O choro, o desespero, a ansiedade. Num Mundial de Futebol, a bola rola e o torcedor sofre até o tão esperado gol. E, ali, o sufoco se transforma em alegria. Depois de um empate e uma vitória contra a Costa Rica na sexta-feira, a Seleção pentacampeã segue respirando na Rússia. Haja coração, para os apaixonados por essa categoria do esporte. Mas, se a bola fosse um estetoscópio, certamente detectaria que coração e órgãos do Brasil, vitais para a sobrevivência desse corpo, vão mal. Muito mal. O sufoco tem virado, com frequência, dor.
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Brasil cai para as últimas posições nos campos da saúde e educação''O risco de colapso está afastado'', diz secretário municipal de Saúde sobre repasse de R$ 60 miGreve no HPS, falta de insumos e UPAs lotadas retratam quadro caótico da saúde em BHDireção da Santa Casa de Bom Despacho supera crise da saúde com parcerias no Centro-Oeste de MGEntre 32 países na Copa, taxa de homicídios do Brasil só não é pior que a da ColômbiaPara o especialista em Ciência e Tecnologia da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e professor titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francisco Campos, o Brasil não é o melhor nem o pior país do mundo: em termos de saúde está bem no meio.
Ele lembra que ocorreu aí um paradoxo: os sanitaristas, como ele, defendiam e conseguiram que os recursos para a saúde proviessem do orçamento geral dos entes federados, o que representou avanço político, mas expressiva perda financeira. “Sem recursos compatíveis com as expectativas de consumo de saúde por parte de uma população cada dia mais bem informada, ocorre esse descompasso. Os problemas assinalados pela imprensa no dia a dia são de fato vergonhosos e inadmissíveis, civilizatoriamente falando. As filas, a internação em macas espalhadas por corredores e a falta de vacina, por exemplo, são completamente inaceitáveis. Há parte do SUS que funciona bem, mas não é noticiado porque não faz ‘mais que a obrigação’”, diz.
Para mudar o jogo, é preciso investir mais e melhor em saúde, ressalta o professor. Segundo ele, os investimentos sociais no Brasil – não apenas na saúde – são pífios, mesmo comparados aos de países de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) similar.
VULNERABILIDADE Assim como na educação, os mais vulneráveis ficam de lado, deixando a situação ainda mais crítica. “Gastamos cinco vezes menos que a Inglaterra: seria um 5x1 para eles. Caso o Brasil tivesse optado na Constituição por políticas focais, como, por exemplo, cestas de serviços básicos para os mais vulneráveis, os recursos poderiam ser suficientes. Entretanto, ao se optar pela declaração de que saúde é um direito de todos e dever do Estado, colocou-se um leque de possibilidades que vão desde a vigilância sanitária, as imunizações e a assistência hospitalar até medicamentos de altíssimo custo”, afirma o especialista da Fiocruz. “Isso faz com que os recursos sejam insuficientes, até mesmo porque se judicializa o pagamento de tratamentos caríssimos e sem eficácia comprovada. Há tratamentos que custam centenas de milhares de reais mensais que a Justiça obriga a pagar, e este dinheiro vem do mesmo fundo e disputa com vacinas e medicamentos para hipertensão e diabetes. Como o país avançou na pauta de direitos sociais é impossível voltar atrás e renunciar aos ditames da universalidade simultânea com equidade.”
Francisco Campos destaca que o Brasil fez enorme progresso conceitual ao estabelecer o maior sistema universal e tem avanços inequívocos, por exemplo, ao ser o líder mundial em transplantes de órgãos financiados publicamente, e ao ter um programa nacional de imunizações que até cinco anos atrás era invejado até mesmo por países desenvolvidos. “No entanto, esse leque de ações tem custo e esbarra no subfinanciamento. Evidentemente, por nossa renda per capita não podemos gastar o que os Estados Unidos gastam, e nem mesmo o que sistemas universais como os da Europa aplicam”, diz.
Esquema tático exige atenção básica
Nem das questões básicas, que muitos julgam estarem isoladas em determinados rincões, o país escapa. A gravidez na adolescência põe o país na 25ª colocação. Outro exemplo é a mortalidade infantil, um desafio ainda gritante. A cada 1 mil nascidos vivos, 16,4 crianças não sobrevivem, deixando o Brasil na 24ª posição e entre os seis piores índices no grupo dos 32. Na disputa pela lanterna, a seleção canarinho perderia apenas para países da África – Nigéria (108,8), Senegal (47,2) e Marrocos (27,6) – e, do lado americano, para Panamá (17) e Peru (16,9).
Na opinião do professor Francisco Campos, se o Brasil tivesse políticas mais equânimes e investisse em atenção básica poderia ter baixado a mortalidade infantil para patamar inferior a 10%, como fizeram os hermanos argentinos e uruguaios. “Nesta disputa, eles estariam nos vencendo por 2 a 1. A Costa Rica, por exemplo, ganha de nós o jogo na saúde: não é um país de Primeiro Mundo, mas tem conseguido resultados sanitários bons, com políticas mais equânimes e tradição pacifista”, afirma.
“A mortalidade infantil na zona sul de Belo Horizonte, excetuado o Aglomerado da Serra, é similar à dos países europeus na Copa. Podemos imaginar então que Carmo-Sion x Portugal resultaria em um empate. Se não houver política de saneamento, se não houver manutenção das imunizações, pré-natal adequado, seguiremos perdendo.