Se por um lado o incêndio que derrubou um prédio de 24 andares no Centro de São Paulo ainda desafia as autoridades paulistas, por outro, liga o alerta dos órgãos de segurança e gerenciamento de riscos de Minas Gerais, especialmente em Belo horizonte, onde não apenas edifícios públicos são ocupados. Aproximadamente 327 famílias que ocuparam três prédios na área central de Belo Horizonte estão no radar do Corpo de Bombeiros devido às instalações que aumentam a chance de problemas, principalmente os incêndios. Mas há também construções privadas que acabaram sendo invadidas e não são alvo de qualquer vistoria. “Todas as ocupações são consideradas de risco elevado devido ao excesso de material combustível dos barracões do interior: madeira, papelão e isopor, principalmente. Aliado a isso, temos instalações elétricas que não foram dimensionadas para o uso atual, o que traz sérios riscos de incêndios”, alerta o integrante da diretoria de atividades técnicas do Corpo de Bombeiros Militar, Frederico Pascoal.
As próprias famílias reconhecem que vivem preocupadas, e se assustaram ainda mais depois do desastre em São Paulo, mas afirmam que adotam medidas de proteção para mitigar possíveis problemas causados pela ocupação de prédios essencialmente comerciais, que não foram preparados para receber botijões de gás, fogões, chuveiros elétricos e que não recebem a devida manutenção. Procurada, a Coordenadoria Municipal de Defesa Civil (Comdec) informou que vistorias rotineiras são uma atribuição do Corpo de Bombeiros.Das três ocupações instaladas em prédios da Região Centro-Sul de BH, sendo dois no Hipercentro e um no Bairro Funcionários, a Zezeu Ribeiro e Norma Lúcia é a mais antiga. Segundo um dos coordenadores, Marcos Landa, em 14 de abril de 2015, o edifício, situado na Rua dos Caetés, 331, foi invadido. O prédio é do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), mas estava abandonado, conforme Marcos. A entrada da reportagem não foi permitida. Do lado de fora é possível ver muitos materiais esticados na beira das janelas da construção de 10 andares, como tecidos e faixas. Diferente das outras ocupações, a cozinha, que começou comunitária, hoje já foi liberada para entrar nos andares de acordo com cada morador. “Os quatro elevadores não funcionam e foram fechados com tapumes, para evitar quedas e também que lixo seja jogado. Há extintores em todos os andares e uma equipe de segurança e limpeza, que faz vistorias frequentes nas condições de cada moradia. Além disso, na discussão que se estabeleceu por meio de processo judicial ficou definido que o INSS precisa fazer vistorias frequentes nas condições, o que ocorre de 15 em 15 dias”, afirma Marcos Landa. Ainda segundo o representante da ocupação, seria muito importante para a comunidade se o Corpo de Bombeiros ou a PBH acompanhassem a situação de perto, para comprovar as informações fornecidas.
Por meio de nota, o INSS informa que celebrou um acordo judicial para desocupação voluntária do imóvel até 20 de junho de 2015, prazo que não foi cumprido. Como uma ordem de desocupação não foi expedida, o instituto recorreu ao Tribunal Reginal Federal da 1ª Região e aguarda o julgamento do recurso. O INSS confirma ainda que tem acompanhado a situação do imóvel e vem promovendo os “reparos emergenciais possíveis, visto que o prédio se encontra ocupado. Entretanto, “as medidas amplas necessárias só podem ser realizadas com a desocupação do imóvel”, diz a nota. O imóvel tem 10 andares além do térreo.
O desastre de São Paulo preocupa demais as famílias que ocupam os prédios em BH, segundo Ana Cristina da Silva, que mora na Ocupação Maria Carolina de Jesus com os três filhos e é uma das coordenadoras do movimento. Ela e outras 199 famílias invadiram o edifício, situado no número 2.300 da Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, em 6 de setembro, onde por muito tempo funcionou a Secretaria de Estado de Saúde. “Medo dos riscos de algum acidente a gente tem sim, mas não iríamos ocupar se não tivéssemos a necessidade. Existe uma preocupação grande com a segurança e por isso não permitimos botijões ou fogões nos andares, apenas na cozinha comunitária, que fica no primeiro andar”, afirma.
INSEGURANÇA O prédio é da Fundação Sistel de Seguridade Social, um fundo de pensão de funcionários e ex-funcionários do setor de telefonia. O advogado que representa a Sistel, Gustavo Rugani, diz que desde 8 de setembro, dois dias após a invasão, já existe uma ordem judicial de reintegração de posse, mas que ainda não foi cumprida. “Nossa maior preocupação é justamente evitar tragédia envolvendo as pessoas porque é um prédio comercial, não é residencial. O desvio do uso para o caráter habitacional traz riscos sérios, como a montagem de cozinha com botijão, lavanderia, banheiros com chuveiros. A gente não consegue saber exatamente o que está acontecendo lá dentro, por isso, quanto mais o tempo passa, isso traz uma insegurança maior”, afirma.
A reportagem também não teve o acesso permitido na Ocupação Vicentão, que começou em 13 de janeiro no prédio que pertence à família de um banqueiro já falecido na Rua Espírito Santo, 461. Segundo o arquiteto das Brigadas Populares, Túlio Freitas, o último uso regular do prédio foi feito por uma empresa de telemarketing, mas a estrutura ficou por anos abandonada e ainda sem pagar os impostos devidos. “Como o poder público não olha para a questão da habitação, as pessoas ocupam pela necessidade. Há problemas pelo fato de o prédio não estar em uso, mas a gente procura formas de minimizar os riscos, como a instalação da cozinha em um lugar só”, afirma Túlio. A ambulante Kênia Ribeiro, de 49 anos, que é uma das moradoras do Vicentão, diz que há uma discussão em andamento para formação de uma brigada voluntária contra incêndios na ocupação. “Medo todo mundo tem, mas a gente sempre se organiza para evitar incidentes. Risco você corre em qualquer lugar e estamos dispostos a enfrentar para ter moradia digna”, afirma.
Instalações inadequadas
Não são apenas edificações públicas os alvos de invasões muitas vezes planejadas sob a justificativa de pressionar a oferta por moradias populares. Construções paralisadas no meio do projeto devido a falência, dificuldades financeiras, calotes e até corrupção acabam se tornando alvo de gente que vivia de aluguel e enxerga nessas paredes de tijolos, muitas vezes sem reboco, um abrigo digno para viver com sua família. Um exemplo disso ocorre na Rua Castelo de Ajuda, no Bairro Castelo, na Região da Pampulha, onde 10 famílias ocuparam um edifício de seis andares inacabado e abandonado, tornando-o seu lar. Os perigos, contudo, continuam nessa estrutura, segundo avaliação do Corpo de Bombeiros de que todos os locais invadidos acabam apresentando grande quantidade de material combustível, como madeira e plástico usado no acabamento pelos invasores, bem como instalações elétricas inadequadas para a utilização residencial.
No edifício do Bairro Castelo, a ameaça pode ser ainda maior, devido a uma mina que foi atingida nas dependências de subsolo da garagem. A água verteu do solo, inundou a garagem e os pilares do edifício. Para que a água não suba ainda mais, os moradores organizaram uma bomba elétrica para sugar a água e a jogar na rede pluvial da rua. É preciso que o aparelho trabalhe por 24 horas seguidas e depois ficar 24 horas sem funcionar para que não seja exigido demais do equipamento. Segundo os ocupantes do prédio, três bombas já queimaram devido ao esforço de sucção da garagem alagada. Para combater as larvas da dengue e ainda gerar uma opção alimentar, tilápias estão sendo criadas na garagem inundada. Essa água da mina não é consumida pelos habitantes da estrutura inacabada, que preferem se servir clandestinamente da rede da Copasa, bem como dos cabos elétricos da Cemig.
As crianças brincam por todo o espaço, entre restos de entulhos que ficaram da construção, baias de cavalos e carroças e pilhas de material reciclado que é reunido pelos habitantes do prédio, a maioria deles catadores desse tipo de produto para a venda no mercado. Um elevador de construção está parado ainda nos andaimes, enquanto o poço do elevador original permanece bloqueado por tapumes. Devido à umidade que vem da escada essas finas folhas de madeira estão empenadas. É grande também a quantidade de material combustível, como madeira, isopor, podas e outros orgânicos. No andar térreo, os moradores instalaram também uma horta comunitária. “A gente buscou trazer espaços para todos.”
Cada família tem o seu apartamento. Todos ajudam com a horta e os trabalhos na bomba. No último andar, não há telhado, mas se alguém estiver passando dificuldade, morando na rua, a gente deixa morar lá e, se conseguir as telhas, ajudamos a fazer o telhado”, disse o catador de material reciclável Alisson Marques de oliveira, de 23 anos, que vive na estrutura com a esposa e um filho de 3. Das janelas, antenas parabólicas garantem a conexão de seus televisores, enquanto toalhas de mesa servem de cortinas. Das aberturas nas paredes externas que receberam grafites e pichações podem ser vistos cães perambulando pelos apartamentos e cada habitante em seus afazeres domésticos. O Estado de Minas entrou em contato com a construtora Dínamo, responsável pelo empreendimento, sem sucesso. (MP)
Obra suspeita
A demolição sem estudos técnicos ou parecer de engenheiros de duas colunas centrais de sustentação no subsolo são as mais prováveis causas para o desabamento de uma casa no fim da tarde de terça-feira no Bairro Mantiqueira, Região de Venda Nova. Oito pessoas ficaram feridas. A informação é de vizinhos do imóvel que conheciam a construção e testemunharam essas obras. Técnicos da Coordenadoria Municipal de Defesa Civil de Belo Horizonte (Comdec-BH) realizaram ontem uma vistoria complementar no local onde uma casa desabou. O imóvel, de dois andares, ficava na Rua Antônio Marçal Sampaio e abrigava um centro religioso de umbanda, que promove encontros de duas a três vezes por semana. O laudo com a causa do desabamento deve ser concluído em 30 dias. Engenheiros e técnicos da Defesa Civil também mencionaram ontem que paredes do imóvel estavam sendo retiradas e, com a supressão, o imóvel pode não ter suportado o peso.