A terra esturricada, com grandes rachaduras, denunciava o desgaste provocado pela longa estiagem; o ressurgimento de troncos submersos por anos e os enormes bancos de areia aflorando da pouca água completavam o cenário, revelando o fantasma da seca que assombrava a Região Metropolitana de Belo Horizonte. As imagens vistas a partir de 2014 nos três reservatórios que integram o Sistema Paraopeba – responsável pelo abastecimento da Grande BH – ficaram embaixo d’água. Quatro anos depois do início da crise hídrica em Minas, os mananciais atingiram os maiores níveis do período. O refresco para o abastecimento da Copasa se deve, principalmente, ao grande volume de chuva da atual estação, que se aproxima do fim. A recuperação foi tamanha que o reservatório de Rio Manso, o maior do complexo que alimenta as torneiras da capital e cidades vizinhas, está a 45 centímetros de descer pelo vertedouro, o que não acontece desde 2012.
Antes disso, o longo período de estiagem levou os reservatórios a registrar níveis baixíssimos. O Sistema Paraopeba, por exemplo, chegou a acumular apenas 21,3% de sua capacidade. A marca foi atingida em novembro de 2015 e foi a menor dos últimos anos. A situação crítica baixou a represa de Serra Azul a 5% de seu nível, o que fez com que a barragem operasse no chamado volume morto. Na época, a Copasa fez uma grande mobilização da população para o consumo consciente.
Agora, o fim da temporada de chuva, dados divulgados pela Copasa mostram um aumento contínuo do volume dos reservatórios da Grande BH. Nos últimos 30 dias, o Sistema Paraopeba subiu 3,2 pontos percentuais, saltando de 75,5% para 78,7% de seu volume, o maior índice registrado desde 2014 (veja gráficos). “Tivemos um ano, até agora, com precipitação muito acima da média. Outra medida que ajuda é a obra no Rio Paraopeba, que foi inaugurada em dezembro de 2015 e faz a captação a fio d’água (no leito). Com ela, já bombeamos 168 milhões de metros cúbicos para as represas do Sistema Paraopeba. É muito mais do que o volume inteiro do Rio Manso (o maior reservatório do sistema)”, disse o diretor de Operação Metropolitana da Copasa, Rômulo Perilli.
O reservatório de Rio Manso foi exatamente o que apresentou maior recuperação. A represa, que chegou a atingir 28% da sua capacidade em dezembro de 2015, bateu ontem em 96,4% de seu volume total. Logo depois, em termos de recomposição de volume, vem Vargem das Flores: o reservatório, que baixou até 20% de sua capacidade em novembro de 2015, apresentou altos e baixos, mas este ano vem subindo mensalmente, até alcançar os atuais 81,1%.
Chuva fina dá sinal do frio
Enquanto as últimas chuvas vão fechando a estação, os mineiros devem começar a se preparar para enfrentar o frio. O avanço de uma massa de ar polar sobre o Sudeste brasileiro vai fazer as temperaturas caírem em Minas Gerais, de acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). As condições meteorológicas aumentam a possibilidade de formação de nevoeiro ao amanhecer. No setor Norte e Leste do estado, há possibilidade de chuva localizada, devido à circulação marítima associada a um sistema de alta pressão no oceano. Ontem, Belo Horizonte teve chuva fraca em algumas regiões, o que já contribuiu para a queda nos termômetros, que registraram mínima de 19° e máxima de 27°, segundo o Instituto Climatempo. Hoje, a previsão para a capital é de céu nublado a parcialmente nublado, com nevoeiros, ou névoa úmida ao amanhecer.
Serra Azul sobe, mas continua em atenção
A situação da represa de Serra Azul ainda requer atenção por parte da Copasa. Mesmo com o grande volume de chuva e com a obra no Rio Paraopeba, o reservatório segue abaixo de 50% de sua capacidade. Depois de registrar 5% em dezembro de 2015, o lago apresentou melhora e está com 47,6%. “Continuamos com a exploração reduzida do Serra Azul. Hoje, estamos trabalhando em média com uma vazão de 250 e 300 litros por segundo, sendo que a capacidade projetada é de até 2,5 mil litros por segundo. Estamos retirando muito pouca água, o que só é possível porque a captação do Rio Paraopeba permite que a gente traga mais água do Rio Manso e menos de Serra Azul e Várzea das Flores para o sistema de abastecimento”, afirma o diretor da Copasa Rômulo Perilli.
A obra emergencial no Rio Paraopeba foi inaugurada em dezembro de 2015 e permitiu a recuperação mais rápida dos reservatórios da Grande BH. A outorga da Copasa no Rio Paraopeba permite uma captação de 4,5 mil litros de água por segundo, mas o custo da energia elétrica para a operação faz com que a empresa capte, em média, 2,5 mil litros/segundo.
Com o aumento das represas, houve a diminuição na captação no manancial, mas a paralisação está descartada. “Não vamos parar a captação. Foi uma obra emergencial muito rápida, e que ficará para sempre. Tem um custo de energia e de tratamento mais alto. Então, atualmente estamos misturando a água do lago com a do Paraopeba, por meio do Rio Manso, e vamos fazer a gestão do reservatório. Nos últimos 10 dias, estamos operando com 10% da capacidade do Paraopeba, só para manter as máquinas funcionando e as bombas trabalhando”, disse Perilli.
Ruínas ressurgem das profundezas
Há cerca de três anos, quando o reservatório de Rio Manso se aproximava preocupantemente do nível mais baixo de sua história, a equipe do Estado de Minas visitou as ruínas do que um dia foi o povoado de Cachoeira dos Antunes, que ressurgiu das profundezas do lago depois de mais de 25 anos submerso. Testemunhou a emoção do lavrador Antônio José da Mota (foto), de 72 anos, que visitou o que restou da terra onde enterrou antepassados e criou os filhos. “O que teve aqui foi o fim do mundo. Depois que fui embora, achei que não ia ver a cidade nunca mais, mas a seca trouxe uma parte de volta”, disse. O recuo das águas do reservatório de Rio Manso havia então exposto os alicerces e parte das estruturas de 10 casas, três currais, dois moinhos e parte do que restou do piso da Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Hoje, a represa cobrou de volta seu território.