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Estado de Minas

Idosa que mora na mesma casa há mais de 70 anos recebe ordem de despejo em BH

Família tenta impedir ordem de despejo de residência de quatro cômodos erguida quando Belo Horizonte era uma criança. Proprietária tem até maio para deixar o imóvel, sob risco de multa


postado em 03/04/2018 06:00 / atualizado em 03/04/2018 08:23


Nascida em uma das famílias de operários que ajudaram a calçar as ruas de pedra de Belo Horizonte no início do século 20, Vilma Eustáquia da Silva, de 73 anos, viu a então jovem capital amadurecer e se transformar ao seu redor. “Quando minha família chegou para morar aqui, isso tudo era mato. Ainda era a fazenda Curral del-Rey”, conta, com orgulho, a aposentada. Analfabeto e de origem humilde, o pai de dona Vilma, José Rodrigues da Silva, conseguiu, com o dinheiro que ganhou no calçamento das vias públicas, comprar o único bem material que deixaria para os 10 filhos, segundo ela: uma casa de quatro cômodos, construída em um terreno comprido e estreito, na descida de um morro, no Bairro São Pedro, Região Centro-Sul da capital. Dona Vilma, por força de uma decisão judicial, tem agora de deixar a casa até o fim de maio.

Construída pelo pai de Vilma em terreno comprado há 100 anos no Bairro São Pedro, na Região Centro-Sul, a casa agora é cercada de prédios(foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)
Construída pelo pai de Vilma em terreno comprado há 100 anos no Bairro São Pedro, na Região Centro-Sul, a casa agora é cercada de prédios (foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press)


Quase 100 anos depois, a casa continua a mesma e o terreno de 354 metros quadrados sofreu poucas alterações. “Construímos mais um barracão, onde alguns irmãos moraram, e um muro”, comenta. O que mudou, e muito, foi o bairro. A caçula da família viu as casas simples que formavam uma vila de operários darem lugar a prédios e o bairro se transformar numa região nobre e verticalizada da capital. “As pessoas foram vendendo as casas, inclusive meu tio, que morava aqui no lote ao lado. E aí começaram a construir prédios. De repente, só sobrou a nossa casinha”, diz. O imóvel erguido por José Rodrigues para garantir o futuro dos herdeiros ficou cercado de prédios. Corretoras que atuam no bairro avaliam que valor do terreno atualmente esteja entre R$ 800 mil a R$ 1 milhão.

"Não tenho como comprar uma nova casa. Para onde eles vão empurrar uma pessoa da minha idade? Nunca pensei que passaria por uma situação dessas. É muito triste"

Vilma Eustáquia da Silva, aposentada



Em 27 de fevereiro deste ano, a relação de afeto de dona Vilma com a casa e o terreno onde a família sempre viveu sofreu um forte abalo. Uma ordem judicial de despejo determinou que ela e seus dois filhos saiam da casa, sob pena de uma multa diária de R$ 50 após o vencimento do prazo. O transtorno começou com uma ação ajuizada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em 2013, na qual o poder público afirma que a família Silva ocupa ilegalmente o imóvel, que seria de propriedade do município. Além da reintegração de posse, a ordem judicial, julgada em junho de 2017 pelo juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 2ª Vara da Fazenda Pública Municipal, manda demolir a casa e o barracão construídos no lote.

Viúva há quase duas décadas, Vilma, que trabalhou muitos anos como manicure, vive da aposentadoria de um salário mínimo. “Não tenho como comprar uma nova casa. Para onde eles vão empurrar uma pessoa da minha idade? Nunca pensei que passaria por uma situação dessas. É muito triste”, lamenta.

Filha de Vilma, Heloíza Helena da Costa, de 33, sugere que o drama vivido pela família seria resultado de especulação imobiliária. “Uma construtora comprou os dois lotes abaixo daqui e o interesse dela é fazer do nosso terreno a garagem do edifício que vai ser construído”, afirma. Segundo ela, o interesse da administração municipal pelo local é recente. “Em 1990, foi ajuizada uma ação de usucapião pela nossa família. Essa ação foi arquivada. Nela, é curioso porque a prefeitura não demonstra nenhum interesse então pelo imóvel”, diz Heloíza.

COMPROVANTE DE IPTU
Dona Vilma se considera injustiçada e afirma que o pai comprou o lote quando ainda era funcionário público. “Quando meu pai comprou este terreno, eu nem era nascida. Ele trabalhava na prefeitura e conseguiu comprar para pagar as prestações”, afirma. Ela guarda documentos do terreno emitidos pela PBH em nome de José Rodrigues da Silva, desde o fim da década de 1920. “Pagamos IPTU desde 1929. A guia vinha em nome do meu pai. Quando fomos construir o muro de arrimo aqui, fizemos a solicitação na prefeitura e eles emitiram um documento autorizando. Ou seja, havia um diálogo, sempre trataram este terreno como sendo da nossa família. Como que, agora, vem dizer que é invadido?”, questiona a aposentada.

O contrato de compra e venda nunca foi registrado em cartório, o que dificulta a família de Vilma provar a posse na Justiça. Juristas consultados pelo Estado de Minas, porém, disseram que documentos como IPTU em nome do pai de Vilma e a autorização de intervenção no terreno pela PBH são elementos, em tese, considerados provas de posse e podem ser usados em ações em outras instâncias judiciais, como Supremo Tribunal Federal (STF).

PREFEITURA Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “a ação de reintegração de posse foi iniciada em 2013, em uma outra administração, e que a Justiça concluiu o processo em setembro de 2017, declarando o imóvel patrimônio público.

Repercussão na internet e apoio popular

 

O drama vivido por dona Vilma e seus filhos ganha repercussão na internet com a hashtag #donavilmafica, ecoado por diversos movimentos sociais. “O apoio vem de diversos movimentos. Temos sidos amparados pelo carinho e solidariedade das pessoas que conhecem nossa luta. A posse é nossa”, desabafa. Este mês, uma multidão composta por vizinhos, representantes de movimentos sociais, de comissão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e acadêmicos se reuniu no terreiro da casa de dona Vilma para transmitir apoio à família.

O Coletivo de Advocacia Popular Maria Felipa, que atua na defesa do caso desde novembro do ano passado, tenta impedir na Justiça que a família seja retirada do local. “Entramos com uma ação rescisória, que questiona a sentença. Nosso esforço agora, é tentar suspender essa ordem de despejo. Depois, vamos buscar outros recursos, e ir até o Supremo Tribunal Federal (STF), se preciso for”, explica o advogado Eduardo Levi, representante do coletivo. Levi considera que os documentos anexados na ação não deixam dúvidas de que a posse do terreno é da família Silva.

“O senhor José comprou e pagou o terreno. Isso fica provado na descrição do IPTU, que consta os 10% que eram cobrados pela prefeitura referentes às parcelas do imóvel”, afirma. Segundo o advogado, todos os imóveis no entorno do lote de Vilma têm o registro dessa época. “O dela, especificamente, no Livro 3 do Registro Público do Município, foi extraviado”, diz.


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