Os últimos dias marcaram o início de uma série festejos por todo o país. Além das primeiras festas juninas, incluindo o Arraial de Belo Horizonte, cuja programação começou sexta-feira, este é o primeiro fim de semana de Copa do Mundo, com a estreia da Seleção Brasileira contra a Suíça, hoje à tarde. Mas quem vai torcer, aproveitar para reunir amigos e família para um churrasco ou curtir as apresentações de quadrilhas não pode se esquecer da segurança. A importância do alerta da estação é reforçado tanto pelo Corpo de Bombeiros quanto pela equipe do Hospital de Pronto-Socorro João XXIII, que confirmam aumento na quantidade de acidentes nesta época, entre eles os causados por fogos de artifício em períodos de jogos.
Levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) sobre internações hospitalares por manuseio inadequado de fogos, feito entre 2008 e 2017, coloca Minas Gerais entre os destaques, concentrando 14% das mais de 5 mil vítimas nos últimos 10 anos. Somente em 2014, ano em que o Mundial de futebol foi realizado no Brasil, o Hospital João XXIII atendeu a 163 vítimas de acidentes com material pirotécnico, contra 76 em 2017. A Cemig também alerta para os riscos envolvendo a rede elétrica, lembrando das bandeirolas e faixas que são instaladas em ruas para ambas as festas. Materiais metalizados ou instalados em contato com fios e cabos representam perigo real.
O médico Rodrigo Sizenando, chefe da Unidade de Tratamento de Queimados (UTQ) do Hospital João XXIII, lida diariamente com casos graves de pacientes com queimaduras e faz uma série de alertas. Segundo ele, há várias ocorrências durante partidas de futebol, principalmente quando pessoas alcoolizadas fazem uso de fogos de artifício, ferindo a si mesmas ou a quem está por perto. “Muita gente chega com camisa de time de futebol, morrendo de rir, um familiar próximo passando uma bronca na pessoa, mas ela mesma não sabe o que aconteceu. Quando volta à realidade, percebe a saga que vai ser o tratamento, bloco cirúrgico, reabilitação. É como se fosse mexer em tudo com luva de boxe”, enfatiza o médico.
O especialista lembra que a pele é a primeira barreira do corpo para evitar contaminações. Sem essa camada, bactérias, vírus e fungos têm livre acesso ao organismo. A perda de pele e demais lesões causadas pelas queimaduras graves deixam o paciente no quadro mais sério para tratamento. No caso dos fogos, a explosão ainda pode resultar em membros dilacerados.
"É preciso lembrar ainda que os fogos devem ser comprados em locais autorizados, credenciados. E que, se o produto não explodiu na primeira tentativa, antes de voltar a mexer com ele é preciso esperar de 30 minutos a uma hora e nunca tentar acioná-lo de novo"
Tenente Pedro Aihara, do Corpo de Bombeiros de Minas Gerais
O João XXIII é referência nacional no tratamento de queimados e tem uma equipe multidisciplinar para atendimento desses casos, mas Sizenando destaca que o tratamento é longo e complexo. “As pessoas não têm a noção de que aquilo vai ser muito grave e mudar a vida delas para sempre. São dedos amputados, é gente que nunca mais vai conseguir manipular um objeto, vai ter capacidade de trabalho diminuída, vai ter que se adaptar. E também pode pegar uma infecção que não é fácil de ser tratada”, detalha.
Entre as soluções para evitar esse tipo de acidente, Rodrigo Sizenando destaca a figura do “vigilante”, que, assim como o “motorista da rodada”, é uma pessoa do grupo que não vai consumir álcool e deve se preocupar em evitar que os demais assumam atitudes de risco, como soltar fogos em estado de embriaguez.
Em 6 de junho, Dia de Luta contra Queimaduras, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) promoveu evento para destacar os cuidados para evitar acidentes com fogo, que podem levar até à morte. Em 2017, foram mais de 2,1 mil atendimentos de pessoas queimadas no João XXIII, das quais 33 morreram (veja quadro).
ÁLCOOL As fogueiras são comuns nas festas juninas, além do churrasco nas demais comemorações. O médico Rodrigo Sizenando alerta que o álcool, usado muitas vezes para acender o fogo, é um dos grandes responsáveis por queimaduras, não só em períodos festivos, mas durante o ano todo. “Usar óleo vegetal mantém o fogo por mais tempo, é mais eficiente que o álcool”, aconselha, alertando que o álcool, principalmente na versão líquida, deve ser evitado.
O tenente Pedro Aihara, do Corpo de Bombeiros, diz que durante períodos festivos há até mais atendimentos envolvendo acidentes pelo manuseio de líquidos inflamáveis do que os relacionados a fogos de artifício. No entanto, neste último caso ele também reforça que as lesões são mais graves. “Enquanto queimaduras em geral normalmente envolvem somente a pessoa, nos fogos há terceiros atingidos. O perfil predominante de quem causa esses acidentes é de pessoa que está em comemoração, jogo de futebol ou outra coisa, fez uso de bebida e usou um foguete da maneira errada, machucando a si mesmo e a outra pessoa com que tem vínculo, o filho, a esposa, um amigo”, explica. “Uma leitura simples e rápida do manual garante a segurança e evita o uso da maneira errada”, diz.
O militar alerta que fogos e rojões só podem ser comprados e usados por maiores de 18 anos. As instruções estão na caixa. No transporte, segundo os bombeiros, é preciso dar preferência a sacolas biodegradáveis e evitar impactos. No carro, é mais seguro transportar no porta-malas, longe dos passageiros.
Preferência para a segurança
Na hora de comprar foguetes ou rojões, o Corpo de Bombeiros recomenda que o consumidor dê preferência aos produtos que vêm com uma base plástica, na qual cada cilindro contendo os fogos é encaixado antes de ser aceso, embora caixas sem a base ainda sejam comuns. “A base vem em praticamente todas as marcas, mas há as que não têm”, afirma o tenente Pedro Aihara, acrescentando que o suporte evita contato físico da pessoa com o artefato no momento da explosão.
Porém, caso o produto não venha com a base, é melhor evitar improvisá-la com outros objetos, pois a queda do foguete no momento do disparo também pode causar acidentes. “É preciso lembrar ainda que os fogos devem ser comprados em locais autorizados, credenciados. E que, se o produto não explodiu na primeira tentativa, antes de voltar a mexer com ele é preciso esperar de 30 minutos a uma hora e nunca tentar acioná-lo de novo”, enfatizou o oficial.
O tenente Pedro Aihara também alertou para as versões usadas por crianças. Estalinhos e traques, segundo ele, podem ser usados por maiores de 8 anos, mas sempre sob a supervisão de um adulto, para evitar ingestão ou outro contato com a pólvora, além de queimaduras ou explosões. “Em caso de acidentes, é preciso evitar a cultura popular de passar produtos como borra de café ou pasta de dente. É preciso lavar o local ferido em água corrente, para interromper o processo de queimadura. Se possível, retirar vestes que a pessoa está usando, para não aderir à pele queimada, retirar anéis, pulseiras, porque a pele vai inchar. Se houver algum membro amputado, envolvê-lo em gaze, ou pano limpo, colocar em saco plástico e com gelo, para levar ao hospital”, detalhou o militar. Ainda segundo ele, no caso de queimaduras extensas, o ferimento pode ser coberto com gaze e soro fisiológico até a chegada do Corpo de Bombeiros (acionado pelo 193) ou do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu, pelo 192).
"Qualquer material metalizado em contato com a rede provoca curto-circuito. Até balões de gás, quando se soltam e tocam fios de alta e média tensão, podem provocar curto. E não se deve atirar nada sobre os cabos de energia, nem serpentina, mesmo de papel"
Demetrio Aguiar, engenheiro de segurança do trabalho da Cemig
ORIENTAÇÃO A segurança dos clientes também é uma preocupação de comerciantes como Mauro Artur de Freitas, de 72 anos, que há 30 trabalha com fogos de artifício. “Para cada evento é um tipo. Para a Copa do Mundo, o mais procurado é o que proporciona barulho, fogos de tiro, estampidos. Para festas juninas é mais colorido. Todos os que atendem no balcão estão instruídos a abrir a embalagem e mostrar ao cliente, porque muita gente às vezes está comprando pela primeira vez. Nossa preocupação é sempre explicar para evitar acidentes”, diz o proprietário da Minas Pirotécnica, no Bairro Barro Preto, Região Centro-Sul de BH.
No Centro da capital, a gerente de vendas da Esquina das Festas, Maria Aparecida Corrêa, trabalha com decoração tanto para eventos como a Copa quanto para festas juninas. “Geralmente, nosso público é mais para decoração só de casa mesmo, não é de rua. Mesmo assim, orientamos para não amarrar em poste, próximo de fios, não usar arame nem nada de metal”, detalhou ela, que também mostrou materiais mais seguros para decoração, como os feitos de tecido TNT e papel de seda.
Cuidado para a festa não acabar em curto
Festa junina e Copa do Mundo também são sinônimos de serviço a mais para equipes da Cemig. O engenheiro de segurança do trabalho da empresa Demetrio Aguiar diz que a probabilidade de quedas de energia e acidentes nesse período é grande, porque, além da soltura de fogos de artifício, que podem atingir a rede, pessoas com frequência prendem enfeites nos postes ou os deixam muito perto da fiação. “Na Copa do Mundo passada, presenciei situações extremamente perigosas. Entre dois prédios altos da Avenida Augusto de Lima, por exemplo, foi estendido um cabo em que foi colocada uma bandeira enorme. Os dois lados da via têm rede elétrica e, se o cabo arrebentasse, poderia cair sobre os fios. Correram muito risco de acidente ali”, comentou.
Aguiar explica que bandeirinhas e outros tipo de decoração devem ser instalados a, no mínimo, um metro e meio abaixo da fiação elétrica e jamais amarrados em postes. Podem ser fixados em árvores, fachadas das casas ou em hastes não metálicas fixadas ao chão. Materiais seguros são os não condutores de energia, como papel, tecido, plástico, barbante ou linhas de náilon. “Qualquer material metalizado em contato com a rede provoca curto-circuito. Até balões de gás, quando se soltam e tocam fios de alta e média tensão, podem provocar curto. E não se deve atirar nada sobre os cabos de energia, nem serpentina, mesmo de papel”, Demétrio.
O engenheiro também lembra que fogueiras das festas juninas nunca devem ser acesas debaixo da rede elétrica, pois o fogo pode provocar curto-circuito, deixar imóveis sem energia, além de gerar rompimento dos cabos. Ele condena ainda ligações clandestinas para usar equipamentos na rua, como freezers, e diz que também não se pode tentar ligá-los nas tomadas de casa usando uma extensão. “Quem for fazer instalação provisória tem que pedir previamente para a Cemig, duas semanas antes, para fazer teste de carga e ver se vai suportar”, diz. Dentro de casa, ele recomenda o uso do filtro de linha para ligar mais de um eletrodoméstico, pois os adaptadores (popularmente conhecidos como tês) podem gerar curto-circuito e choques elétricos.
Quem for instalar uma antena externa para assistir aos jogos da Copa do Mundo com melhor qualidade de imagem também deve ficar atento. O equipamento deve ficar longe da rede elétrica, em altura bem inferior à dos cabos. “No caso de edificações coletivas, como prédios, a antena tem que ficar dentro do cone de segurança (área de proteção) do pára-raios”, explica Demetrio Aguiar. “Quanto mais alto o para-raios, maior a área que ele protege. Se colocar a antena do lado dele e ficar fora desse cone, ela vai se transformar em para-raios e levar a tensão para dentro da casa, queimando tudo e gerando acidentes.”
Festa segura
Confira como lidar com foguetes ou rojões prevenindo acidentes
Fogos com base
» Cuide para que a base esteja estável. Se necessário, um tijolo pode ser usado para apoiá-la
» Encaixe apenas um foguete de cada vez
» Dê preferência ao uso de uma haste com material inflamável na extremidade (um cabo de vassoura com um tecido na ponta, por exemplo) para acender o pavio a distância
» Depois de acender o artefato, afaste-se por cinco ou 10 metros
Fogos sem base
» Segure o foguete pelo cabo (parte mais fina). Encaixe três ou quatro artefatos uns nos outros, com os pavios em posições alternadas
» O foguete a ser aceso é sempre o do topo, o mais distante de quem vai fazer o disparo
» Retire o lacre apenas do pavio que será aceso
» Para acender (foto), peça ajuda a uma segunda pessoa (adulta), usando uma haste com a extremidade em chamas
» Segurando com o braço esticado, aponte a sequência de foguetes para o alto, longe de pessoas, imóveis, árvores e da rede elétrica
» Desencaixe o foguete estourado, reencaixe entre os outros que ainda não foram detonados e repita o processo
Em todos os casos
» Antes de usar um produto, leia cuidadosamente as instruções impressas nas embalagens
» Não use fogos após consumir bebida alcoólica
» Escolha um local aberto, longe de imóveis e da rede elétrica
» Se o foguete não estourar, aguarde no mínimo 30 minutos para removê-lo. Não tente acendê-lo novamente