Jornal Estado de Minas

EM flagra vans e carros no transporte clandestino de passageiros em vários pontos de BH

Preço das passagens das vans irregulares é, em geral, maior que o da tarifa de ônibus da capital mineira - Foto: Paulo Filgueiras/Em/DA Press
Eram quase 8h, em pleno horário de pico da manhã, quando um veículo em alta velocidade invadiu a contramão da Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O motorista tentava escapar de uma fiscalização da Guarda Municipal contra o transporte clandestino de passageiros e, por pouco, pedestres não foram atropelados em um dos pontos mais movimentados da cidade. O homem acabou preso e encaminhado para a delegacia. O caso, que ocorreu em 8 de junho, liga o alerta para uma situação que deixa de ser silenciosa e indica o recrudescimento da ação dos perueiros na capital mineira, que têm embarcado e desembarcado pessoas livremente na cidade.

O Estado de Minas flagrou várias vans e até carros particulares em diferentes pontos de BH, com destaque para o quadrado formado pelas ruas Carijós, Rio Grande do Sul, Tupinambás e Avenida Olegário Maciel, em pleno Hipercentro. Cinco veículos flagrados pelo EM tinha recebido 139 infrações por transporte clandestino, segundo o Departamento Estadual de Trânsito de Minas Gerais (Detran/MG). Os condutores não se importam em aguardar a chegada de passageiros nos próprios pontos do transporte coletivo, enquanto auxiliares gritam os destinos, que variam entre locais dentro de BH e também na região metropolitana, com destaque para bairros de Ribeirão das Neves.

O retorno dos perueiros para as ruas de Belo Horizonte também fica evidenciado nas fiscalizações. O Batalhão de Trânsito da Polícia Militar (BPTran) registrou aumento de 14% nas infrações entre 2016 e 2017 e aplica, em média, seis multas por dia aos transportadores clandestinos (veja quadro). Somente nos primeiros quatro meses deste ano, a Guarda Municipal já emitiu 354 autuações, o que representa 60,8% do total de todas as ocorrências registradas pela corporação em 2017.
Já o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER/MG) multou nos três primeiros meses do ano um transportador clandestino por dia, em média. Além disso, 64 veículos foram apreendidos pelo órgão.

Num dos flagrantes presenciados pelo EM, uma van encostou no ponto de ônibus das linhas 6260, 6290 e 6340, todas metropolitanas para bairros de Ribeirão das Neves, na esquina da Avenida Olegário Maciel com a Rua dos Carijós, por volta das 9h30. O motorista permaneceu na direção, mas um homem saiu de dentro do veículo e começou a anunciar o destino: “Veneza, Veneza”, disse ele, em alusão ao Bairro Veneza, em Ribeirão das Neves, às margens da BR-040. Depois de algum tempo, uma mulher se aproximou e perguntou por um ônibus específico. Ela ouve do operador da van que o coletivo tinha saído havia cinco minutos, o que a fez entrar no veículo clandestino. “Vai demorar demais o próximo”, disse ela antes de embarcar. Bem perto dali, a reportagem flagrou o desembarque de cerca de 10 pessoas na Avenida do Contorno, antes da esquina com a Rua dos Carijós.
Outros flagrantes foram feitos nas ruas dos Carijós e Rio Grande do Sul, onde várias vans ficam estacionadas, muitas delas com motoristas na direção e auxiliares buscando passageiros nos pontos de ônibus, cuja grande maioria tem como destino a região metropolitana.

Perueiro embarca um grupo de passageiros na Rua Carijós, próximo da Rio Grande do Sul, no Hipercentro - Foto: Jair Amaral/EM/DA Press

INSISTÊNCIA Mas o problema não se resume apenas ao Hipercentro. Um carro de passeio foi visto pelo EM abordando passageiros no ponto de ônibus da Avenida Getúlio Vargas, quase na esquina com a Avenida Afonso Pena, no Bairro Funcionários, Centro-Sul de BH. O motorista perguntava se alguém iria ao Centro e insistia bastante por algum passageiro. Durante o período de observação dos perueiros para a publicação desta reportagem, clandestinos também foram vistos na Afonso Pena, ainda no Funcionários, e nas ruas Curitiba (Centro) e Padre Eustáquio (bairro de mesmo nome, na Região Noroeste). Em todas as opções, eles cobravam mais caro que as passagens dos ônibus. As abordagens eram incisivas, abrindo o vidro e insistindo para que o passageiro entrasse no carro. E não abordavam apenas nos horários de pico. No caso da Afonso Pena, a intenção era angariar passageiros rumo ao Centro de BH.
Na Rua Curitiba, o foco eram bairros da Região da Pampulha, enquanto os clandestinos procuravam passageiros rumo a bairros de Contagem na Rua Padre Eustáquio.

LEGISLAÇÃO A proibição de transporte irregular está prevista no artigo 231, inciso VIII, do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Os condutores abordados são punidos por “transitar efetuando transporte remunerado de pessoas quando não licenciado para esse fim.“O ato é considerado uma infração média. O motorista é punido com quatro pontos na Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e ainda tem que pagar multa de R$ 130,16. Além disso, o veículo fica retido. Ações para coibir o transporte irregular ocorrem todos os dias por meio da Unidade Integrada de Trânsito, que é composta pela BHTrans, Guarda Municipal, Polícia Militar e o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DEER/MG). Segundo a Guarda Municipal informou por nota, “a prefeitura atua intensamente nos principais corredores do Bairro Serra e da Região Hospitalar, além das ruas Tupinambás e Rio Grande do Sul e avenidas Tereza Cristina e Contorno, onde as autuações ocorrem com mais frequência”.

Números das multas por transporte clandestino em Belo Horizonte (clique para ampliar) - Foto: Arte EM

RISCO PARA OS PASSAGEIROS 
A Guarda Municipal alerta os passageiros que ainda procuram esse tipo de serviço sobre os riscos de pegar os veículos. “Ficam submetidas ao risco de serem transportadas em veículos em mau estado de conservação, guiados por condutores desconhecidos (que podem até ser inabilitados), que desrespeitam as leis de trânsito e que, ao se deparar com a fiscalização, costumam empreender fuga, gerando grande risco de acidentes, inclusive para os demais usuários das vias”, disse. O BPTran corrobora a posição da Guarda Municipal e acrescenta que a explicação para o recrudescimento dos perueiros passa pela persistência de uma parte da população que usa serviços irregulares, abrindo mão da segurança. Ainda segundo o BPTran, os locais apontados pela reportagem são alvo de autuações frequentes e as ações foram intensificadas nesses lugares por meio de ações conjuntas.

O BPTran informou que ainda não tem um levantamento fechado sobre o quantitativo de multas por transporte clandestino em 2018. Como está impedida de multar desde 2009, a BHTrans informou que apoia as forças de segurança nesse trabalho.
O DEER/MG informou que aborda todos os tipos de veículos suspeitos de fazer transporte clandestino, como carros, vans, ônibus, micro-ônibus, táxis e carros particulares. O órgão informa ainda que se reúne mensalmente com a PM, BHTrans e Guarda Municipal para definir as estratégias a serem adotadas no entorno da rodoviária de BH e também no Hipercentro da cidade.

- Foto: Sidney Lopes/EM/DA Press - 19/7/01

Batalha no Centro




Em julho de 2001, na gestão do então prefeito Célio de Castro (1932-2008), um protesto de perueiros que pleiteavam a regulamentação do transporte clandestino em BH terminou em confronto com a polícia, presos e feridos. A Praça Sete (foto) se transformou em zona de guerra. Manifestantes fecharam os acessos à Afonso Pena. Fizeram barricadas, puseram fogo em pneus e até em botijões de gás. A polícia respondeu à ação dos perueiros com gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, jatos de água e balas de borracha. As peruas ganharam passageiros e as ruas de BH num período de sucateamento do transporte público, no qual prevaleciam ônibus ruins e horários incertos..