Documentos inéditos sobre a Inconfidência Mineira (1788-1789) poderão ser vistos até 27 de abril na sede do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais (IHGMG), em Belo Horizonte, no mês em que os brasileiros lembram o movimento liderado por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792). Datados de 1936, com fita preta, lacre e o tom amarelado do tempo, os papéis, no formato de “cartas de encaminhamento”, tratam do processo investigativo sobre a exumação dos restos mortais dos inconfidentes Tomás Antônio Gonzaga, João da Costa Rodrigues e Vitoriano Gonçalves Veloso, que cumpriram o degredo na África ordenado pela Coroa portuguesa.
Da mostra, que foi aberta no sábado com palestra e mesa-redonda sobre a Inconfidência Mineira, faz parte também um recibo assinado por Tiradentes a respeito do soldo quando era alferes e patrulhava a Estrada Real, que ligava Ouro Preto (MG) a Paraty (RJ). “Esses documentos jogam mais luz sobre a nossa história, para que ela não se repita”, lembra a também integrante da comissão, professora Maria Cândida Trindade Costa Seabra, responsável, há 10 anos, pela organização dos documentos na sede do instituto. Para facilitar, na atualidade, o trabalho da equipe de pesquisadores, que se completa com o promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda e o jornalista Adalberto Mateus, os documentos continham uma placa com o nome do doador e datas.
O presidente do IHGMG, Aluízio Alberto da Cruz Quintão, conta que o acervo tem 43 documentos referentes à Inconfidência Mineira, que foram fotocopiados para garantir a preservação dos originais. Num livro de capa vermelha estão cartas do governador de Angola e Moçambique, decisões judiciais (acórdãos), procurações, recibos, editais do governo e outros de interesse de pesquisadores, professores, estudantes e do cidadão que quer conhecer mais sobre o passado. “São de interesse histórico e cultural”, resume. O instituto, acrescenta Aluízio Alberto, tem biblioteca, hemeroteca (jornais e revistas), videoteca, setor de honrarias e medalhas e mapoteca.
RESPEITO À MEMÓRIA O promotor de Justiça Marcos Paulo de Souza Miranda, integrante do IHGMG, destaca que a instituição, desde a fundação, tem um compromisso muito forte com a pesquisa e a preservação dos fatos envolvendo a Inconfidência. E lembra que o respeito à memória dos inconfidentes vem se perdendo ao longo das gerações. “Por força legal, todas as repartições públicas estaduais deveriam ter um quadro com a efígie de Tiradentes, norma que caiu no esquecimento. Da mesma forma, muitos imóveis ligados a episódios da Inconfidência estão em ruínas ou foram demolidos, representando perda irreparável para Minas.”
Para entender melhor a história dos documentos agora expostos, é preciso voltar no tempo, desta vez guiados por Adalberto Mateus, também membro da instituição. Tudo começou, conta, com o livro Amor infeliz de Marília e Dirceu, escrito pelo advogado, magistrado e historiador mineiro Augusto de Lima Júnior (1889-1970). “No prefácio, ele pedia o traslado dos restos mortais de 13 inconfidentes. Na época da publicação, o presidente Getúlio Vargas estava em Juiz de Fora, na Zona da Mata, e atendeu de pronto à solicitação”, explica. Augusto de Lima Júnior foi então designado para os entendimentos com o governo português e seguiu para a Europa.
Em julho de 1938, os restos mortais chegaram a Ouro Preto, na Região Central, e foram levados, em cortejo, para a Matriz de Nossa Senhora da Conceição, no Bairro de Antônio Dias, no Centro Histórico – mesmo antes da inauguração do Museu da Inconfidência, passaram a repousar no Panteão dos Inconfidentes, no andar térreo do prédio da Praça Tiradentes. Adalberto informa que o visitante poderá ver ainda, na exposição, quadros sobre Tiradentes, uma linha do tempo sobre o traslado e outros dados sobre o movimento.
Decreto da derrama
Para entender a história de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, é preciso conhecer o momento social e político do fim do século 18. A rainha de Portugal, dona Maria I (1734-1816), conduzia uma política reformista e moralizadora em relação às colônias portuguesas, principalmente a partir de 1783. O objetivo era tirar das elites locais os cargos que ocupavam no governo, reforçar a dependência econômica em relação a Lisboa, barrar os desmandos dos padres e cobrar os débitos dos contratadores de impostos (pessoas que compravam da Coroa o direito de cobrar tributos dos súditos). Na época, Portugal tinha o direito de cobrar o “quinto do ouro”, taxa de até 20% sobre a produção do metal. Mas se os mineradores não pagassem ao governo 100 arrobas de ouro anuais, a Coroa portuguesa poderia decretar a derrama, obrigando as câmaras municipais a fazer o povo pagar o valor necessário para chegar àquele total.
Em 1788, Luís Antônio Furtado de Castro do Rio Mendonça, visconde de Barbacena (1754-1830), chegou em Minas com ordem para decretar a derrama. A situação gerou descontentamento na capitania, em especial nas pessoas ligadas a grupos privilegiados – contratadores, clérigos, militares, contrabandistas etc. Um grupo começou, então, a articular uma conspiração contra o governo, chamada de Inconfidência ou Conjuração Mineira. No século 18, novos ventos sopravam sobre o Ocidente, trazendo a filosofia de pensadores franceses que criticavam o poder absoluto dos reis, administração colonial, monopólio comercial, intolerância religiosa e sistema de trabalho. A Inconfidência floresceu no ambiente de efervescência intelectual e política, como ocorria na Europa e Américas, em especial, com a independência (1776) das 13 colônias que deram origem aos Estados Unidos.
As novidades chegaram a Minas pelos livros, jornais, manuscritos e relatos orais de viajantes. Imbuído desse espírito, Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, denunciou que altos tributos e monopólio comercial transformaram Minas, uma capitania rica, em lugar de pobreza. Mas havia um delator, Joaquim Silvério dos Reis (1756-1819). O movimento foi abortado em 1789 e Tiradentes enforcado três anos depois.
Serviço
Exposição: A Inconfidência Mineira na memória do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais
Local: Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais, na Rua dos Guajajaras, 1.268, no Bairro Barro Preto, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.
Aberta para visitação de segunda a sexta-feira, das 13h30 às 17h30.
Entrada franca
Mais informações: www.ihgmg.org.br