Jornal Estado de Minas

Mineração 'come pedaço' da Serra do Curral; veja comparação de fotos

Bem longe dos olhos da maioria dos belo horizontinos, uma imensa área de mineração se estende aos pés da Serra do Curral, maciço tombado cujos contornos deram nome à capital mineira. Seu pico mais alto, simbolicamente chamado Belo Horizonte, sobre o qual se avistam antenas de emissoras de rádio e TV, seria uma das formações ameaçadas pela atividade, ironicamente iniciada sob pretexto de “recuperação ambiental” da área. A exploração de recursos minerais na região divide opiniões e é cercada de informações restritas: enquanto a Secretaria de Estado do Meio Ambiente, responsável por zelar pela preservação de recursos naturais em Minas, defende a lisura da atuação da mineradora, contrariando parecer de um de seus próprios órgãos técnicos, o Ministério Público sustenta que há descumprimento de decisão judicial na região, mas não explica qual é a inconformidade. A Prefeitura de BH reforça a tese de irregularidades, mas também pouco esclarece sobre elas. E o órgão de patrimônio federal tenta, há quatro anos, definir se, enfim, há ou não agressão a área tombada. Enquanto isso, os trabalhos da companhia seguem a todo vapor.

Pipocam denúncias de que a atividade desenvolvida pela Empresa de Mineração Pau Branco (Empabra) na região da antiga Granja Corumi, no Bairro Taquaril, Leste de Belo Horizonte, ameaça o Parque Estadual Floresta da Baleia e a Serra do Curral, um dos principais cartões-postais da capital mineira tombado pelo patrimônio em níveis municipal, estadual e federal. Imagens produzidas pelo Instituto Estadual de Florestas (IEF) que comparam o mesmo ponto da serra em 1996, 2017 e 2018 mostram mudança no perfil da montanha, o que dá indícios de mineração em área tombada.

Laudo produzido pelo IEF, gestor do Parque da Baleia, atesta que a mineração alterou o perfil do solo adjacente ao limite da área de preservação e reduziu a capacidade de armazenamento de água na microbacia da unidade de conservação. A alteração, indica o documento, abre possibilidade para desestabilização do solo e deslizamento de terra, o que pode desfigurar a formação geomorfológica da área de preservação ambiental.
Apesar desse laudo, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) diz que o empreendimento não afeta a  unidade de conservação, tem autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) e está respaldado por um termo de ajustamento de conduta (TAC) assinado com a empresa em 2015. Enquanto isso, o processo de licenciamento ambiental para a atividade ainda está tramitando e a Empabra garante que única atividade que desenvolve em áreas limítrofes com a Serra do Curral e com o Parque da Baleia é de recuperação do meio ambiente, minerando apenas em área autorizada – ainda que as imagens do IEF ponham em xeque essa versão.

 O vereador Gilson Reis (PC do B) diz que em vistoria no local da atividade ficou constatado que a empresa está colocando em risco o Pico Belo Horizonte, desenvolvendo mineração na base da área de maior elevação da capital mineira, que faz parte da Serra do Curral. O assunto foi tema de audiência pública na Câmara Municipal em 16 de maio. Em visita ao entorno da área de atuação da mineradora, a equipe de reportagem do Estado de Minas constatou alteração das características da serra bem abaixo do pico Belo Horizonte, elevação que fica ao lado das antenas de televisão e de uma unidade da Polícia Militar. “Nós visitamos o local e constatamos que essa empresa está minerando na base do pico. Eles tinham autorização para minerar na região até o tombamento da Serra do Curral, quando o direito foi cancelado. Quando esse termo de ajustamento de conduta foi feito, além de continuar a exploração mineral, eles ampliaram a área de mineração para outra região nas cercanias aos parques da Baleia e das Mangabeiras”, afirma o vereador.

‘FACHADA’ O parlamentar e moradores que vivem no entorno do empreendimento denunciam que, na verdade, a empresa usou como fachada uma recuperação ambiental solicitada pelo Ministério Público para continuar minerando na região, sem controle e sem licenças necessárias para a atividade.
Em razão dos passivos ambientais resultantes da mineração até 1991 na Granja Corumi (Mina do Taquaril), a empresa assumiu o compromisso, em 2003, de promover a recuperação ambiental a partir de um Plano de Recuperação de Áreas Degradadas (Prad) exigido pelo MP, conforme aprovação do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam) de Belo Horizonte. Em 2015, a empresa foi chamada a promover a regularização ambiental junto ao estado, conforme solicitação do MP. O problema é que no âmbito do que seria a recuperação com “retaludamento das superfícies degradadas, implantação do sistema de drenagem e revegetação”, ficou constatado que a empresa estava minerando em outro ponto, o que foi verificado pela própria Semad, motivando uma “reorientação” do processo de licenciamento.

IEF não foi ouvido em licenciamento


Uma fonte ligada ao Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema), que pede anonimato, sustenta que quando ocorreram tanto o licenciamento da mineração da Empabra na Serra do Curral em nível municipal quanto a assinatura do termo de ajuste de conduta com a Semad, o IEF deveria ter sido consultado sobre impactos ambientais da atividade sobre o Parque da Baleia, conforme resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). “Se isso tivesse ocorrido, o órgão teria se manifestado contrariamente à atividade”, afirma a fonte. Já a Semad sustenta que na época do licenciamento no município de Belo Horizonte, em 2008, o empreendimento obteve as concordâncias do Iphan e do Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha/MG). A pasta informou que já solicitou atualização dessas anuências.


O Iphan informou que há um processo de licenciamento sobre a mineração em andamento desde de 2014, considerado “prioridade”. Mas, “como há um novo técnico analisando, ele está lendo todo o processo para melhor conhecê-lo”, justifica o órgão. De acordo com a Fundação Municipal de Cultura (FMC), o plano de recuperação da área degradada foi aprovado pelo conselho que cuida do patrimônio da cidade, e em novembro do ano passado o MP solicitou que o órgão se manifestasse mais uma vez.

Na ocasião, ficaram definidos prazos e medidas a serem tomadas para proteger o Muro de Pedras, ocorrência arqueológica situada na Serra do Curral. “Caso o plano de recuperação não contemple a preservação do Muro de Pedras, a empresa deverá assinar termo de ajustamento de conduta, sem prejuízo da adoção de medidas compensatórias e mitigatórias pelos danos já causados pela operação da mina”, diz a pasta. Ainda este mês a FMC informa que visitará o local.

 
Já o Iepha informou que a licença prévia passou por análise que constatou que o empreendimento não se encontra em área de proteção estadual. “Por não ter diretrizes de proteção para a área, o Iepha acompanhou a manifestação do Iphan e dos municípios diretamente impactados, expressas nas respectivas manifestações/anuências e pareceres emitidos pelos mesmos quanto à avaliação do empreendimento em relação aos seus bens culturais protegidos”, diz o órgão, em nota. Para a próxima fase de licenciamento, o Iepha solicitou à mineradora que apresente cronograma que concilie as atividades com medidas de recuperação do meio ambiente, de forma a minimizar os impactos sobre a paisagem natural.

 
O gerente de Relacionamento Institucional e Comunicação da Empabra, Fernando Cláudio, nega haver qualquer irregularidade na operação da empresa. Segundo ele, nos pontos limítrofes entre a área de 66 hectares de atuação da empresa, o Parque da Baleia e a Serra do Curral, o que está ocorrendo são ações de recuperação do meio ambiente. Só há mineração em 12 hectares que não incluem área tombada nem unidade de conservação, segundo a empresa. “O Plano de Recuperação de Área Degradada liberado pelo município de Belo Horizonte permite a atividade de lavra e, a partir de 2015, passa a ser autorizado pela Semad. Foi exigido pelo Ministério Público, em Ação Civil Pública, que todos os proprietários da área minerada entre as décadas de 50 e 90 fizessem a recuperação dos terrenos, mas apenas a Empabra assinou e se comprometeu a recuperar toda a área”, afirma.

Ele acrescenta que a degradação promovida no ponto da Serra do Curral abaixo do Pico Belo Horizonte foi promovida por outras empresas antes da década de 1990, quando a mineração ainda era autorizada, em período anterior ao tombamento da serra. “Naquele ponto ainda vai haver a recuperação.

Vai ser finalizado um plano de recuperação, porque esse plano não consiste somente no replantio da vegetação. É preciso fazer obras de reconformação de talude, até pela questão da drenagem local crítica”, completa. A empresa estima que a recuperação de todo o trecho leve 10 anos.

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