Jornal Estado de Minas

Igreja do Sagrado Coração de Jesus está prestes a ser entregue após restauro

Além da pintura das paredes, o teto da igreja recebeu reforço na estrutura - Foto: Gladyston Rodrigues/EM/DA Press

 

Um dos primeiros templos católicos de Belo Horizonte, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Região Centro-Sul, oferece aos fiéis uma celebração eucarística em um idioma muito especial: todo domingo, às 10h30, a missa é rezada em aramaico, língua falada por Jesus Cristo. Se o participante se surpreende, pode receber um comentário bem-humorado do padre George Rateb Massis, sírio e há 15 anos titular da paróquia. “Você vai gastar só o preço da passagem de ônibus. Fica muito mais barato do que uma viagem à Terra Santa”, afirma o religioso, que está envolvido com as obras de restauro do monumento sacro que começou a ser erguido em 1901 e foi inaugurado em 1920. A expectativa é que as obras externas terminem no fim do mês. Se houver atraso, garante o sacerdote, “assim mesmo vamos comemorar do dia do padroeiro, em 8 de junho”.

Segundo da capital – a pioneiro é a Capela de Nossa Senhora do Rosário, entre as ruas São Paulo e Tamoios e Avenida Amazonas –, o templo aguardava havia três anos a intervenção, tocada com recursos da comunidade, principalmente via barraquinhas, doações, bazares e outras iniciativas. Aproveitaram até o Dia das Mães: um grupo de voluntárias organizou um bazar no interior da igreja, aberto até sábado, na véspera da data comemorativa, com renda destinada à conclusão dos serviços. “Esperamos a participação dos moradores e visitantes, pois, se a igreja é do Sagrado Coração, é também do Sagrado Coração de BH”, diz o padre, em seu português perfeito,

Quem passa pelas avenidas Professor Alfredo Balena e Carandaí, na região hospitalar, vê os andaimes e os trabalhadores cuidado da pintura da fachada em estilo eclético.
Atento a cada detalhe, padre George conta que, durante a execução do projeto, iniciada em agosto, foram detectadas antigas pinturas no barrado. Para que as novas e futuras gerações conheçam a cor original, esse pequeno retalho denominado “janela” será mantido, por sugestão do restaurador Sílvio Luiz Rocha Vianna de Oliveira, de Ouro Preto, enquanto o restante ganhou dois tons de cinza (claro e escuro). A torre – são 22 metros da ponta da cruz ao chão – também será recuperada, para retirar a oxidação das placas de metal, recebendo um tom prata.

Os trabalhos têm acompanhamento da Arquidiocese de Belo Horizonte, via Memorial Arquidiocesano, com o arquiteto Hebert Gerson Soares Júnior fazendo visitas técnicas semanalmente. Vale destacar que o arcebispo metropolitano de BH, dom Walmor Oliveira de Azevedo é, desde 2010, o referencial para os fiéis católicos de rito oriental no Brasil. Em fevereiro de 2014, ele foi nomeado  pelo papa Francisco integrante da Congregação para as Igrejas Orientais, instância do Vaticano.

AREIA E CAL Tombada pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural Municipal, a igreja teve respeitado pelos restauradores o sistema construtivo original. Assim, diz padre George, na hora de rebocar, foram usadas apenas areia e cal, como nos primórdios, sem uma colher sequer de cimento. A parte externa, agora cercada com tapumes, será complementada com jardins, estando programado ainda o serviço de drenagem das águas pluviais.

Satisfeito na companhia de paroquianos, o religioso adianta que o altar de madeira, no qual fica a imagem do padroeiro Sagrado Coração de Jesus, tem uma coluna solta, e será restaurado na sequência – “Por isso, continuamos nossa campanha para obter os recursos necessários ao restauro dos elementos artísticos”.
Como todas as participações são bem-vindas, o sacerdote diz que as inúmeras caçambas de entulho foram pagas com dinheiro da campanha das latinhas.

Mostrando dois altares laterais de madeira escura, originários da Igreja de Nossa Senhora da Boa Viagem/Santuário de Adoração Perpétua e catedral provisória, o padre adianta que, em 8 de junho, às 20h, vai celebrar a missa em honra do protetor e ressalta que, de terça a sábado, às 12h15, são celebradas missas em português dentro do ritual católico romano. “Vem muita gente, alguns de cidades distantes. Pessoas que chegam para consultas médicas ou estão de passagem pela cidade e aproveitam para rezar num espaço silencioso, perto do Centro.” No domingo, antes da missa em aramaico, há uma celebração em português.

A próxima etapa, que vai contemplar a área interna, dependerá de autorização dos órgãos do patrimônio estadual e municipal, bem como de recursos. Mas já dá para ver que os restauradores terão muito trabalho. Prospecções mostraram que, sob quatro camadas de tinta nas paredes, estão os tons da pintura antiga. “Pode ser que sejam encontradas outras”, explica o padre, orgulhoso, por receber constantemente a visita de estudantes de arquitetura, integrantes de comunidades religiosas e imigrantes.

 

Tesouro escondido

 

Os frequentadores da Igreja do Sagrado Coração de Jesus, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, acompanham a evolução da obra. “Venho aqui há 30 anos, desde a época do padre Luiz, que antecedeu o padre George. Gosto demais de tudo aqui”, afirma a enfermeira aposentada Dalva Guedes, moradora do Bairro Funcionários e voluntária nas atividades de bordado, pintura e costura.

Participante do Conselho Paroquial e acompanhando as intervenções pelo conselho, Gilberto Rocha considera a igreja um “tesouro que estava escondido”.

Bem perto da entrada, que tem uma porta de madeira entalhada, pode-se ver uma placa de mármore que sinaliza a pedra fundamental, colocada em 1901. Está aí uma ótima oportunidade para se conhecer a história do templo erguido por iniciativa de Anna de Aquino Sales, mulher do então presidente de Minas (na época, não se falava governador), Francisco Sales. Ela visitou Paris, foi à igreja de Sacre Coeur de Jesus e ficou tão encantada que resolveu patrocinar uma igual na cidade.

Construída em terreno cedido por seu proprietário, Aarão Reis, ninguém menos do que o chefe da Comissão Construtora da Nova Capital, a igreja teve obras confiadas aos padres redentoristas, também responsáveis pela construção da Igreja de São José, e projeto do arquiteto Edgard Nascentes Coelho. Em 1925, foi inciado o Rito Siríaco Católico, com a nomeação de seu primeiro padre, vindo da Síria, George Elian.

RITO SIRÍACO
Conforme os estudos, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus conserva características dos tempos apostólicos e de costumes próprios das comunidades cristãs da Síria. Especialistas informam que “a origem do rito que ali se celebra remonta aos primeiros tempos do cristianismo, quando, após a descida do Espírito Santo sobre os apóstolos, esses deram início a seu ministério. Os católicos do Rito Siríaco uniram-se a Roma a partir do século 17, mantendo, no entanto, a própria língua, o rito e a legislação eclesiástica, obedientes à autoridade do patriarca.

Implantada em praça de formato triangular, alteada em relação ao plano das ruas contíguas, a Igreja do Sagrado Coração de Jesus tem planta em cruz latina e torre central única. Internamente, recebeu tratamento ornamental simples, destacando-se as pinturas do forro da nave e da capela-mor, este último executado pelo artista italiano Francisco Tamietti.

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