Jornal Estado de Minas

Entre 32 países na Copa, taxa de homicídios do Brasil só não é pior que a da Colômbia


Quarta-feira a Seleção Brasileira entra em campo em Moscou contra a Sérvia, precisando de apenas um empate para garantir a classificação. Em caso de vitória, pode ir para as oitavas de final como cabeça de chave, o esperado para o segundo melhor do mundo, de acordo com a Federação Internacional de Futebol (Fifa). Mas, enquanto a bola rolar no gramado da Rússia, vidas estarão sendo perdidas no Brasil pelo gatilho de armas e por acidentes nas estradas. É o paradoxo diário vivido pelo país do futebol. No ranking do esporte, está no topo. Numa hipotética Copa da Saúde, no quesito violência, perde inúmeras posições e figura como campeão às avessas: um dos mais perigosos do mundo, com índices bem superiores aos de países em guerra declarada.





O Estado de Minas começou a mostrar ontem a performance da seleção canarinho numa Copa da Educação e da Saúde. Os números das Estatísticas Mundiais de Saúde de 2017, publicação da Organização Mundial de Saúde (OMS), não deixam dúvidas. Nessa Copa em que a violência tem o mando do jogo, o Brasil seria o penúltimo colocado, com derrotas a cada partida. São 30,5 homicídios para cada 100 mil habitantes (dados de 2015). Só não seria o lanterna por causa da Colômbia, que sofre gols ainda mais numerosos: 48,8 assassinatos para cada grupo de 100 mil. O Japão levantaria a taça, com uma taxa de 0,3.


Olhando apenas o grupo do Brasil, o placar da goleada seria ainda mais largo. A Suíça se classificaria logo na estreia da Copa e garantiria o vice-campeonato, com um índice de 0,6 morte. A Sérvia, que nos anos 1990 liderou a guerra durante os atos separatistas dos países que formavam a então Iugoslávia, deixou as mortes no passado e também teria vaga garantida nas fases subsequentes do Mundial, com uma taxa de 1,7. Costa Rica também daria trabalho, como deu na última partida contra o Brasil, na sexta-feira passada. O país da América Central registra 9,2 homicídios para cada 100 mil habitantes.


Ampliando um pouco mais o espectro, o cenário é ainda mais desolador. O Brasil é o 9º mais violento do mundo, num grupo concentrado nas Américas do Sul e Central. À sua frente estão Trinidade e Tobago (32,8), Jamaica (35,2), Guatemala (36,2), Belize (37,2), Colômbia, Venezuela (51,7), El Salvador (63,2) e Honduras (85,7). No Oriente Médio, epicentro de países em guerra civil declarada ou em conflitos constantes, os índices são infinitamente menores – caso da Síria e Líbia (2,5), Afeganistão (7) e Iraque (12,7), o mais violento dessa região.





“Melhoras não ocorrerão em uma situação onde a desigualdade não seja enfrentada, e onde a guerra do tráfico não cobre tantas vítimas – apenas para mencionar duas chagas que são a inaceitável mortalidade infantil e o genocídio, representado pelas mortes causadas pelo narcotráfico”, afirma o especialista em Ciência e Tecnologia da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) e professor titular aposentado da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Francisco Campos. Na mortalidade infantil, o país também perde de goleada: a cada 1 mil nascidos vivos, 16,4 crianças não sobrevivem, deixando o país em 24ª posição e entre os seis piores índices no grupo dos 32 participantes da Copa do Mundo.


Os acidentes em estradas mostram outro aspecto da violência. O Brasil fica em 27º colocado no ranking, com 23,4 acidentes por cada 100 mil habitantes. Perde apenas para Arábia Saudita (27,4), Senegal (27,2) e Tunísia (24,4). Em seu grupo na Copa, toma de lavada da Suíça (3,3), da Sérvia (7,7) e da Costa Rica (13,3).


Na opinião do professor de engenharia de Transporte e Trânsito da Universidade Fumec, Márcio Aguiar, o problema vai persistir enquanto a política de transporte permanecer sendo partidária. “Falta muito investimento. São estradas precisando de melhoras, de duplicação. O estado de São Paulo está indo muito bem depois que promoveu a concessão. Essa é uma saída para atrair investimentos. Se o governo não dá conta, a iniciativa privada assume”, afirma. Outro ponto, segundo ele, é retomar as ferrovias, retirando das estradas um volume enorme de veículos. “Tivemos uma paralisação de caminhoneiros e o Brasil parou, porque tudo é escoado pelas rodovias, que nem são tão boas assim para esse fim”, adverte.


O professor alerta ainda para a necessidade de intensificar a fiscalização para coibir a imprudência de motoristas, grande causadora de acidentes. “Criam a Lei Seca, mas não dão continuidade nas blitze. Logo, para o motorista, é como se não existisse. A educação passa pela fiscalização intensa em tudo. Só assim teremos uma redução”, ressalta. “A princípio, parecem medidas simples, mas, elas exigem grandes decisões políticas.”