Jornal Estado de Minas

Brasil ainda tem altas taxas de mortalidade infantil


O choro, o desespero, a ansiedade. Num Mundial de Futebol, a bola rola e o torcedor sofre até o tão esperado gol. E, ali, o sufoco se transforma em alegria. Depois de um empate e uma vitória contra a Costa Rica na sexta-feira, a Seleção pentacampeã segue respirando na Rússia. Haja coração, para os apaixonados por essa categoria do esporte. Mas, se a bola fosse um estetoscópio, certamente detectaria que coração e órgãos do Brasil, vitais para a sobrevivência desse corpo, vão mal. Muito mal. O sufoco tem virado, com frequência, dor.

Dor de perder um ente querido na fila do hospital, pelo remédio que não chega ao posto de saúde, pelo exame ou consulta jamais marcados. Chagas profundas numa sociedade marcada ainda pela realidade da mortalidade infantil e de crianças nascidas de mães apenas adolescentes. Numa hipotética Copa da Saúde, o país perderia, e de goleada, para muitos dos 32 países participantes.

O problema começa na raiz: investimentos. As Estatísticas Mundiais da Saúde, relatório de 2017 da Organização Mundial de Saúde (OMS), mostra que os gastos do Brasil nessa área representam apenas 6,8% do total de despesas do país, atrás apenas de Egito (5,6%) e Marrocos (6%). Ou seja, no ranking dessa Copa, o Brasil é o 30º colocado. No grupo do Brasil, a Costa Rica se classificaria em primeiro lugar para as oitavas de final, com 23,3% de seu orçamento dedicado à saúde, seguida pela Suíça (22,7%). A Sérvia ficaria em terceiro (13,9%) e a seleção canarinho amargaria a última posição, sem marcar nenhum gol.

Para o especialista em Ciência e Tecnologia da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e professor titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francisco Campos, o Brasil não é o melhor nem o pior país do mundo: em termos de saúde está bem no meio.
Ele alerta que não se pode tomar os indicadores como uma fotografia, sendo melhor ver suas tendências e movimentos. “Similarmente, médias nacionais não refletem as diversidades, mas a saúde aqui está aquém do desejado. Isso é fruto de um desinvestimento crônico, que ocorreu a partir da retirada dos recursos previdenciários que abasteciam a saúde até a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)”, conta.

Ele lembra que ocorreu aí um paradoxo: os sanitaristas, como ele, defendiam e conseguiram que os recursos para a saúde proviessem do orçamento geral dos entes federados, o que representou avanço político, mas expressiva perda financeira. “Sem recursos compatíveis com as expectativas de consumo de saúde por parte de uma população cada dia mais bem informada, ocorre esse descompasso. Os problemas assinalados pela imprensa no dia a dia são de fato vergonhosos e inadmissíveis, civilizatoriamente falando. As filas, a internação em macas espalhadas por corredores e a falta de vacina, por exemplo, são completamente inaceitáveis. Há parte do SUS que funciona bem, mas não é noticiado porque não faz ‘mais que a obrigação’”, diz.

Para mudar o jogo, é preciso investir mais e melhor em saúde, ressalta o professor. Segundo ele, os investimentos sociais no Brasil – não apenas na saúde – são pífios, mesmo comparados aos de países de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) similar.
Esse,  aliás, outro indicador em que o país perde de goleada, estando em 25º lugar e tomando um banho de seus adversários de chave: a Suíça é a segunda colocada, a Sérvia a 21ª e a Costa Rica a 22ª. E a goleada é grande, com placares bem largos, ao estilo do 7 a 1 sofrido na semifinal contra a Alemanha, atual campeã do mundo, na Copa de 2014, em pleno Estádio do Mineirão, em Belo Horizonte.

VULNERABILIDADE Assim como na educação, os mais vulneráveis ficam de lado, deixando a situação ainda mais crítica. “Gastamos cinco vezes menos que a Inglaterra: seria um 5x1 para eles. Caso o Brasil tivesse optado na Constituição por políticas focais, como, por exemplo, cestas de serviços básicos para os mais vulneráveis, os recursos poderiam ser suficientes. Entretanto, ao se optar pela declaração de que saúde é um direito de todos e dever do Estado, colocou-se um leque de possibilidades que vão desde a vigilância sanitária, as imunizações e a assistência hospitalar até medicamentos de altíssimo custo”, afirma o especialista da Fiocruz. “Isso faz com que os recursos sejam insuficientes, até mesmo porque se judicializa o pagamento de tratamentos caríssimos e sem eficácia comprovada. Há tratamentos que custam centenas de milhares de reais mensais que a Justiça obriga a pagar, e este dinheiro vem do mesmo fundo e disputa com vacinas e medicamentos para hipertensão e diabetes. Como o país avançou na pauta de direitos sociais é impossível voltar atrás e renunciar aos ditames da universalidade simultânea com equidade.”

Francisco Campos destaca que o Brasil fez enorme progresso conceitual ao estabelecer o maior sistema universal e tem avanços inequívocos, por exemplo, ao ser o líder mundial em transplantes de órgãos financiados publicamente, e ao ter um programa nacional de imunizações que até cinco anos atrás era invejado até mesmo por países desenvolvidos. “No entanto, esse leque de ações tem custo e esbarra no subfinanciamento. Evidentemente, por nossa renda per capita não podemos gastar o que os Estados Unidos gastam, e nem mesmo o que sistemas universais como os da Europa aplicam”, diz.
Assim, destaca, neste jogo de financiamento para a saúde, países como Inglaterra, Portugal e Espanha venceriam o Brasil por 5 a 1. “Gastar menos de US$ 1 mil por habitante por ano é infactível para um sistema que cobre da vacina ao transplante de órgãos.”

Esquema tático exige atenção básica


Nem das questões básicas, que muitos julgam estarem isoladas em determinados rincões, o país escapa. A gravidez na adolescência põe o país na 25ª colocação. Outro exemplo é a mortalidade infantil, um desafio ainda gritante. A cada 1 mil nascidos vivos, 16,4 crianças não sobrevivem, deixando o Brasil na 24ª posição e entre os seis piores índices no grupo dos 32. Na disputa pela lanterna, a seleção canarinho perderia apenas para países da África – Nigéria (108,8), Senegal (47,2) e Marrocos (27,6) – e, do lado americano, para Panamá (17) e Peru (16,9).

Na opinião do professor Francisco Campos, se o Brasil tivesse políticas mais equânimes e investisse em atenção básica poderia ter baixado a mortalidade infantil para patamar inferior a 10%, como fizeram os hermanos argentinos e uruguaios. “Nesta disputa, eles estariam nos vencendo por 2 a 1. A Costa Rica, por exemplo, ganha de nós o jogo na saúde: não é um país de Primeiro Mundo, mas tem conseguido resultados sanitários bons, com políticas mais equânimes e tradição pacifista”, afirma.

“A mortalidade infantil na zona sul de Belo Horizonte, excetuado o Aglomerado da Serra, é similar à dos países europeus na Copa. Podemos imaginar então que Carmo-Sion x Portugal resultaria em um empate. Se não houver política de saneamento, se não houver manutenção das imunizações, pré-natal adequado, seguiremos perdendo.
E está provado que investir em atenção básica é o caminho mais certo. Diversas publicações internacionais provam que nos locais onde a saúde da família funciona os indicadores são melhores. Evidências de países que investiram em atenção básica e obtiveram melhores resultados são claras e disponíveis. O desfinanciamento crônico, entretanto, coloca em xeque até mesmo essa política.”.