessas. É muito triste”, lamenta.
Filha de Vilma, Heloíza Helena da Costa, de 33, sugere que o drama vivido pela família seria resultado de especulação imobiliária.
COMPROVANTE DE IPTU Dona Vilma se considera injustiçada e afirma que o pai comprou o lote quando ainda era funcionário público. “Quando meu pai comprou este terreno, eu nem era nascida. Ele trabalhava na prefeitura e conseguiu comprar para pagar as prestações”, afirma. Ela guarda documentos do terreno emitidos pela PBH em nome de José Rodrigues da Silva, desde o fim da década de 1920. “Pagamos IPTU desde 1929.
O contrato de compra e venda nunca foi registrado em cartório, o que dificulta a família de Vilma provar a posse na Justiça. Juristas consultados pelo Estado de Minas, porém, disseram que documentos como IPTU em nome do pai de Vilma e a autorização de intervenção no terreno pela PBH são elementos, em tese, considerados provas de posse e podem ser usados em ações em outras instâncias judiciais, como Supremo Tribunal Federal (STF).
PREFEITURA Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “a ação de reintegração de posse foi iniciada em 2013, em uma outra administração, e que a Justiça concluiu o processo em setembro de 2017, declarando o imóvel patrimônio público.
Repercussão na internet e apoio popular
O drama vivido por dona Vilma e seus filhos ganha repercussão na internet com a hashtag #donavilmafica, ecoado por diversos movimentos sociais. “O apoio vem de diversos movimentos. Temos sidos amparados pelo carinho e solidariedade das pessoas que conhecem nossa luta. A posse é nossa”, desabafa.
O Coletivo de Advocacia Popular Maria Felipa, que atua na defesa do caso desde novembro do ano passado, tenta impedir na Justiça que a família seja retirada do local. “Entramos com uma ação rescisória, que questiona a sentença. Nosso esforço agora, é tentar suspender essa ordem de despejo. Depois, vamos buscar outros recursos, e ir até o Supremo Tribunal Federal (STF), se preciso for”, explica o advogado Eduardo Levi, representante do coletivo. Levi considera que os documentos anexados na ação não deixam dúvidas de que a posse do terreno é da família Silva.
“O senhor José comprou e pagou o terreno. Isso fica provado na descrição do IPTU, que consta os 10% que eram cobrados pela prefeitura referentes às parcelas do imóvel”, afirma. Segundo o advogado, todos os imóveis no entorno do lote de Vilma têm o registro dessa época. “O dela, especificamente, no Livro 3 do Registro Público do Município, foi extraviado”, diz..