Jornal Estado de Minas

Onda de violência em Minas cresce em meio a mistério sobre motivos dos criminosos

- Foto: Arte/EMEm meio ao mistério sobre motivos concretos que levam criminosos a promover uma onda de violência em Minas Gerais nos últimos quatro dias, o número de cidades atacadas cresce no estado e já ultrapassa a barreira de 30 municípios. Quase 50 pessoas foram detidas por suspeita de participação nas ações criminosas.

Ataques a ônibus, carros, prédios públicos, agências bancárias e outras depredações continuam desafiando as forças de segurança, que, apesar de admitirem a coordenação dos casos por integrantes de facção criminosa, não conseguem esclarecer motivos para a sequência de ataques. Em um dos últimos episódios de vandalismo, um bilhete deixado próximo a outro coletivo atacado volta a apontar para pressão no sistema carcerário do estado, citando as penitenciárias Antônio Dutra Ladeira, em Ribeirão das Neves, e Nelson Hungria, em Contagem, ambas na Grande BH.

Cidades do Sul de Minas voltaram a ser alvo de criminosos. Em São Lourenço, ônibus foi incendiado e bombeiros tiveram que agir para apagar as chamas - Foto: O Popular/Divulgação
Ontem, o Sul de Minas voltou a concentrar ataques, com a segurança desafiada em mais cinco cidades que ainda não tinham sido alvo dos criminosos. Desde domingo foram conduzidos às delegacias de Minas Gerais 49 pessoas e ratificadas as prisões de 28 delas.

De acordo com o superintendente de Investigação e Polícia Judiciária da Polícia Civil, Carlos Capistrano, o restante foi liberado por falta de provas, por não ter ficado evidente a participação ou por ter cometido delitos de menor potencial ofensivo. Ainda de acordo com o delegado, a maioria dos detidos executou as ações, mas, entre eles, há possíveis mandantes, principalmente no Sul de Minas – conforme revelou o Estado de Minas na edição de ontem.

Embora os números mostrem redução das ocorrências, para a Polícia Civil a preocupação e a tensão são as mesmas.
“Enquanto houver um episódio estamos investigando, assim como a Polícia Militar está reforçando a parte preventiva. Todo o sistema de segurança pública do estado está muito atento, embora os números tenham diminuído”, afirma Capistrano.

Em Lavras bandidos atacaram unidade da PM - Foto: Reprodução da Internet/WhatsApp

O caso em que criminosos deixaram o bilhete com referência à situação nos presídios aconteceu no Bairro Veneza, em Ribeirão das Neves, por volta das 4h30 da madrugada. Dois coletivos particulares estavam estacionados na Rua 35, mas apenas um deles foi alvo dos criminosos. Janelas da lateral foram quebradas e material inflamável foi jogado no interior. Em seguida, os criminosos atearam fogo e fugiram, mas as chamas foram contidas antes de se alastrarem para todo o ônibus. A cabine do motorista ficou muito danificada.


O coletivo logo atrás ficou intacto, mas no vidro traseiro foi deixado um bilhete com queixas sobre “repressão” atribuída a agentes penitenciários em todo o estado, e especialmente nos presídios Dutra Ladeira e Nelson Hungria. “Parem de humilhar nossas famílias, queremos dignidade”, diz o texto.

O bilhete também alega que todos os ataques em Minas foram coordenados.

Apesar da carta, o capitão Alexandre Fagner, comandante da 203ª Companhia do 65º Batalhão da PM, não enxerga no episódio características tão concretas que possam indicar um caso coordenado por facção criminosa e articulado com os demais ataques. “O ônibus atacado é particular e a menos de dois quarteirões do local havia um ponto final de uma linha regular. Ainda não é possível vincular com outros casos, tem muita gente pegando carona na situação e é possível que tenha sido ação de oportunistas”, afirma. Algumas horas mais cedo, também em Neves, mas no Bairro Guadalajara (Justinópolis), houve um incêndio que destruiu completamente um coletivo da linha 616 (Céu Azul/Pampulha). Ninguém foi preso.


Ribeirão das Neves foi a última cidade com ataques até o fechamento da edição impressa do Estado de Minas de hoje, totalizando 32 municípios com registro de atos de vandalismo desde o início dos ataques, no domingo. Ainda na noite de terça, o Sul de Minas voltou a concentrar atos de violência, com cinco novas cidades alvos de bandidos: Cambuí, Lavras, São Bento Abade, São Lourenço e Santa Rita do Sapucaí (veja quadro). Também houve novamente ataques em Alfenas, ainda no Sul de Minas, e Uberaba, no Triângulo Mineiro, cidades que já tinham sido atacadas outras vezes. (Colaborou Lucas Eduardo Soares, estagiário sob supervisão do editor Roney Garcia)

- Foto: Arte/EM

Uberaba decreta alerta


Cidade com maior frequência de ataques desde que começou a onda de ações criminosas em municípios mineiros, Uberaba, no Triângulo Mineiro, teve decretada situação de alerta pela prefeitura.

O município vem sofrendo atos de depredação ininterruptamente desde domingo, quando teve início a sucessão de ocorrências em Minas. Ônibus, caminhões de lixo e da empresa de abastecimento e saneamento, e até a sede de uma rádio local foram incendiados. Com o decreto, a administração municipal pode promover ações emergenciais em menor tempo, sem precisar de licitação. Um exemplo é a contratação de serviços de segurança armada para a proteção do patrimônio público. Caminhão usado para atuar na rede de esgoto foi um dos veículos incendiados em Uberaba - Foto: Jairo Chagas/Jornal da Manhã

O policiamento na cidade foi reforçado, e os ônibus estão circulando com escolta. As ações, entretanto, não impediram novas ações criminosas. Na madrugada de ontem, uma rádio da cidade foi alvo. O crime ocorreu pouco depois da meia-noite, quando duas garrafas de coquetel molotov foram arremessadas contra o imóvel da Zebu FM, que fica no Bairro Parque das Gameleiras. Vidros da porta de entrada foram destruídos.

Na terça-feira, quatro ataques foram registrados no município. No fim da manhã, um ônibus foi incendiado no Bairro Isabel do Nascimento. No início da tarde, houve mais uma ocorrência.
Dessa vez, o alvo foi um caminhão da coleta de lixo. Por volta das 14h30, os criminosos agiram novamente. Segundo a PM, aproximadamente 10 pessoas armadas com foices e outras armas obrigaram o motorista de um caminhão do Centro Operacional de Desenvolvimento e Saneamento de Uberaba (Codau) a sair. Em seguida, atearam fogo ao veículo, na Avenida Canaã, no Bairro Marajó. Minutos depois, outro veículo da Codau foi atacado.

O prefeito de Uberaba, Paulo Piau (PMDB), informou, em entrevista coletiva, que o transporte público vai continuar a rodar. “Os ônibus sairão com policiamento, portanto vamos atender até que a polícia detenha o vandalismo e que isso cesse. Claro que isso precariza o funcionamento do transporte, mas os motoristas também têm direito à sua segurança. Os cidadãos não ficarão sem transporte”, disse.

Piau disse, ainda, que cobrou ações rápidas na cidade. “Esperamos nesse momento que as polícias Militar, Civil e Federal possam agir e pedimos muito o apoio do Ministério Público e da Justiça, para que, uma vez presos, não soltem esses suspeitos. A situação é de alerta e precisa ser tratada como tal.
Encaminhamos ofícios, inclusive ao governador (Fernando Pimentel) e ao presidente da República (Michel Temer), reforçando que é preciso haver uma ação rápida para coibir essa violência e esse vandalismo, que acontecem não só em Uberaba, mas em diversos pontos do estado de Minas Gerais”, completou.



Polícia enfrenta quebra-cabeça


O delegado Heli Andrade, chefe do 5º Departamento da Polícia Civil, informa que as investigações sobre a onda de ataques criminosos que sacode o estado desde o domingo estão avançadas na região de Uberaba para identificar mandantes dos crimes, o que pode dar à Polícia Civil mais elementos para entender a motivação. “Os áudios que tem sido divulgados mostram alguns autores dizendo que a pressão no sistema carcerário está causando os ataques. É muito difuso, na verdade não há uma definição tão certa”, diz o policial.

No Sul de Minas, entre os presos, duas mulheres detidas por suspeita de ligação com os ataques chamam a atenção de investigadores. Uma delas, de 22 anos, conhecida como “Maldita”, é casada com um homem que também está preso e, segundo fontes, pertence a uma facção criminosa conhecida nacionalmente. Por enquanto, ninguém se arrisca a afirmar quais são as motivações das ações dos criminosos nem o nível de envolvimento de quem foi pego até agora pela polícia.

“Tudo depende do fim da investigação, não dá para dizer nada agora. Apenas, que o estado de alerta deve ser constante”, afirmou uma fonte do governo estadual. Quando questionado se os municípios do Triângulo e do Sul de Minas foram escolhidos por serem limítrofes com São Paulo e, assim, facilitarem a orquestração dos ataques, o policial respondeu apenas: “Muito difícil saber. Já houve atuação no Norte do país, bem distante do estado paulista”. Anteontem, durante coletiva de imprensa, o secretário de Estado de Segurança Pública, Sérgio Menezes, informou que a relação entre os ataques em território mineiro e os ocorridos no Rio Grande do Norte está sendo estudada.

O superintendente de Investigação e Polícia Judiciária da Polícia Civil, delegado Carlos Capistrano diz que com o andamento das investigações será possível confrontar diferentes versões e checar todas as informações para se obter um retrato mais fiel da situação. “À medida em que as linhas de investigação vão se cruzando, e por meio dos depoimentos das pessoas que forem conduzidas e do material que for apreendido é que vamos poder confrontar cada situação e chegar a uma resposta sem dúvida”, afirma.

Enquanto isso...

...Bancada mineira busca recursos

A bancada mineira na Câmara dos Deputados se reuniu ontem com o ministro da pasta, Raul Jungmann e cobrou da União, com máxima urgência, investimentos de R$ 50 milhões no setor de inteligência dos órgãos de segurança pública do estado. Desses recursos, R$ 15 milhões seriam encaminhados somente ao Triângulo Mineiro, onde um Projeto de Lei para uso do dinheiro já está em “estado avançado”, de acordo com o vice-presidente da Câmara, deputado federal Fábio Ramalho (MDB/MG). Ainda segundo Ramalho, há outros R$ 57 milhões de emenda impositiva da bancada para a aquisição de 650 viaturas para as polícias Civil e Militar. Todo o montante, de acordo com o emedebista, é negociado há mais de oito meses com o governo federal, mas o apelo tornou-se mais veemente em função dos sucessivos ataques às cidades mineiras nos últimos dias, marcados pela queima de ônibus do transporte público. O parlamentar adiantou que articula a classificação desse tipo de ataque como crime hediondo, o que elevaria as penas dos criminosos.  Na próxima semana, a bancada mineira pretende discutir com  Jugmann a situação do sistema penitenciário.

 

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