Jornal Estado de Minas

Morro do Makemba, abrigo contra a escravidão nas montanhas de Diamantina

Diamantina – O cheiro do café passado, da lenha queimada no fogão de barro e da fumaça que deixa lentamente as chaminés é indicativo da presença de habitantes nas moradias. Mas ninguém é localizado ao se averiguar de perto as casas coloniais de janelas de madeira pintada ou os casebres de paredes de pau a pique e telhas de barro feitas nas coxas. A aparência é de total abandono nas casas afastadas, onde ainda residem alguns dos moradores mais velhos da comunidade quilombola de Quartel do Indaiá, no distrito diamantinense de São João da Chapada, no Alto Jequitinhonha.

Morro do Makemba era um ponto de referência para os escravos em caso de invasão do quilombo - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
O que pode parecer estranho para forasteiros não surpreende o taxista Robson das Mercês Ferreira, de 52 anos, nascido naquela comunidade e também descendente de seus fundadores. “Aqui, o pessoal mais velho é arisco demais. Quando percebem gente de fora chegando, eles quebram para dentro do mato e ninguém mais acha. Só aparecem de novo quando têm certeza de que os estranhos já foram embora”, conta.

Essa postura arredia é parte de uma atitude peculiar aos descendentes de escravos que há séculos habitaram as montanhas produtoras de diamantes do chamado Distrito Diamantino – formado por Diamantina, Serro, Datas e Gouveia, entre outros. Mas é algo raro nestes dias, talvez, ainda só presente em Quartel do Indaiá, uma das comunidades quilombolas que ainda mantêm resquícios dos costumes dos ancestrais africanos que ajudaram a formar o povo mineiro como é conhecido atualmente.

Robson das Mercês Ferreira, de 52 anos, nasceu em Quartel do Indaiá e relembra casos contados por seus antepassados - Foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press
“O mineiro é essencialmente uma mistura de negros e de europeus. Uma sociedade mestiça, que se formou numa época em que essa mistura não era comum.
Portanto, a herança africana é indissolúvel da história de Minas Gerais”, considera o professor de História da Arte e Iconografia do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) Alex Bohrer.


A escolha das montanhas como esconderijo dos escravos fugidos das senzalas das fazendas da região e também das minas onde o trabalho era extremamente pesado não foi por acaso. Eles sabiam que os portugueses e os senhores que os aprisionavam enviariam tropas para caçá-los pelos sertões. “Diamantina e o Serro, principalmente, contavam com uma população escrava muito numerosa.

E em razão das dificuldades de acesso que impunham, essas serras da cadeia do Espinhaço serviram como abrigos para os escravos fugidos. Nesses locais fundaram vilarejos e sobreviveram. Até hoje, ainda encontramos comunidades quilombolas nessas montanhas”, observa o geólogo e diretor do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Antônio Gilberto Costa.


O nome Quartel do Indaiá deriva da existência no local de um posto de controle de passagem para o Distrito Diamantino, regulado pela Coroa portuguesa. “Naquele tempo, para entrar no Distrito Diamantino era preciso ter um documento que funcionava como passaporte e deveria ser carimbado pelas autoridades da Coroa. Medida que servia para evitar o contrabando de diamantes.

Por isso, foram criados quartéis nas bordas do distrito”, conta o arqueólogo do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional Reginaldo Barcelos.
Com a desativação do quartel na região de São João da Chapada, em 1730, os escravos aproveitaram para ocupar essa estrutura. “Ali encontraram segurança para professar suas crenças e manifestações culturais”, conta Barcelos.


A única estrutura que lembra o quilombo antigo e que ainda está de pé são as ruínas dos muros que demarcavam o antigo cemitério quilombola, onde os mortos da comunidade eram enterrados. Atualmente, quem morre é enterrado em São João da Chapada, a 10 quilômetros do vilarejo.

Os rituais que levavam os mortos para os cemitérios, antigamente, ainda trazem arrepios aos que ainda se lembram disso, como a senhora Constantina dos Santos, de 70 anos. “Era muito pequena e ficava oito dias com medo quando via os negros descendo os morros carregando o defunto num pano claro preso num pau. Era uma cantoria que não parava. Nos lugares onde eles pousavam para descansar, tinham de deixar uma cruz e depois a cantoria começava de novo. Tinha mais pavor ainda quando vinha o pessoal do Macaquinho (um lugarejo) e traziam corpo de crianças mortas”, recorda-se.
 
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA – www.rotaperdida.com.br – forneceu parte dos equipamentos usados nas expedições) 

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