Rio – A violência no Brasil é extremamente concentrada em algumas regiões e municípios. Essa é a principal conclusão do Atlas da violência 2018 – Políticas públicas e retratos dos municípios brasileiros, divulgado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). De acordo com o levantamento, somente 123 municípios brasileiros, ou 2,2% do total, concentram metade das mortes violentas do país.
Entre as 10 ciades mais violentas, cinco são da Bahia e duas da Baixada Fluminense. O município mais violento é Queimados (RJ), com a pior taxa do país – 134,9 homicídios por 100 mil habitantes. Em seguida aparecem Eunápolis (BA), Simões Filho (BA), Porto Seguro (BA), Lauro de Freitas (BA), Japeri (RJ), Maracanaú (CE), Altamira (PA), Camaçari (BA) e Almirante Tamandaré (PR) (veja quadro). A média nacional é de 38,6.
Na outra ponta, duas cidades mineiras figuram entre os 10 municípios com menor taxa de mortes violentas: Varginha e Lavras, ambas no Sul do Estado. Seis são de São Paulo. O município menos violento do Brasil é Brusque, em Santa Catarina, com uma taxa de 4,8, seguido de Atibaia (SP), Jaraguá do Sul (SC), Tatuí (SP), Varginha (MG), Jaú (SP), Lavras (MG), Botucatu (SP), Indaiatuba (SP) e Limeira (SP).
Especialistas em segurança pública sustentam que, nos 123 municípios, metade dos homicídios concentra-se em menos de 10 bairros. E, mesmo nesses bairros, a incidência de crimes não ocorre de modo homogêneo, atingindo mais determinados grupos, como jovens e negros.
No início deste mês, ao divulgar os dados gerais do Atlas da violência, os pesquisadores destacaram que um negro tem 2,5 vezes mais chances de ser morto de forma violenta e intencional do que um não negro, já que pretos e pardos são 71,5% das vítimas de homicídio do país. O estudo mostra que os assassinatos de mulheres aumentaram 6,4% em 10 anos, passando de 4.030 em 2006 para 4.645 em 2016. A maioria das vítimas era negra.
O Atlas fez um mapeamento das mortes violentas dos municípios brasileiros com população acima de 100 mil em 2016, com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade do Ministério da Saúde.
CAPITAIS Entre as capitais, Belém assumiu o título de mais violenta de 2016, com taxa média de 76,1 homicídios por grupo de 100 mil habitantes. Pelos dados do Atlas da violência de 2015, a capital paraense era a quarta mais perigosa, com 61,8 homicídios/100 mil moradores. Nesta edição do relatório, Belém é seguida por Aracaju (73 homicídios/100 mil habitantes); Natal (62,7 homicídios/100 mil habitantes); Rio Branco (62,6 homicídios/100 mil habitantes) e Salvador (57,8 homicídios/100 mil habitantes).
Alvo de uma intervenção federal na segurança pública de todo o estado desde fevereiro deste ano, o Rio de Janeiro terminou 2016 entre as oito capitais com as menores taxas de mortes violentas, com 25,8 óbitos por 100 mil habitantes. Esse grupo é encabeçado por São Paulo (10,1 homicídios); Florianópolis (17,2) e Vitória (17,2); Campo Grande (20,3); Belo Horizonte (24,8); Brasília (25,5) e Curitiba (29,4). Considerando a soma da taxa de homicídios e o número de mortes violentas com causa indeterminada (MVCI), a taxa da capital mineira sobe para 31,9.
No início do mês, o Atlas da Violência já tinha apontado que o estado do Rio de Janeiro está entre as seis unidades da federação que têm conseguido reduzir as taxas de homicídios, junto com São Paulo, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Pernambuco e Paraná. No documento, os pesquisadores apontam que a melhora dos índices paulistas se deve, em parte, à preponderância de uma organização criminosa sobre as demais, o que permitiria que seus integrantes controlassem o uso da violência, evitando disputas letais.
Especialistas listam sete ações prioritárias
Com base em experiências bem-sucedidas, os responsáveis pelo Atlas da Violência recomendam sete ações prioritárias para a redução do número de crimes violentos, a começar pela necessidade de comprometimento dos chefes do Poder Executivo, nos níveis federal, estadual e municipal, já que as políticas públicas efetivas envolvem a mobilização e articulação com inúmeros atores sociais e ações intersetoriais.
De acordo com os pesquisadores, esse empenho conjunto precisa ter apoio do empresariado para que os egressos do sistema carcerário tenham oportunidade de trabalho, sem o que, “a reinserção social será apenas uma exceção à regra, fazendo com que o crime não apenas valha a pena, mas seja a única possibilidade de sobrevivência” para os que deixam os presídios.
Os especialistas também recomendam mais rigor no controle e retirada de armas de fogo e munições de circulação. Para tanto, destacam a importância de se manter o Estatuto do Desarmamento e o trabalho de inteligência e investigação para identificar os canais por onde armas entram ilegalmente no país, além do controle e responsabilização pelas armas e munição extraviadas por organizações pertencentes, ou não, ao sistema de segurança pública.
Há ainda sugestões para que a gestão da segurança pública se organize com base em métodos científicos e evidências empíricas, com recursos financeiros suficientes para garantir a manutenção e maturação dos projetos de médio e longo prazos e que espaços de mediação de conflitos sejam criados e o atual modelo de policiamento seja aperfeiçoado, priorizando um modelo de “repressão qualificada”, ao contrário do que o documento classifica de “abordagem meramente reativa”.
“A repressão qualificada, baseada na inteligência policial preventiva e investigativa, com absoluto respeito aos direitos da cidadania, é conjugada com programas e ações preventivas no campo social, focalizadas em bairros e localidades com populações mais vulneráveis socioeconomicamente e onde se encontram as maiores taxas de ocorrência de crimes violentos”, afirmam os responsáveis pelo Atlas, que contestam a tese de que o endurecimento das leis e o encarceramento em massa melhorem as condições da segurança pública.