Jornal Estado de Minas

App brasileiro que facilita denúncias de agressões contra LGBT+ disputa prêmio internacional

Gerente de Novos Projetos da Todxs, Ana Beatriz aposta no lançamento de novos aplicativos esse ano - Foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A PRESSA busca pelo direito ao alcance das mãos e sob holofotes internacionais. Reconhecido nacionalmente como capaz de captar denúncias de crimes contra LGBT%2b – sigla que representa a multiplicidade de gêneros –, o aplicativo Todxs foi o único app brasileiro indicado para o Google Play Awards, na categoria impacto social. O nome do vencedor será anunciado amanhã. Mãos de mineiros, que vivem em um estado que viu o número de assassinatos contra LGBT dobrar entre 2016 e 2017, também contribuem com a ferramenta. Além de facilitar o acesso à denúncia, o aplicativo abre caminho para a geração de estatísticas sobre as agressões contra essa parcela da população.


O x no lugar da letra que designaria o gênero no nome da ferramenta e também da startup social sem fins lucrativos que a criou já diz tudo. Todxs quer “provocar mudanças positivas” para cidadãos LGBT no Brasil, sem deixar ninguém de fora. Além do envolvimento em movimentos sociais, a startup pretende colaborar com a sociedade por meio de uma aproximação com o governo e empresas, auxiliando no desenvolvimento de práticas inclusivas no trabalho.

“O pontapé ocorreu em Fortaleza (CE), quando um casal de amigos gays foi expulso de um restaurante. Naquela cidade há uma lei municipal que estabelece medidas contra estabelecimentos que adotem atitudes preconceituosas.
Foi aí que decidimos mostrar, para quem não conhece, a legislação que nos protege”, contou a diretora de Comunicação da Todxs, Duda Carvalho.

Depois desse episódio, explicou, ela começou a levantar até que ponto lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros conheciam as leis que os protegem e estavam cientes dos direitos que lhes são assegurados. “A gente percebeu que as leis não são divulgadas para conscientizar a população contra esse tipo de discriminação. É uma triste realidade no Brasil”, apontou, acrescentando que muitos nem sequer sabiam como fazer um boletim de ocorrência da maneira correta. O resultado é subnotificação e um panorama irreal das agressões contra o grupo LGBT .

E que não são poucas. Mesmo incompleto, por basear-se em casos noticiados pela imprensa, levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB), que tem servido de parâmetro para esse tipo de crime, apontou, no ano passado, 445 assassinatos motivados por homofobia. Somente em Minas, foram 45 mortes, atrás apenas de São Paulo, com 59.

Ainda de acordo com o GGB, a cada 26 horas ocorre um homicídio de pessoas LGBT no Brasil. Entre 2011 e 2016, pelo menos 980 transexuais e travestis foram mortos e, nesse grupo, a expectativa de vida é de apenas 35 anos, contra os 75,8 da população em geral calculados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2017.

E mais: conforme a Associação Brasileira de Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLT), 70% dos estudantes LGBT brasileiros já sofreram discriminação nas escolas.
Uma realidade que sucessivas passeatas e mobilizações ainda não conseguiu mudar.

TRAJETÓRIA METEÓRICA
Duda explicou que o processo de criação da statup, que mobiliza um  “grupo de pessoas com espírito empreendedor e envolvidas em um modelo de negócio inovador, que quer provocar mudanças positivas para LGBT no Brasil”,  teve início em 2016. Todas as leis de interesse do público-alvo tiveram que ser compiladas. “Foi um desafio. A gente precisava entender se elas ainda eram válidas no período da pesquisa”, contou a diretora. O Todxs foi lançado em junho de 2017. Em setembro, os criadores receberam contato do Ministério da Transparência e Controladoria-Geral da União (CGU) propondo que o portal de denúncias do app fosse transformado em um canal oficial, com o intuito de que os interessados pudessem, de forma anônima, relatar qualquer tipo de agressão.

Finalidade inicial do aplicativo, a legislação brasileira é mostrada por tópicos: próximo a mim, educação, família, eventos, órgãos e inclusão social. É possível filtrar, por meio de uma ferramenta de pesquisa, leis que dizem respeito a “nome social”, “cidadania” e “escola”, por exemplo. Na página inicial o usuário encontrar instituições que prezam pela diversidade sexual em todo o país, um mapa brasileiro de violência e eventos programados.

“Nos vimos em uma posição de pioneirismo, porque são poucas as delegacias especializadas em receber denúncias de LGBT .
Por isso, nem sempre os boletins de ocorrência são feitos da melhor maneira, que respeite as especificidades necessárias nesses tipos de caso”, contou. De acordo com ela, em geral os interessados sentem maior segurança ao fazer a denúncia pelo meio digital. Entretanto, ressalta Duda, o uso do aplicativo não dispensa a ida à polícia. A ideia do app é que o grupo LGBT tenha em mãos as leis para fazer registros de ocorrência mais adequados e entender melhor a legislação que o protege”, reforça.


Mãos mineiras no projeto


Para funcionar, o aplicativo brasileiro indicado para o Google Play Awards conta com a participação de mineiros. O engenheiro de produção Diogo Silveira, de 26 anos, entrou no projeto Todxs em setembro de 2017, como gerente de desenvolvimento, tendo sido aprovado, tempos depois, como diretor de tecnologia do app. “Minha função era gerir o desenvolvimento do aplicativo. Quando entrei, já havia sido lançado. Ajudei no desenvolvimento de novas funcionalidades, correção de bugs, em alterações etc.”, explicou Diogo, que entrou “de corpo e alma” no projeto movido pela paixão pela causa.

“Desde sempre fui envolvido com a causa LGBT e também muito atento aos problemas de outras minorias”, contou. “Para mim, é uma satisfação usar a tecnologia como ferramenta para mudar a vida das pessoas e dar à população LGBT ferramentas para lutar contra discriminação e também educar a sociedade”, pontuou o engenheiro.

Ana Beatriz Santos, de 23, estudante do mesmo curso de Diogo, foi incorporada à equipe na metade do ano passado e assumiu o posto de gerente de Novos Projetos. Ela explicou que sua função na startup criadora do aplicativo é desenvolver possibilidades, analisar viabilidades e diagnosticar novas propostas.

“Uma amiga me indicou, achando que eu tinha o perfil da empresa e fui por ter familiaridade com movimentos sociais. Tenho gostado bastante”, disse.

Novidades já estão em andamento. Segundo Ana Beatriz, a startup pretende desenvolver, até o fim do ano,  um chatbot  – programa de computador que tenta simular um ser humano na conversação com as pessoas –  para auxiliar pessoas que estejam em situação de risco. “Quem tiver sofrido algum tipo de preconceito poderá entrar em contato conosco para a ajudarmos”, explicou. Nos próximos anos, a startup deve criar ainda um sistema para mapear notícias veiculadas em jornais de casos de LGBTfobia para, assim, desenvolver um levantamento.

O aplicativo já lançado, mesmo com pouco tempo de “mercado”,  é reconhecido como um dos principais na categoria “impacto social”. Duda Carvalho disse que a nomeação para a Google Play Awards ocorreu de forma repentina, sem programação nem expectativa. “Por ser o único aplicativo brasileiro na disputa, ainda mais em um país que mais mata LGBT no mundo, entendo que é um grande passo para a gente. Estamos concorrendo com outros aplicativos maiores, mas, considerando os índices brasileiros, acho que é importante nossa indicação”, explicou.

Diogo foi enfático ao comentar a indicação: “Uma delícia”. “Ter o trabalho de todo o time e o produto principal sendo reconhecido é uma satisfação muito grande mesmo. Ainda dá aquele gás de que estamos no caminho certo, de que isso é apenas o começo e que vamos alcançar muito mais ainda”, comemorou, orgulhoso.
Os concorrentes do Todxs são Forest, Khan Academy, Otsimo e Tala, e a premiação pode ser acompanhada virtualmente  amanhã.

Denúncia fácil
Para denunciar crimes de violência contra LGBT utilizando o aplicativo, basta inserir o endereço e nome do local ou estabelecimento onde ocorreu o fato, marcar o tipo de agressão sofrida – podendo ser verbal, física, psicológica etc. – e contar, em 500 caracteres, o que houve. Além disso, o aplicativo pede para dizer se a vítima fez Registro de Evento da Defesa Social (Reds), conhecido como boletim de ocorrência. As denúncias são anônimas e colhidas pelo Ministério a Transparência e Controladoria Geral da União, que pode usá-las para elaborar estatísticas essenciais para a implantação de planos de combate à violência de gênero.

*Estagiário sob supervisão da subeditora Rachel Botelho

 

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