Quase dois anos depois da conquista dos títulos de patrimônio e paisagem cultural da humanidade, concedidos pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), uma das joias do conjunto moderno da Pampulha será fechada nos próximos dias para restauro. Durante um ano, a Igreja de São Francisco de Assis, projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer (1907-2012) no início da década de 1940, passará por intervenções do piso ao forro. Essa é a primeira etapa de um planejamento estratégico bem maior, ainda em elaboração, para contemplar o espelho d’água da lagoa, equipamentos culturais e projeto viário. Na lista de bens em recuperação está o Museu de Arte da Pampulha (MAP), cuja revitalização está prevista para o ano que vem.
No MAP, os jardins de Burle Marx pedem conservação. Plantas secas, outras murchas e um lago com água suja chamam a atenção de quem visita o museu. Em três pontos do jardim, logo na entrada, a terra prevalece, sem qualquer vegetação. Além da necessidade natural de restauro, o Museu de Arte da Pampulha teve a base abalada durante um episódio de transbordamento da lagoa, segundo Juca Ferreira. Ele adiantou que a obra será maior que a da Igrejinha, mas ainda não há valores definidos.
O secretário ressaltou que “não há qualquer perigo ameaçando a condição de patrimônio da humanidade”. São cerca de 10 atividades que garantem o título, envolvendo questões ambientais, recuperação e restauro dos equipamentos. O secretário garantiu que todos os trabalhos estão sendo feitos, embora haja atraso em alguns deles, por questões jurídicas e de investimento. Relatório das ações foi apresentado em novembro para a Unesco.
De acordo com Henrique Castilho, os trabalhos na igreja começarão pela parte externa e vão contemplar também a iluminação e redes elétrica e hidráulica. Serão feitos os serviços de revisão e tratamento das juntas de dilatação da cobertura, impermeabilização e a substituição do forro de madeira da nave, que está comprometido por causa de infiltração, limpeza da fachada (para preservação de pastilhas e azulejos), recuperação do piso em mármore e dos vidros da esquadria frontal, além de pintura.
Há ainda intervenções complementares: reforma geral da sacristia, da marquise da entrada, das instalações sanitárias, das portas internas, dos panos de vidro das fachadas e revisão geral das esquadrias em madeira e metal (janelas, portas, portões e venezianas). Depois dessa etapa, serão restaurados ainda os jardins de Burle Marx, que contornam a Igrejinha, cujo orçamento não está incluído no montante liberado até o momento.
ESTRATÉGIA A recuperação da Igrejinha e do Museu de Arte da Pampulha fazem parte de um conjunto de ações estratégicas na região. A necessidade do plano estratégico havia sido anunciada pelo EM, em março. A primeira fase será concluída depois da Copa do Mundo, anunciou o secretário. “Ele envolve soluções sobre como potencializar a Pampulha como equipamento cultural, educacional e econômico, garantindo conforto a quem vai visitar a região”, disse ontem Juca Ferreira. Os trabalhos estão sendo acompanhados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha).
O superintendente da Sudecap informou que durante as obras a área da igreja ficará fechada. Para os turistas que passeavam ontem pelo local, alívio de poder ver, mesmo que pelo vidro, o painel de São Francisco, de autoria de Cândido Portinari. Caso da advogada Ana Carolina da Costa Patrício, de 24 anos, que conseguiu fazer várias fotos com o celular. Em Belo Horizonte pela primeira vez, aproveitou o dia de folga depois de um fim de semana de provas na capital para conhecer o cartão-postal. “É lindo. É perfeito. Transmite uma paz surreal.”
Entenda o caso
- A Igreja São Francisco de Assis está fechada há cerca de seis meses e com atraso de dois anos e meio no início de sua restauração
- No início de dezembro, a Superintendência de Desenvolvimento da Capital informou que a igreja não havia sido formalmente entregue à PBH para execução de obras e que, só depois da entrega formal, poderia se responsabilizar pelos cuidados e obras no bem reconhecido pela Unesco.
- No fim de dezembro, a Arquidiocese de Belo Horizonte entregou as chaves do templo à Prefeitura de BH (PBH), depois de tentativas de sua parte e sucessivas recusas de setores municipais, com relato da situação ao Ministério Público de Minas Gerais (MPMG).
- No pacote da entrega estavam adiamentos ao longo de 2015 e 2016, protesto de noivas com casamento marcado para 2017 e que corriam risco da não realização no local, e reuniões no MPMG, instituição na qual foi firmado termo de ajustamento de conduta (TAC) entre as partes envolvidas.
- A expectativa era de que as obras de restauração começassem em março ou abril.
De cassino a museu
O prédio que abriga hoje o Museu de Arte da Pampulha (MAP) foi o primeiro projeto de Oscar Niemeyer (1907-2012) para o Conjunto Arquitetônico da Pampulha. Ele nasceu como cassino (foto), no início da década de 1940 , durante a gestão do então prefeito Juscelino Kubitschek (1902-1976). Sua concepção foi influenciada pelos princípios funcionalistas do arquiteto Le Corbusier (1887-1965). Os jardins que circundam o prédio, criados pelo paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), têm como característica principal composição de formas sinuosas, com grandes blocos ou manchas de cores, construídas com espécies da flora brasileira. A eles, foram incorporadas as estátuas de Ceschiatti, Zamoiski e José Pedrosa. O local passou a atrair jogadores de todo o Brasil, transformando a vida noturna de Belo Horizonte, movimentando uma região que não era tão povoada. Com a proibição do jogo no país, em 1946, o prédio ficou fechado por cerca de 10 anos. Em 1957, foi criado o Museu de Arte. Em 1998, quando exposições internacionais ainda eram raras na capital, mostra da escultora francesa Camille Claudel (1864-1943), no MAP, bateu recorde de público.