Jornal Estado de Minas

Papa Francisco vai receber manto bordado por 39 mulheres e um homem em Moeda

Em encontros inspirados em Madalena, mulheres que integram o grupo 'cantam, dançam, bordam, riem, choram e se curam' - Foto: Edésio Ferreira/EM/DA Press

Os fios coloridos saíram direto do coração e encontraram o linho branco, enquanto as tramas da vida se encarregaram de apontar os rumos e as linhas do tempo de marcar o afeto. Sempre corajosas, jamais arrependidas, as Madalenas do século 21 escrevem sua história com arte, compartilham alegrias e dores cotidianas com o mundo e, unidas, celebram cada minuto da existência humana. Há uma semana, não foi diferente. No sítio Sertãozinho, em Moeda, na Região Central do estado, um grupo formado por 39 mulheres e um homem mostrou o trabalho que demandou meses de capricho: um panô bordado com 40 imagens de Nossa Senhora e Santa Maria Madalena, que será enviado no mês que vem ao papa Francisco. Junto com a peça, própria para se colocar na parede, seguirá uma carta na qual o grupo pede licença ao pontífice por “chegar assim tão de repente, sem cerimônia” e o cumprimenta por ser “o papa da fraternidade, do perdão e da esperança”.


Idealizadora do projeto, a estudiosa de ervas medicinais Magui Ferreira Guedes, autodeclarada uma “mulher da terra” e proprietária do sítio com o marido, Orestes, acalentava há anos o sonho de bordar o tecido de linho. E o desejo ganhou força no aniversário de 60 anos, em Israel, numa visita ao filho. Ao entrar numa loja para comprar um livro, Magui, hoje com 67, viu cair em suas mãos uma obra de capa vermelha, com letras douradas, escrita em português e dedicada à vida de Maria Madalena. Foi então que deu início à missão de prestar homenagem a Nossa Senhora e à seguidora de Jesus, natural de Magdala, que em hebraico significa torre, às margens do Mar da Galileia.


No livro de capa vermelha estava escrito: “Dentro de cada mulher vive uma Madalena”.

Não demorou muito para, das entranhas da história particular de Magui emergir o nome de batismo – Magdala, escolhido pelo pai, ex-seminarista – e por décadas ofuscado pelo apelido de adolescência e popularizado entre a legião de amigos. Olhando para o panô, e usando uma capa de capuz, a exemplo das amigas, a moradora de Moeda vê o tecido como um manto pronto para “empoderar”. Satisfeita com o resultado, revela os elementos principais da produção, em que cada um bordou uma parte previamente silkada. “Foi tudo feito com amor, silêncio e o poder do feminino sagrado.” Desde 2005, Magui conduz no Sertãozinho o “De volta para casa”, uma roda de mulheres, em meio à natureza, onde cada uma das Madalenas fala dos temores, dores e amores e das fragilidades, fortalezas e emoções.


Sempre destacando o lado sagrado das mulheres e abominando o período em que Maria Madalena foi identificada como pecadora, Magui ressalta que o trabalho passa longe de qualquer ranço competitivo com os homens. “Queremos acordar, no masculino, o feminino sagrado que ali se encontra. Os homens precisam falar de seus sentimentos, chorar, abrir o peito sobre o que os aflige”, acredita Magui, belo-horizontina que passou a viver fora da cidade grande há mais de 30 anos e planta flores, cultiva horta orgânica e tem como meta semear a harmonia. O panô, com 2,20 metros por 1,30m, será entregue a Francisco por uma freira católica.

FRUTO BENDITO As imagens de Nossa Senhora bordadas no linho obedecem a alguns dos títulos recebidos pela mãe de Jesus mundo afora.

A engenheira eletricista aposentada Maria Helena Barbosa, natural de Araguari, no Triângulo Mineiro, e moradora de BH, ficou com a Nossa Senhora de Nazaré e está certa de que o tecido é uma forma de compartilhar com o planeta, a Mãe Terra. E tem um sentido de cura. “O papa tem se preocupado com a questão do feminino. Eu sabia fazer crochê, mas aprendi a bordar especialmente para este panô.” A psicóloga Cláudia Siqueira Martins, moradora da capital, acompanhou todos os passos e conta que os bordados foram feitos separadamente para depois ser confeccionada a peça única por Auxiliadora Pereira, Patricia Talarico, do Atelier do Pano, e Marilene Cordeiro.


No meio do encontro de mulheres, na manhã de sábado, havia um “bendito é o fruto”, que Magui prefere dizer “fruto bendito”. Trata-se do economista Sérgio da Luz Moreira, morador do Bairro Sion, na Região Centro-Sul da capital. Totalmente peixe-fora d’água no universo das agulhas e linhas, Sérgio mergulhou de cabeça e até aprendeu a bordar com uma professora particular. “Um dia, estava almoçando no sítio quando foi feita a distribuição de tarefas. Sou muito atirado e perguntei se poderia entrar, mesmo sendo daqueles que só sabiam pregar botão.

Ao ouvir o ‘sim’, não tive dúvidas”, diz o economista. Para ele, foi uma experiência “bacana”, embora não tenha sido fácil. “Fiz tudo como a professora me explicou, mas acho que foi só desta vez”, confessa com bom humor e sem perder o fio da meada.

Assim na tela, como na vida


Nada mais oportuno para o grupo de Madalenas, capitaneado por Magui Ferreira Guedes, batizada Magdala, do que assistir ao filme baseado na vida da discípula de Jesus, chamada de “Apóstola dos Apóstolos” por São Tomás de Aquino. Aproveitando a exibição na capital de Maria Madalena, a turma pôs sua capa com capuz e fechou uma sala para acompanhar a história da mulher que seguiu Jesus. Depois, o filme serviu de tema para conversas no Sítio Sertãozinho, em Moeda, na Região Central de Minas, onde, desde 2005, é desenvolvido o projeto “De volta para casa”. Segundo Magui, os encontros se inspiram em Maria Madalena: “Cantamos, dançamos, bordamos, rimos juntas, choramos juntas e principalmente curamos nossas dores. E somos inspiradas por Maria Madalena, que foi uma mulher como nós, com toda a sua humanidade e sabedoria e conheceu o verdadeiro caminho do amor.”


Carta para o pontífice


“Perdoai-nos, Francisco, por chegar assim tão de repente, sem cerimônia, chamando-o pelo nome. Não dá para nomeá-lo de sumo pontífice ou Sua Santidade. Pois és, o papa do século 21, um revolucionário como Jesus. Perdoai-nos por compará-lo a Jesus.

Mas tu, papa Francisco, também chegaste com simplicidade, compaixão, ternura e gentileza para redimir as mulheres de todas as culpas católicas, que foram pregadas na cruz de suas vidas. Para rever o rastro de machismo que contaminou a Igreja. Tu és o papa da alegria, da fraternidade, do perdão e da esperança. Vem curando todas as nossas feridas ancestrais abertas por um mundo masculino autoritário e inflexível, que diminuiu, baniu, pisoteou, enclausurou, incendiou, excluiu, maltratou e infernizou o feminino.


Tu és o papa que devolveu o poder às mulheres, assim como fez com Maria Madalena, elevando-a ao posto de ‘apóstolo dos apóstolos’. Dando um lugar de honra a Madalena e às mulheres neste mundo atual, tão caótico. Tu és o mensageiro de um novo mundo, sem distinção de gênero, de raça, ou entre pobres e ricos. Tu és o exemplo de que devemos respeitar a Mãe Terra e também a natureza interior de cada mulher.


Aqui, deste front feminino, que fica em Moeda, Minas Gerais, Brasil, 39 mulheres e um homem encontraram um jeito especial de mostrar gratidão a um papa que aboliu preconceitos e absolveu as mães solteiras declarando: ‘Mãe não é estado civil. Mãe é mãe e pronto’. Um jeito de agradecer a um papa que parou de excomungar mulheres que praticaram aborto em algum momento difícil de suas vidas. Um papa que fala coisas assim: ‘A mulher é quem dá harmonia ao lar.

Não está aqui para lavar louças’.


Tu és muito mais a Igreja de Maria Madalena do que a de Paulo. Tu és a Igreja do cuidado essencial, que não guerreia, mas acolhe, comunga e compartilha. A Igreja sem penitências e martírios desnecessários, sem os pesados grilhões de dogmas ultrapassados. Sem o peso da Inquisição.


Tu és a Igreja dos dias atuais, mais leve e livre. A Igreja do coletivo e não do individualismo. Uma igreja sem pecados cometidos, sem culpa, sem demônios e sem o fogo do inferno, pois só tu sabes que o inferno é aqui, como tens sentenciado aos quatro cantos.


Foi pensando em ti, papa Francisco, que 39 mulheres mineiras e um homem bordaram um panô em sua homenagem. A jornada de cura dessas mulheres foi longa como a de Maria Madalena, em busca do autocuidado, da delicadeza, mas sem vacilo, sem medo, com a ousadia que só as mulheres têm. Guiadas pela espiritualidade de Magdala Ferreira Guedes (o nome não é mera coincidência), sob a inspiração de Maria Madalena, elas bordaram o panô que agora chega em tuas mãos com as linhas e cores do feminino ressuscitado por vós.


Um presente feito a 80 mãos, bordado com as cicatrizes da alma feminina, para anunciar o amanhecer de um novo tempo. Unidas, as mulheres dão graças: bendito Francisco!” 

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