Greve, falta de insumos e horas de espera por atendimento. A crise na saúde se alastra por unidades públicas e filantrópicas de Belo Horizonte, submetendo usuários e profissionais a uma rotina de sofrimento, estresse e escassez, que atinge com sobrecarga até serviços que não sofrem com problemas imediatos. Com médicos do Hospital João XXIII, na Região Centro-Sul da capital, de braços cruzados e problemas em outros, como o Júlia Kubitschek, a demanda desemboca em unidades de Pronto-Atendimento (UPAs) da capital, que submetem pacientes a espera de até 12 horas. A penúria se repete em instituições que dependem de recursos do SUS, como o Hospital Sofia Feldman, onde faltam até materiais básicos, como toucas e luvas de procedimentos. Na ponta do atendimento, profissionais até se esforçam para manter a atenção a quem depende do setor, mas não dão conta de superar tantas dificuldades.
Enquanto dura o movimento, pacientes que não se enquadram no protocolo de triagem são encaminhados a outras unidades da rede pública. “A adesão é de todos os médicos, mas o atendimento é de 100% para todas as urgências e emergências. Os casos mais simples são encaminhados para as UPAS e isso sobrecarrega as unidades. Infelizmente, qualquer movimento de greve prejudica a população”, reconheceu Fernando Mendonça.
É o que percebem na pele cidadãos como Maria José da Silva Souza, de 59 anos, que foi surpreendida ao buscar atendimento no João XXIII. Com os pés inchados, ela precisou tentar socorro em outro local: “Estou com os braços e pernas doendo. Passei em uma UPA e me informaram que estava muito cheio e que não seria atendida. Então, vim pra cá. Agora, já me encaminharam para outra UPA, a Centro-Sul. Vou ter que andar ainda mais, mesmo com muita dor”, queixou-se. Ela concorda com a causa da greve, mas lamenta que os pacientes paguem por ela. O aposentado João Evangelista Marcelo, de 68, foi outro que saiu do HPS sem atendimento. “Tenho problema no joelho e não consigo nem andar. Vim para tirar radiografia, mas fui pego de surpresa”, disse ele, que foi encaminhado para a UPA Leste.
O resultado desses encaminhamentos aparece nas filas de espera das UPAs. Na unidade do Centro da capital, a espera chegou a quase 12 horas na segunda-feira. No guichê, uma funcionária, ao ser perguntada sobre previsão de tempo para consulta de um dos pacientes que já aguardavam, admitiu que seria de cerca de nove horas, embora afirmasse que o quadro de médicos estava completo. Uma das pessoas que buscaram socorro, a doméstica C.C.S., de 40, deu entrada às 11h33 e só foi liberada às 22h31.
FALTA DE INSUMOS No Hospital Júlia Kubitschek, no Barreiro, a crise quase levou à completa suspensão do atendimento. Depois de enfrentar falta de insumos essenciais para o trabalho, como luvas de procedimento e fitas de esterilização, e cogitar o fechamento da instituição, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) transferiu equipamentos de outras unidades. “A Fhemig tirou de outros hospitais para garantir o funcionamento. Mas o principal, que é a compra dos insumos, não está ocorrendo. Os fornecedores não querem vender, por não estar recebendo desde o ano passado”, afirmou Fernando Mendonça, sustentando que a causa do problema não foi atacada.
Apesar de os insumos terem chegado na sexta-feira, pacientes dizem que a demora para atendimento prossegue. Adomos Pablo, de 33, levou o filho de 14 ao hospital depois que o adolescente apresentou sangue na urina e dor abdominal. “Foram mais de quatro horas aguardando. Mas o rapaz da recepção disse que isso aconteceria, justamente pela falta de insumos. É um descaso”, reclamou. Rodrigo Antônio Vieira, de 34, que saiu de Nova Lima, na Grande BH, para levar a enteada ao hospital, também não estava satisfeito. Depois de uma peregrinação entre a unidade e a UPA da região, já eram seis horas à espera de atendimento. “Ela tem bronquite. Eu já estava na UPA do Barreiro e vim para cá. Foram, pelo menos, três horas em cada lugar”, lamentou.
Em busca de saídas
Os problemas na Rede SUS de Belo Horizonte se estendem a hospitais filantrópicos, como comprova quem depende do Sofia Feldman, no Bairro Tupi, Região Norte de BH. Tuiane Alexandre, de 22 anos, deu à luz no dia 1º na maternidade, que é referência em partos de risco. “Estevão nasceu com 28 semanas e está internado na UTI. Apesar de ser muito bem atendida, aqui falta muita coisa. Nós vamos tirar leite e não temos luvas, não temos touca, não temos a máscara. Um dia tem, outro não”, contou ela.
Na semana passada, o prefeito de Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PHS), se reuniu com representantes do Conselho Municipal de Saúde, com a diretoria do hospital e com movimentos sociais para discutir a situação financeira do hospital. O secretário municipal da área, Jackson Machado Pinto, participou do encontro, que estabeleceu planos para enfrentar o risco de interrupção dos serviços. Foi decidido que um novo plano operativo anual será assinado, em 30 dias, para destinar recursos adicionais ao hospital. Dessa forma, o déficit mensal, que hoje é de R$ 1,5 milhão, diminuiria.
Segundo o diretor administrativo da unidade, Ivo de Oliveira, o salário do mês e o 13º dos funcionários com nível universitário está atrasado. Sobre os estoques, afirma que são repostos a cada semana. “Estamos com dificuldades, mas não está faltando. Pode ser que de manhã não tenha, mas, à tarde, chega. A reunião com o Kalil, na semana passada foi um passo importante. Agora, é dar continuidade ao diálogo”, afirmou.
SOBRECARGA A Prefeitura de BH reconhece que as unidades de Pronto-Atendimento da capital estão sobrecarregadas, e atribuiu a demora no atendimento nas unidades à crise em hospitais conveniados. “A greve no João XXIII se reflete no atendimento da UPA Centro-Sul, pois pacientes graves que seriam atendidos no hospital buscam socorro na UPA, o que demanda maior tempo de assistência e consequente atraso para atender à demanda”, informou, em nota, a Secretaria Municipal de Saúde.
Segundo a pasta, na segunda-feira o número de atendimentos quase dobrou em relação ao dia anterior, saindo de 110 no domingo para 209 no dia seguinte. Destes, 180 foram classificados como não urgentes e 27 como “casos urgentes, mas não com necessidade de atendimento imediato”. A Saúde municipal informou que a equipe da unidade esteve completa durante todo o dia, e acrescentou que todos os que procuram as UPAs são atendidos, mesmo que com demora, de acordo com a gravidade de cada caso.
Em relação à rede estadual, a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig) informa que, no Hospital João XXIII, o atendimento tem sido restrito à urgência e emergência, de acordo com a triagem feita pelos médicos, com encaminhamento dos demais casos. Já no Júlia Kubitschek, segundo a Fhemig o atendimento já foi normalizado. “Foram efetuados pagamentos a fornecedores, que voltaram a fazer a entrega de materiais. O abastecimento de insumos também está regularizado. Nenhum usuário ficou desassistido, o atendimento ficou apenas mais lento no início da semana passada.” A entidade sustenta ainda que não há risco de interrupção das atividades ou suspensão dos atendimentos e que a direção está providenciando a liberação de recursos junto às secretarias de estado da Fazenda e da Saúde para garantir a assistência aos usuários do SUS.
O mal de cada um
Hospital de Pronto-Socorro João XXIII
» Problemas de manutenção em elevadores e ar-condicionado
de ambulatórios, centro cirúrgico e UTI, assim como nos banheiros
» Atraso no pagamento de fornecedores, que
acarreta falta de medicamentos e insumos
» Dos dois tomógrafos necessários, apenas um está em operação
Hospital Júlia Kubitschek
» Demora no conserto de equipamentos, como o colonoscópio,
aumenta tempo de permanência para diagnóstico
» Escalas médicas incompletas (clínica médica,
anestesiologia e ginecologia/obstetrícia)
» Necessidade de aquisição de monitores multiparâmetros para todas as alas
Hospital Sofia Feldman
» Atraso nos salários do pessoal de nível superior
» Insuficiência de repasses financeiros para o hospital
» Falta ou atraso na compra de medicamentos e insumos
* Fonte: Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG)