A decisão da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) de coibir novas ocupações urbanas clandestinas na cidade, por meio de decreto assinado pelo prefeito Alexandre Kalil (PHS), inclusive com ações coercitivas e demolições caso moradores não respeitem a legislação municipal, encontra obstáculo na pressão exercida pela população que não tem onde morar. A reportagem do Estado de Minas percorreu pontos da cidade em que, ao mesmo tempo em que a PBH anuncia fiscalização contra novas invasões, pedaços de madeira, de lona, tijolos, telhas e outros materiais de construção são movimentados para erguer barracos, inclusive em lugares onde já houve remoções no passado e que aos poucos voltam a receber novos integrantes de forma precária e clandestina. Especialista adverte que administração municipal terá dificuldade de cumprir o decreto em razão do déficit de moradias na Grande BH, que impacta diretamente no surgimento de ocupações.
Na Avenida Antônio Carlos, corredor que liga o Centro da cidade às regiões da Pampulha, Norte e Venda Nova, espaços vagos deixados pela desapropriação de imóveis durante a duplicação da avenida, concluída em 2012, vão sendo pouco a pouco reocupados por pequenos barracos. Alguns ainda de papelão, outros de alvenaria e, em alguns casos, cercas de arame já demarcam os locais onde outras construções poderão surgir.
São vários tipos de ocupações, alguns já fazem décadas, outros há poucos anos e mais recentemente barracos de lona, papelão e equipamentos como carrinhos de supermercados invadem os vãos dos viadutos. Esse público mais recente é formado por moradores de rua, alguns usuários de droga, com predominância do crack. Os primeiros registros podem ser vistos já no Complexo da Lagoinha, onde “moradias” precárias e improvisadas vão tomando o espaço vago e sob a proteção das vigas dos viadutos que compõem o complexo viário.
Os terrenos públicos tomados pelo mato abrigam, 24 horas por dia, dezenas de pessoas usando drogas, que ali permanecem sem qualquer condição de higiene, em meio ao lixo e dejetos humanos, dividindo espaço com todo tipo de insetos e ratos. Em alguns momentos invadem áreas particulares, como no entorno do conjunto IAPI, e recuos de terrenos que foram em parte desapropriados, como em áreas de risco em frente ao Hospital Belo Horizonte. No início do mês passado, esse local foi atingido por um deslizamento de terra provocado por forte chuva de madrugada.
Na trincheira sob a Antônio Carlos, que liga as avenidas Américo Vespúcio (Bairro Ermelinda) e Bernardo Vasconcelos (Cachoeirinha), um verdadeiro aglomerado de barracas de papelão e de móveis foi formado nos dois sentidos das pistas, ocupando todo o espaço das calçadas. Os transeuntes dividem espaço com carros que passam em alta velocidade. O local está sem iluminação e a sujeira e o mau cheiro estão por toda parte. Marcelo Gonçalves e Lavínia Lara estudam num colégio nas proximidades da Américo Vespúcio e moram do outro lado da Antônio Carlos, no Bairro Aparecida, Noroeste de BH. “Passamos por aqui todos os dias e além do medo, o odor é insuportável”, atestam.
Alguns barracões começaram com lonas e evoluíram para tijolo e telhados, na esquina da Antônio Carlos com a Rua dos Operários, no Bairro Cachoeirinha, Nordeste da cidade, ao lado do Viaduto Moçambique. Em outro ponto, no terreno que pertencia a uma empresa de transportes, começa a surgir novo aglomerado. A cozinheira desempregada Clenilda Gomes Venâncio mora com o marido, uma filha e uma irmã em um barracão de um cômodo erguido em alvenaria.
Segundo Clenilda, depois de o casal perder o emprego, a família precisou deixar a moradia no Bairro Céu Azul, onde pagava aluguel. “Não tinha para onde ir. Achei o terreno e ocupei.” Há um ano ela construiu um cômodo com madeira e papelão. No local, instalou um fogão industrial e passou a vender marmitas em empresas e residências próximas. No princípio da ocupação disse que foi procurada pela prefeitura, que informou ser irregular o uso do terreno. “Depois não me procuraram mais, então resolvi melhorar as instalações”, admitiu a moradora.
DRAMA
As condições de vida do casal Manoel Luciano Gonçalves, de 48 anos, e Maria de Fátima Rodrigues, de 43, são ainda piores e expressam de forma muito clara o drama de quem não tem para onde ir. Depois de desmanchar o barraco em área particular invadida próximo do cruzamento da Rua dos Operários com a Antônio Carlos, Manoel disse que não recebeu o valor de R$ 2,5 mil que ficou acordado durante discussão judicial.
Sem ter para onde ir com a mulher e os 10 filhos que moram com o casal, ele ergueu, em janeiro, um barraco às margens da própria Antônio Carlos, em área considerada pública.
Os problemas vistos na Antônio Carlos, que a prefeitura pretende coibir com nove equipes espalhadas pela cidade, se repetem na Rua Pedro Lessa, via que liga a avenida ao Bairro Santo André. No passado, houve remoções de pessoas que ocupavam a via de forma precária para a urbanização da Pedreira Prado Lopes. Hoje, os barracos de madeira já começam a repovoar a via da forma mais precária possível, acompanhados de muito lixo espalhado pelas calçadas.
POLÍTICA HABITACIONAL
Para o gestor executivo social da organização não governamental (ONG) Teto, Bruno Dias Pereira de Andrade, o primeiro ponto a se destacar é que as ocupações são resultado da falta de moradia para a população de baixa renda. “Se a gente não olhar para a política habitacional, vai ser muito difícil monitorar ou coibir as tentativas de ocupar territórios, porque o problema é muito grande”, diz o gestor da ONG, que trabalha com desenvolvimento de projetos para solucionar questões referentes às moradias emergenciais e infraestrutura de assentamento informais em cinco estados do Brasil. Ainda segundo ele, dados da Fundação João Pinheiro mostram que entre 2013 e 2015 houve aumento de 20 mil imóveis no déficit habitacional na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
Bruno ainda acrescenta que o problema de moradia é prioritário, pois abre portas para vários outros direitos humanos. “O direito à moradia é essencial para o bem-estar e vida digna. Enquanto não for resolvido, não será possível alcançar o desenvolvimento pleno dos habitantes da cidade”, completa.
ÁREAS PRIVADAS
O controle das ocupações às margens das vias de Belo Horizonte é complexo. Nem sempre a prefeitura pode agir rapidamente, uma vez que muitos dos espaços invadidos são propriedades privadas. A PBH informa que realiza ações para prevenção, monitoramento, manutenção, mitigação e resposta rápida às ameaças de ocupação clandestina nas áreas do município, através da articulação institucionalizada dos órgãos públicos municipais.
No caso das áreas particulares, o trabalho é direcionado para a identificação do proprietário, com orientação quanto à ocupação irregular e realização do embargo da obra em andamento, mas cabe ao dono da área mover ação de reintegração de posse.
Ações como essas já ocorreram, segundo a prefeitura, em ocupações flagradas pelo EM. É o terreno que pertencia a uma transportadora. A prefeitura informa que a fiscalização notificou, embargou as obras e aplicou multa nos responsáveis pelas construções. Além disso, os proprietários do terreno foram nototificados para executar o fechamento da área e ingressaram com ação judicial de reintegração de posse.
A Secretaria Municipal de Política Urbana (SMPU) informa que também foram notificados e autuados os ocupantes do trecho público junto ao acesso à Rua dos Operários, no Bairro Cachoeirinha, e na Rua Pedro Lessa. Os ocupantes serão levados para abrigos. O local está sendo monitorado pela Urbel.