Em um tempo em que as redes sociais estão em tudo e praticamente todos estão nas redes sociais, um fenômeno que não é recente, mas que ganhou impulso assustador no ambiente virtual, mobiliza famílias, escolas e entrou definitivamente no radar de gigantes da internet. As agressões, ataques, calúnias, injúrias e difamações, resumidas sob a alcunha de “cyberbullying”, ganharam a partir deste mês tratamento mais rigoroso do Instagram, mídia de compartilhamento de fotos e vídeos com interface com várias outras redes, que anunciou atuação mais agressiva em relação ao tema, já condenado nas regras de plataformas semelhantes. É uma reação corporativa a um tipo de comportamento que afeta a vida de famílias inteiras e se traduz em números em ascensão. Em Minas, por exemplo, os registros desse crime cresceram 11%, passando de 4.939 em 2016 para 5.480 no ano passado.
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Negra e adotada, garota de 12 anos é alvo de bullying em três escolas de BHPolícia prende suspeito de ser 'curador' do Baleia Azul no Rio de Janeiro e faz apreensões em MinasAdolescente de 13 anos dá facada em professora dentro da escola em AraxáNão estar frente a frente com a vítima e se esconder atrás de uma tela de computador ou celular, “protegido” pelo anonimato, é a vitrine perfeita para o agressor, na opinião da psiquiatra Júlia Khoury, professora da Faculdade de Minas (Faminas).
Já para quem é vítima, os efeitos são nefastos do ponto de vista do alcance e das consequências clínicas. A ausência de barreira física no mundo virtual faz a antiga “fofoca” se disseminar rápido e chegar a pessoas no mundo inteiro. A psiquiatra relata que o problema atinge, principalmente, adolescentes, que agem por impulso e tendem a pensar que não haverá consequências negativas quando tiram e enviam fotos comprometedoras – ou os chamados “nudes” – para grupos, por exemplo. Aumenta assim a chance de sofrer bullying pela internet, que pode desencadear estresse pós-traumático, depressão e ansiedade. “É preciso buscar ajuda médica psiquiátrica ou de um psicólogo para superar o trauma.
“O alcance é enorme. O que antes era um bullying restrito a um espaço, a uma sala de aula, se espalha em ambiente virtual numa rapidez incrível, a ponto de nós, que estamos fora do âmbito escolar, termos acesso a esse tipo de informações”, afirma a psicóloga Maria Clara Jost, diretora na Tip Clínica. Doutora em psicologia, ela lembra que, no mundo do adolescente, a opinião do outro e o fato de ser ou não aceito em determinados grupos sempre foi importante. Mas, hoje, há uma esfera virtual que se tornou paralela. E o jovem vai se construindo e se configurando como pessoa nesse ambiente virtual. “Estar na mídia social, aparecer, é algo que tomou proporções gigantescas. É o mundo do parecer, que é mais importante do que ser.
Se antes da internet, diante de um estigma a pessoa se mudava de escola ou de cidade para tentar escapar, agora essas providências adiantam pouco. “O desespero de não conseguir sair da caixa em que colocaram alguém pode levar a pessoa ao suicídio. É muito sério”, ressalta. Além disso, Maria Clara chama a atenção para a necessidade de se estar em evidência, ao custo do sofrimento do outro. “O foco é simplesmente que quem fala, brilha. E acaba com a imagem de alguém com uma força incrível, por simplesmente levantar uma calúnia, que passa a ser verdade”, diz. A psicóloga lembra que impedir os filhos de participar ou acessar redes sociais não é o caminho para evitar o problema, e sim trabalhar para fortalecer a autoestima desses meninos e meninas, de forma que não fiquem vulneráveis a comentários nem participem de agressões. “Esse tipo de comportamento só se sustenta quando tem palco. Se a pessoa não se deixa estar no centro do palco, o boato perde força.”
Um novo filtro foi adicionado
No início do mês, Kevin Systrom, co-fundador e CEO do Instagram, explicou como a rede social reagirá a comentários ofensivos e foi enfático: “Não toleramos o bullying no Instagram”.
Hiperconectados e ultravulneráveis
Uma geração extremamente conectada, que usa as redes nem sempre de forma construtiva. Para a psicopedagoga e mestre em educação Jane Patrícia Haddad, o problema é fruto do acesso desmedido à tecnologia: ao mesmo tempo em que ela quebra barreiras, tem provocado isolamento. Jane chama a atenção para o papel do adulto nesses casos. “Quem é a bússola da criança? É o adulto. Temos que tentar sensibilizar os pais, porque hoje vivemos uma polaridade no mundo, em que a opinião diferente do outro é um confronto. Se isso está se passando com os adultos, imagine com as crianças?”, adverte.
“A tecnologia não vai ruir.
Parceria entre escola e família da educação infantil à 3ª série do ensino médio é a aposta do projeto Cultura de Paz, no Colégio Sagrado Coração de Maria, no Bairro Serra, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, para combater e evitar um dos fenômenos mais cruéis da atualidade. Diálogo e palestras são as ferramentas usadas para alertar os estudantes sobre o respeito às diferenças e a importância de escutar o outro. Ano passado, uma promotora foi convidada a conversar com familiares e policiais, a falar com os alunos sobre crimes cibernéticos.
“Quando a criança aprende quais são seus direitos e seus limites, até onde pode chegar, e sobre respeito, se põe no lugar do outro. O conflito é normal, mas o cuidado com aquilo que o outro pensa, o respeito ao que o outro fala é fruto do projeto que é desenvolvido”, afirma a coordenadora educacional, Renata Medeiros. Para ela, pais devem saber o que os filhos estão acessando e verificar equipamentos como o celular de tempos em tempos. “Precisamos orientar e mostrar os perigos que estão por trás das redes sociais.” .