Os diversos boletins de ocorrência registrando ameaças do ex-companheiro, a medida protetiva contra ele e as visitas constantes da Polícia Militar não evitaram que um relacionamento conturbado terminasse em tragédia. Sthefania Ferreira, de 29 anos, morta a tiros pelo soldado Gilberto Novaes, em Santos Dumont, na Zona da Mata, em 14 de março, é a mais recente e visível vítima de um crime considerado hediondo, que vem avançando em Minas, a despeito das tentativas de controle. O homem fugiu com a filha de 4 anos e foi preso depois de seis dias de buscas, tentando obter documentos falsos para prosseguir na tentativa de escapar da polícia. Dados da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) mostram aumento de 9% dos casos definidos como feminicídio entre 2016 e o ano passado. Em 2017, a média foi de 1,1 crime dessa natureza por dia no estado.
A Região Integrada de Segurança Pública (Risp) que mais apresentou casos de feminicídio em 2017 foi Contagem, na Grande Belo Horizonte (veja quadro). A área compreende 18 municípios que tiveram 50 mortes de mulheres no período. Em seguida vem a Risp Belo Horizonte, com 43 ocorrências. Depois, a região de Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, com 38 casos; de Ipatinga, no Vale do Aço, com 35; e de Divinópolis, na Região Centro-Oeste, com 33. Os dados compilados no diagnóstico da Sesp foram filtrados pela configuração do delito como violência doméstica ou contra a mulher.
“As equipes são preparadas para o atendimento após a ocorrência de violência doméstica. O objetivo é quebrar o ciclo de agressões”, afirma a comandante da companhia, major Cleide Barcelos dos Reis Rodrigues. Segundo ela, uma vez analisados os boletins, a vítima é contatada e recebe informações sobre a visita dos militares. “A equipe fornece todas as informações sobre a Lei Maria da Penha, sobre onde recorrer, como pedir medidas protetivas, entre outros. Atuamos junto ao Ministério Público e o Judiciário na avaliação dos casos. Em algum deles, solicitamos o abrigamento, quando necessário”, completou a oficial. Os autores também recebem os policiais e passam a ser acompanhados.
De acordo com a major, a iniciativa surte resultado. “Temos casos de vítimas que conseguiram se desvencilhar dos agressores e seguir em frente, e casos de prisão de autores”, disse. Um desses episódios ocorreu no início do mês. Um homem de 41 anos tentou matar a ex-mulher a facadas no Bairro União, na Região Nordeste de BH. A vítima foi levada para o Hospital João XXIII, e o autor tentou invadir a unidade por duas vezes. Acabou detido. “Tão logo ficamos sabendo do caso, por meio do boletim de ocorrência, nossa equipe trabalhou para prender o autor. Por isso a questão do registro é extremamente importante, para minimizar a reincidência”, destacou a major.
Ataques em série
Outros casos de feminicídio chamaram a atenção neste ano, mas um dos mais bárbaros teve como vítima Sthefania Ferreira. Ela foi assassinada pelo ex-companheiro, o soldado PM Gilberto Novaes, quando saía de casa para receber a comida que havia encomendado. A polícia relata que o atual namorado da vítima contou que estava na casa quando o militar entrou armado, disparou contra a mulher e saiu levando a filha de 4 anos no colo. O homem informou que teve de se esconder atrás de um poste para se proteger, quando ouviu os tiros.
O soldado usou o carro de um colega para não ser reconhecido. O proprietário foi ouvido e disse que o militar trocou de veículo com ele dias antes. De acordo com a PM, o policial estava afastado por problemas psicológicos e era ligado ao 29º Batalhão, de Poços de Caldas, no Sul de Minas. Vizinhos disseram aos investigadores que as brigas entre Gilberto e Sthefania eram frequentes e brutais, motivo pelo qual ela pediu proteção à polícia. O soldado foi localizado após seis dias de caçada, na última quinta-feira, em Belo Horizonte, quando tentava providenciar documentos falsos. A filha do casal foi resgatada,sem ferimentos, e entregue à família.
Casos desse tipo costumam chocar em razão da violência empregada pelo agressor. Foi o que ocorreu em fevereiro, quando um homem de 59 anos com sintomas de depressão matou a mulher a facadas e tentou suicídio em Novo Cruzeiro, no Vale do Mucuri, a 110 quilômetros de Teófilo Otoni. Sebastião José Ornelas de Almeida deu uma facada no peito e outra no pescoço da mulher, Maria Lúcia de Oliveira Almeida, de 54. No mesmo mês, ela morreu depois de ter sido espancada.
Essas mulheres seguem o perfil predominante das vítimas identificado no Diagnóstico de Violência Doméstica e Familiar nas Regiões Integradas de Segurança Pública de Minas Gerais, da Polícia Civil. Considerando-se os casos registrados de 2015 a 2017, o trabalho aponta que em aproximadamente 35% dos casos os agressores são maridos ou companheiros e, em 32%, ex-maridos ou ex-companheiros. A maior parte das mulheres agredidas tem a cor da pele parda (46%), seguida da cor branca, em 32% dos casos. A faixa etária prevalecente entre as atacadas, com 29%, é aquela que varia de 25 a 34 anos, sendo que 70% das vítimas tinham entre 18 e 44 anos de idade. (JHV)
A legislação
A Lei 13.104/2015, conhecida como Lei do Feminicídio, foi sancionada em 9 de março de 2015, abordando a morte violenta de mulheres por razões de gênero. O termo se refere a assassinato que tem a mulher como vítima e como motivação o menosprezo ou discriminação ao gênero ou razões de violência doméstica. O texto altera o código penal, incluindo esse tipo de homicídio no rol dos crimes hediondos, o que sugere tratamento mais severo perante a Justiça. A pena pode ser aumentada em um terço até a metade em casos de o crime ter sido praticado durante a gestação ou nos três meses posteriores ao parto, contra menor de 14 anos ou maior de 60 anos ou com deficiência, e se ocorrer na presença de parente da vítima.