No casamento do motorista João Batista Alves Pereira, de 60 anos, Deruelen Maria foi dama de honra. Ele se lembra, com alegria nos olhos, desse momento ocorrido há 28 anos e um marco na vida familiar e afetiva. Na tarde de ontem, o morador do Bairro Letícia, na Região de Venda Nova, em Belo Horizonte, voltou a sentir emoção semelhante ao reconhecer a paternidade socioafetiva da contadora, de 31, casada e moradora do Bairro Candelária, na mesma região. Agora, oficialmente pai e filha, os dois se abraçaram com carinho e puseram fim a uma história atrasada durante anos, segundo ele, pela burocracia.
Quando João Batista se casou com a mãe de Deruelen Maria Soares Pereira, ela tinha 3 anos e era fruto de outro relacionamento. Depois, tiveram uma filha. A exemplo de uma centena de belo-horizontinos ou residentes na capital, os dois compareceram ao Centro de Reconhecimento de Paternidade (CRP) Itinerante do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que inaugurou as atividades no espaço do Instituto BH Futuro, na comunidade da Serra, na Região Centro-Sul. Para regularizar a paternidade nos registros civis, os interessados fizeram uma pré-inscrição e já estão previstas outras iniciativas itinerantes. “Assim que fiquei sabendo, fiz o cadastramento pela internet”, disse a contadora.
Para surpresa dos atendentes, houve até um reconhecimento de maternidade. Quando Wellington (hoje caminhoneiro, de 42) nasceu, a mãe vivia com o pai biológico, mas ainda era legalmente casada com o ex-marido, o que impediu que o nome dela constasse no mesmo registro com o do pai biológico. Então, o pai registrou o filho somente em seu nome, e Wellington alega ter vivido até hoje com o constrangimento de ser o “único” a não ter o nome da mãe e ouvir frequentemente a provocação: “Já vi filho sem pai, mas sem mãe é a primeira vez”.
Conforme divulgado pelo TJMG, ele disse que a regularização da maternidade em seu registro encerra finalmente o constrangimento que sofreu a vida toda, além de trazer conforto à mãe e a toda a família dele, “que sempre se sentiu desconfortável com a falta do vínculo oficial entre eles”. Ele cita a falta do nome dos avós maternos na certidão e até o questionamento da irmã mais velha, por parte da mãe, com quem sempre manteve contato.
SOFRIMENTO Acompanhando o atendimento, a juíza da Vara de Registros Públicos de BH, Maria Luíza de Andrade Rangel Pires, à qual está vincula o CRP, destacou que o serviço é totalmente gratuito e que, no final, a pessoa tem um kit completo, com a mudança nos documentos de registro civil, incluindo os dos filhos. “As pessoas passam por grande sofrimento, angústia, a gente nota isso no semblante dos que chegam. Há um constrangimento em alguns casos”, lembrou a juíza. No total, cerca de 70% dos casos se relacionaram à paternidade socioafetiva. “Nesse formato, trata-se de uma iniciativa inédita no país”, informou.
Desde o final do ano passado, além do reconhecimento de paternidade ou maternidade biológica, o CRP faz também o socioafetivo. A partir da publicação do Provimento 63/17, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o reconhecimento socioafetivo pode ocorrer durante a audiência de conciliação. Assim, nessa modalidade, que antes só era possível com uma ação judicial, a paternidade ou a maternidade são reconhecidas a partir da manifestação do vínculo constituído com o filho.
O reconhecimento de paternidade é espontâneo, mas havia no local um posto de coleta de material para exame de DNA, em casos indicados. Cuidando hoje de Sebastião Rodrigues de Moura, de 89, pedreiro, a quem chama de pai, a técnica de enfermagem Maria José Nunes Moura Sabino, de 45, mãe de quatro filho e uma “do coração”, moradora do Bairro Ipiranga, na Região Nordeste, quis fazer o teste, embora Sebastião tenha lugar especial no seu sentimento. “Vi essa menina desse tamanhozinho, bem pequena”, recordou o pedreiro. Olhando para ele, Maria José manteve o bom humor: “Quero ter certeza. Minha mãe era muito levada!” Agora, é esperar pelo resultado, que deve sair em 20 dias.