Jornal Estado de Minas

Moradores e autoridades de Congonhas cobram simulado por causa de barragem

O drama durou todo o período chuvoso, quando barramentos são mais suscetíveis a rompimento, mas com a divulgação do laudo da Central de Apoio Técnico (Ceat) e do Núcleo de Crimes Ambientais (Nucrim) do Ministério Público (MP), a Barragem Casa de Pedra, em Congonhas, pode finalmente ser considerada estável. A estrutura operada pela Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) é uma das mais perigosas do estado, pois se ergue sobre três bairros com cerca de 4,8 mil pessoas que estão no raio de uma ameaça em caso de rompimento. Mesmo com o laudo positivo, nem tudo é tranquilidade. O laudo considerou que as ações de confecção de um Plano de Ação de Emergência de Barragem (PAEBM) foram realizadas e testadas, mas a prefeitura municipal, ambientalistas e moradores dos bairros ameaçados afirmam que ninguém da comunidade recebeu sequer uma orientação, passados quatro meses desde o primeiro e único simulado de evacuação. O documento considera que a empresa “cumpriu tempestivamente com as obrigações previstas no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC)”, do MP.

Além de Casa de Pedra, foram vistoriadas também as barragens B4, B5 e Baia 1, todas no complexo minerário da mina de Casa de Pedra. A última estrutura, Baia 1, é a que inspira mais cuidados, apesar de um baixo poder de dano ambiental. A recomendação é para que seja descomissionada (desmantelada).
Casa de Pedra é a maior e desde 2013 tem recebido interferências legais do Ministério Público devido a problemas de estabilidade. O último foi em 2017, quando a CSN foi obrigada a fazer intervenções de emergência no barramento, que tem 84 metros de altura e comporta mais de 10 milhões de metros cúbicos (m3) de rejeitos de minério de ferro. Segundo informações do Sistema Estadual de Meio Ambiente (Sisema), o surgimento de infiltrações nas ombreiras que apoiam uma parte da estrutura, chamada Dique de Sela, estavam severamente comprometidas, abaixo do nível de estabilidade, chegando a 1,39, quando o índice mínimo é de 1,5.

Por esse motivo, o MP iniciou negociações e num acordo determinou que a mineradora deveria fazer intervenções que garantissem a estabilidade de Casa de Pedra. As ações em campo terminaram no mês passado e segundo o laudo, divulgado ontem, as infiltrações foram controladas e os fatores de segurança para operação são considerados “satisfatórios”, o menor deles com índice de 1,53. O auditor classificou a barragem como de “baixo risco”, mas “alto potencial de dano”. Considerando a liquefação dos rejeitos, que é um dos gatilhos para desestabilização e rompimento estrutural, o fator de estabilidade verificado foi de 2,3.
O vertedouro se mostrou eficaz em caso de chuvas muito fortes e as infiltrações foram controladas. As obras de reconformação estão em andamento e devem ser concluídas apenas em meados de maio.

Resta, ainda, no canteiro de obras de Casa de Pedra, a conclusão dos acessos, a implantação de uma proteção superficial nos taludes – as laterais de uma barragem de terra, sendo que o talude de montante fica em contato com o rejeito e talude de jusante na parte externa da estrutura – e a instalação do sistema de drenagem de água das chuvas.

Segundo o relatório, os procedimentos de emergência avançaram, com a realização dos treinamentos do pessoal de resposta, aprimoramento de mapas, identificação da Zona de Autossalvamento (ZAS) e das ondas de ruptura. A demora nos treinamentos da população, contudo, ainda causa apreensão, pois não ocorre há quatro meses.

Autoridades cobram simulado

 

Uma parte controversa do laudo do MP é que a avaliação constata procedimentos que não ocorreram de forma completa. Exemplo disso é a questão de treinamento da comunidade com relação aos procedimentos de emergência. Em 26 de setembro, a CSN e a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil realizaram um exercício chamado de simulado, mas que contou com o acionamento de duas sirenes e procedimentos de pessoal técnico. O laudo do MP considera que a comunidade participou do treinamento.

“Uma das sirenes falhou e as pessoas da comunidade foram orientadas a ficar em casa, não participando do processo. Entendemos que não ocorreu um simulado, mas um teste mal sucedido de sirenes. No próprio panfleto distribuído pela mineradora foi dito que era para as pessoas ficarem em casa e que um novo cronograma de treinamento seria marcado. Mas isso já faz quatro meses”, afirma o diretor da União das Associações Comunitárias de Congonhas (Unaccon), Sandoval de Souza.

Ao Estado de Minas, o secretário de Meio Ambiente de Congonhas, Neylor Aarão, cobrou uma marcação de simulado mais rápida. “Os órgãos envolvidos precisam de maior celeridade, pois a demora, muitas vezes, pode nos remeter a uma paralisação dos trabalhos e a um retrocesso. É preciso maior engajamento, sobretudo das empresas. Um plano de ação emergencial e de contingenciamento de gaveta é o mesmo que nada. Ele tem de ser compartilhado com a sociedade”, disse. De acordo com Aarão, um mapeamento de todas as barragens está em produção para que planos de emergência sigam a lógica municipal e não apenas de cada empresa, uma vez que o município é cercado por mais de 30 barramentos.

Por enquanto, não há data certa para que uma próxima etapa de treinamento ocorra.
“O importante, é que trabalhamos com uma barragem estável e segura. Os demais processos, como a implantação dos planos de emergência, são fatores que evoluirão dentro de um cronograma. É importante destacar que estaremos atentos a todo esse processo”, disse o promotor Vinícius Alcântara Galvão, responsável pelo acordo com a CSN.

Cronologia da apreensão


 

Novembro de 2013
» CSN e Ministério Público assinam termo de ajustamento de conduta após problemas serem detectados
na obra de alteamento da Barragem Casa de Pedra. Questões teriam sido sanadas

Novembro de 2016
» Infiltrações são detectadas na barragem Dique de Sela, parte da Barragem Casa de Pedra, voltada para três bairros de Congonhas onde vivem 4,8 mil pessoas

17 de maio de 2017
» Portaria DNPM 70.389 estabelece, entre outras decisões, a necessidade de um Plano de Segurança da Barragem para empreendimentos como Casa de Pedra

18 de setembro de 2017
» Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia visita as obras no Dique de Sela. DNPM e Semad garantem não haver riscos

Outubro de 2017
» Em fiscalização da Feam foram detectadas infiltrações no corpo da barragem do Dique de Sela. Semad e DNPM informados

14 de outubro de 2017
» Ministério Público do Trabalho determina paralisação das atividades da mina Casa de Pedra por entender que não há garantias de segurança para os trabalhadores

9 de novembro de 2017
» O Estado de Minas obtém documentos que comprovam que governo estadual não quer esperar que a CSN implante seu plano de emergência e cria força-tarefa coordenada pela Defesa Civil Estadual para traçar um plano próprio de evacuação em caso de rompimento do Dique de Sela


10 de novembro de 2017
» Comandante dos bombeiros da área de Congonhas, o capitão Ronaldo Rosa Lima declara ao EM que a barragem “é propensa ao rompimento”, referindo-se à segurança de Casa de Pedra

11 de novembro de 2017
» Estado de Minas tem acesso a despacho interno dos Bombeiros transferindo o capitão Ronaldo Lima para Barbacena depois de sua declaração. Comando diz que medida não tem relação com a Casa de Pedra

26 de novembro de 2017
» CSN e Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Congonhas anunciam simulado do plano de segurança de barragens, mas tudo praticamente se reduz ao teste público de duas sirenes. Uma delas falhou. Placas para rotas de fuga são instaladas e seleção de locais seguros é feita

30 de novembro de 2017
» CSN protocola laudo de segurança da Barragem de Casa de Pedra no Ministério Público, garantindo que os dois lados do Dique de Sela superaram o fator de segurança mínimo de 1,5, chegando a 1,6 e 1,8.

5 de janeiro de 2018
» O capitão bombeiro Ronaldo Lima é transferido, mas para Poços de Caldas. Comando dos Bombeiros
diz que não há relação com a Casa de Pedra

27 de fevereiro de 2018
» O Estado de Minas revela que laudos da CSN ainda estão sendo verificados pelo Ministério Público, o que não confere garantia de segurança à barragem.

População reclama dos pontos de encontro instalados em locais ermos, insalubres e perigosos

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