De um lado, empresas de ônibus pressionando por reajuste nas passagens de Belo Horizonte; de outro, a prefeitura da capital, que condiciona a análise a uma auditoria do setor sem data para terminar; no meio da queda de braço, o usuário do transporte, já pressionado pelo anúncio de disparada no preço da passagem do metrô, e que se vê às voltas com coletivos em más condições e problemas que às vezes impossibilitam até mesmo que o veículo rode. Esse quadro se traduz em números preocupantes revelados em ofensiva da BHTrans, que intensificou a fiscalização e, apenas nos primeiros três meses do ano, identificou 1.033 irregularidades na frota. São falhas que vão de pneus em condições precárias a defeito nos elevadores para cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção, chegando a casos que exigem o recolhimento da autorização de tráfego dos veículos. De janeiro a março foram 425 retenções desse documento, o que equivale à média de quatro ônibus impedidos de seguir viagem a cada dia na cidade. Nesse caso, o motorista precisa levar o veículo para sanar o problema e depois submetê-lo a nova vistoria na sede da BHTrans, antes de retomar as atividades.
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Governo federal confirma reajuste em tarifa do metrô a partir de sexta-feira, afirma deputadoBHTrans intensifica vistorias das manutenções nos ônibus da capitalBelo Horizonte ganha três novas linhas de ônibusSaiba como agir em caso de transtornos durante a viagem de ônibusEm 2018, DEER suspendeu um terço dos ônibus vistoriados após denúnciasAumento do metrô é suspenso por liminar da Justiça de Minas Gerais Frente fria deve causar chuva e queda de temperatura em BHO anúncio da intensificação da fiscalização ocorre quase três meses depois que um ônibus caiu em um córrego no Barreiro, aparentemente depois de perder os freios, matando cinco pessoas e deixando 14 feridas. Paralelamente ocorre o impasse em relação ao preço das passagens, cujo reajuste foi barrado no início do ano pela prefeitura e depois pela Justiça. O sistema enfrenta ainda denúncias da ausência de cobradores em horários em que a presença deles seria obrigatória, além da queima de coletivos na cidade.
Só neste ano, já foram incendiados oito veículos de responsabilidade das empresas prestadoras do serviço na capital, que alegam falta de recursos para a reposição. Ainda segundo a BHTrans, de janeiro a 17 de abril foram 285 autuações pelo fato de as mesmas empresas colocarem ônibus sem o agente de bordo ou cobrador para rodar em horários em que o trabalhador deveria estar presentes. O número supera em 35% as 210 autuações registradas pelo mesmo motivo em todo o ano passado.
Ontem, a equipe do EM acompanhou vistorias de agentes da BHTrans, que conferem uma lista com 79 itens nos coletivos. Alguns deles, como problemas no freio de porta, para-brisa trincado, pneus carecas, saída de emergência travada, luz de freio queimada ou falta do extintor de incêndio, geram o recolhimento imediato da autorização de tráfego. “O objetivo das vistorias é evitar que acidentes aconteçam, porque nós temos cerca de 2,9 mil ônibus na cidade que, juntos, fazem 25 mil viagens e percorrem 540 mil quilômetros todos os dias”, afirma o gerente da BHTrans Artur Abreu.
A estudante Amanda Pinheiro, de 23, defende que as vistorias devem ser cada vez mais intensificadas, principalmente para flagrar o descumprimento dos horários previstos nas viagens. Ela mora no Conjunto Santa Maria, Região Oeste de BH, e vai todos os dias para a faculdade no Bairro Funcionários, Centro-Sul da cidade. “Os ônibus só passam lotados e sempre atrasam. Além disso, é muito comum os coletivos da linha 9206 (Buritis/Vera Cruz) quebrarem. O serviço é horrível para os R$ 4,05 da passagem”, diz ela. O gerente Artur Abreu, diz que todos os dias são 110 vistorias, conforme divisão da cidade feita pela empresa para alcançar todas as 291 linhas. “Houve intensificação desde julho do ano passado, em função de uma reorganização interna da BHTrans”, afirma.
Mortes e desastres
Na noite de 13 de fevereiro, terça-feira de carnaval, o motorista de um ônibus da linha 305 (Estação Diamante/Mangueiras) perdeu o controle do veículo na Rua José Luiz Raso, na Região do Barreiro, e o coletivo caiu em um córrego.
Auditoria ainda não tem prazo
Depois de o prefeito Alexandre Kalil dizer que as passagens não aumentariam até a abertura da “caixa-preta” do transporte coletivo da capital, o processo de auditoria nas contas das empresas agora depende da assinatura da ordem de serviço autorizando a empresa Maciel Consultores a entregar, em até seis meses, o relatório final da fiscalização. A empresa foi a única interessada em verificar os contratos referentes ao serviço de transporte público de passageiros por ônibus em BH. Segundo o edital 2017/002, o contrato tem como objetivo dar transparência aos números do setor, principalmente em relação aos custo operacionais para operação do sistema pelas concessionárias.
Falta de trocador tira ônibus das ruas
A flexibilização da presença dos trocadores em ônibus foi autorizada por meio de lei municipal apenas nos ônibus do Move, em qualquer horário, ou entre 20h30 e 5h59, nas demais linhas da cidade. Porém, na terça-feira o EM flagrou um coletivo da linha 8001A (Santa Inês/BH Shopping) sem o cobrador às 19h30, pleno horário de pico da volta para casa e também em um dia de evento na Arena Independência, que recebia a partida entre Atlético e San Lorenzo, pela Copa Sul-Americana.
Um condutor da linha 5201 (Buritis/Dona Clara), que não quis se identificar, disse que especialmente no caso dos coletivos que ele dirige, a medida complicou muito a vida dos motoristas. “Tem uns lugares em que temos que fazer manobra, e nessas horas o trocador ajudava demais. Além disso, quando embarca um passageiro cadeirante nós temos que acionar o elevador e abandonar a direção. Isso me deixa um pouco preocupado, porque já teve uma situação em que um passageiro transtornado entrou no ônibus e tentou soltar o freio de mão. Nesse caso eu estava no volante e pisei no freio. Imagina se alguém faz isso quando não houver ninguém na direção?”, questiona o condutor.
Outro motorista que pediu para não ser identificado disse que a presença do trocador é muito importante em algumas situações no trânsito. “Você não imagina como é sair da faixa exclusiva da Antônio Carlos para pegar o viaduto da rodoviária. Ninguém deixa passar e é muito difícil fazer essa manobra”, afirma. Ainda segundo o condutor, a linha 5201 foi integrada ao Move, mas roda não só pelas pistas exclusivas da Antônio Carlos e também enfrenta o trânsito em geral da cidade.
Apesar dos números da BHTrans e das queixas dos motoristas, o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Setra BH) sustentou, em nota, que a operação sem o agente de bordo somente é realizada em horários e linhas autorizados, e que a situação não acarreta prejuízo à qualidade do serviço. Ainda segundo a entidade, as 1.033 multas aplicadas aos veículos de janeiro a março de 2018 “correspondem a 0,05% das mais de 2 milhões de viagens realizadas pelo sistema de transporte coletivo” na capital no período. “A expressiva maioria delas é objeto de recurso junto à BHTrans”, concluiu.
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