À noite, sob a luz dos faróis dos carros, bonecos de todos os tipos e tamanhos pendurados numa cerca, e até em galhos de árvore, projetam sombras macabras, capazes de assustar motoristas que passam pelo trecho da MGC-262 entre Sabará e Belo Horizonte. À luz do dia, porém, a perspectiva é diferente. Centenas de exemplares de personagens infantis, de plástico ou pelúcia, dão cor ao alambrado e revelam a dimensão da coleção de brinquedos acumulada no local, antes tomado por entulhos. Arte para uns, loucura para outros, fato é que a intervenção às margens da estrada desperta a curiosidade e instiga a imaginação de quem por ali passa.
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Novo golpe: estelionatários usam redes sociais para pedir resgate de carros roubadosLaboratório vai analisar pó misterioso que queimou operários em BHTentativa de vereadores de barrar exposição em BH gera protesto e aumenta visitaçãoOs bonecos, acumulados depois de já adulto, casado e pai de dois filhos, são forma, segundo ele, de preencher uma lacuna deixada aberta no passado. “Tudo isso, pra mim, é novidade. A infância que eu tive foi de muito trabalho. Não tive outras crianças para brincar. Desde pequeno, ia para as roças ajudar meu pai e não estudei também porque meu pai vivia se mudando. Tive uma vida muito sofrida”, conta o pedreiro, que objetiva expandir a atual coleção, com cerca de 250 bonecos, para a casa dos milhares. “Pretendo chegar a colocar aí 5 mil a 6 mil bonecos.
O COMEÇO Adenilson nasceu em Ilhéus, na Bahia, onde morou até completar os 18 anos. Ele passou parte do seu período no estado baiano na aldeia indígena Tupinambá de Olivença, ao norte da cidade do escritor Jorge Amado. “Um dia, liguei para um primo que morava aqui em Belo Horizonte e pedi pra ele me arrumar um emprego. Vim com a cara e a coragem, sem dinheiro algum”, relembra o homem. Ele conta que na capital mineira trabalhou de servente de pedreiro e carregador de chapa. No entanto, foi como catador de material para reciclagem que encontrou o hobby, que considera ter completado sua vida.
“Por acaso, encontrei a cabeça de um boneco no lixo. Aí, coloquei num Papai Noel, fiz um avião e pendurei ali na cerca. Passou um homem e quis comprar, mas não vendi.
“NÃO VENDO” Segundo Adenilson, é comum motoristas e passageiros pararem na rodovia querendo comprar algum brinquedo, embora uma placa, em posição de destaque, anuncie: “Não vendo bonecos”. “Se alguém para perguntando se eu vendo, sempre digo que não. Não vendo, mas dou. Doo para pessoas que não têm condições de comprar brinquedos para os filhos”, diz. Durante esta entrevista, o condutor de um carro de passeio parou e entregou ao fotógrafo do Estado de Minas mais um brinquedo para integrar a coleção do vendedor de plantas. Diante do presente, Adenilson comemora e assinala: “É assim o dia todo.
O incentivo para prosseguir com a diversão que virou arte para os admiradores Adenilson encontra na família, já que, segundo a mulher dele, a dona de casa Jéssica Geralda, de 27 anos, a vizinhança não aprova. “Muita gente fala que isso aqui parece macumba, que está assustando a favela e que a deixou mais feia. Nos chamam de doidos”, contou a mulher, que conheceu Adenilson quando ele ainda nem havia começado a prática. Em contrapartida, ela diz dar total apoio ao marido, e é poética ao falar do hobby dele. “Penso que não importa a idade, a gente sempre tem uma criança dentro da gente. O brinquedo faz parte da criança, né? E não existe idade para demonstrar a infância que existe em nós”, define.
* Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho.