Jornal Estado de Minas

Baixa vacinação em Minas aumenta chances de contágio por sarampo e outras doenças

- Foto: Arte EM

Elas pareciam estar, se não erradicadas, bem controladas. Nomes como sarampo, rubéola, difteria e poliomielite já não faziam mais parte da rotina dos brasileiros. Mas a boa notícia virou do avesso e eles foram esquecidos no pior dos sentidos. Pacientes, certos da ausência do perigo, sumiram das salas de vacinação. Em todas essas doenças, as taxas de imunização estão bem abaixo do desejado – 95% pelo menos. O problema criou uma geração de pessoas suscetíveis a vírus e bactérias que, encontrando a porta aberta e terreno fértil, voltam a dar as caras no país. Em Minas Gerais, mais da metade dos municípios têm risco muito alto ou alto para essas enfermidades. Entre os exemplos estão as cidades da Regional de Saúde Belo Horizonte, onde o combate à poliomielite, eternizado com o personagem Zé Gotinha em todo o Brasil num passado recente, está perdendo a força.

A doença, cujo último caso foi registrado no país há quase 30 anos, tem hoje na Região Metropolitana de BH e mais cinco municípios sua grande porta de entrada em Minas Gerais, pois pouco mais de um terço das crianças menores de 1 ano estão vacinadas.

“Somos vítimas do sucesso de 45 anos do Programa Nacional de Imunização. Conseguimos erradicar a varíola por meio da vacina, eliminar o sarampo e a poliomielite do Brasil. As pessoas não estão vendo as doenças, logo, se não têm contato, têm a falsa sensação de que tudo está correndo bem”, afirma a coordenadora de Imunização da Secretaria de Estado de Saúde (SES), Eva Lídia Arcoverde. Ela destaca que com a cobertura vacinal baixa e heterogênea, ocorrem os chamados bolsões de pessoas não imunizadas e reintrodução de vírus como os da poliomielite e do sarampo. Até o momento, foram confirmados 475 casos de sarampo no país, em oito estados – Minas Gerais não integra a lista. “Se estivessem ocorrendo epidemias em outros países, mas nossa cobertura fosse alta e homogênea, não teríamos a reintrodução de doenças imunopreveníveis, que já haviam sido erradicadas”, sustenta a coordenadora.


A SES está refazendo a classificação de risco para reemergência de doenças que podem ser prevenidas pela vacinação. Dos 853 municípios mineiros, 56% estão na corda bamba. São considerados de risco muito alto 29 deles; outros 448, alto; e o restante, médio, baixo e muito baixo. Uma das regiões que mais preocupa o estado é a Regional de Saúde Belo Horizonte, classificação da SES que engloba 39 cidades da Grande BH e outras cinco da Região Central. Nela, a cobertura vacinal acumulada de 1997 a 2018 é de apenas 36,22%. A estimativa é de 22.391 crianças não vacinadas na Grande BH. “Às vezes, os pais não têm condição de levar a criança para vacinar, pois os postos de saúde funcionam em horário comercial. Outros, são negligentes.
E há também quem não quer se vacinar porque não acredita nessa proteção e aí temos de lidar ainda com as fake news, que ajudam a piorar esse cenário”, diz Eva.

O Brasil tem certificado de erradicação da poliomielite. A doença não é registrada no país desde 1990. As vacinas são aplicadas em três doses, em crianças de 2, 4 e 6 meses de vida. Aos 15 meses e 4 anos, há o reforço, via oral. De acordo com a SES, em Minas, no acumulado de 1997 a 2018, pouco mais da metade das crianças menores de 1 ano tomaram as três doses (65,66%). A estimativa é de 45.806 não vacinados com a terceira dose. A faixa etária de 4 anos é mais crítica: a cobertura vacinal desses pequenos, com as três doses, é de apenas 38,55%. Considerando todas as crianças menores de 4 anos, a cobertura chega a 71,31%, mas a estimativa é de que 354.282 não tomaram a terceira dose.

O último caso autóctone de pólio notificado em Minas data de 1989.
A diretora de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica da Secretaria Municipal de Saúde, Lúcia Paixão, ressalta a necessidade de manter o esquema vacinal para ter proteção e que as crianças são o público de maior risco. O medo do retorno da poliomielite aumentou com a divulgação pela Organização Pan-Americana de Saúde de um caso na Venezuela, que foi descartado em seguida. “Temos que ficar atentos. A Venezuela está vivendo um momento social, econômico e político grave, com uma população enorme entrando no Brasil. A cobertura vacinal deles com certeza está baixa e há casos de difteria e sarampo. Se a nossa população não estiver protegida, é um risco enorme”, afirma. “Temos que manter o alerta. Apesar de descartado o caso suspeito na Venezuela, a pólio ocorre de forma endêmica em alguns países da África, como o Congo, e hoje o Brasil tem um grande trânsito com esse continente.”


URGÊNCIA O sumiço das salas de vacinação está levando ao extremo. No Centro de Saúde Pompeia, no bairro homônimo, na Região Leste de BH, a gerência determinou a caça a quem deveria estar protegido contra a pólio e o sarampo mas ainda não se vacinou. “Vamos atrás de todos os pacientes faltosos abaixo de 5 anos”, conta a gerente Solange Cicarelli.

Ela lembra das campanhas contra a pólio, iniciada nos anos 1980, que usavam o personagem Zé Gotinha como chamariz das crianças.

Antes, as doses da vacina eram via oral. “O Zé Gotinha tinha uma fama linda e atingia todos os meninos. Depois que passou a ser injetável, piorou a busca pela imunização. Além disso, sem casos, as pessoas vão se desligando. E há ainda uma onda de pais que adotam uma linha mais natural e não aceitam a vacina”, revela. Os técnicos em enfermagem Míriam da Silva e Stefenson Manassés contam que, diariamente, enfrentam a resistência de pais que não permitem que os filhos sejam vacinados.

 

 

Perigo à vista


 

Confira a situação da vacinação em Minas Gerais e características da difteria, sarampo e poliomielite

DIFTERIA Doença transmissível aguda. Frequentemente se aloja nas amígdalas, faringe, laringe, nariz e, ocasionalmente, em outras mucosas e na pele. A presença de placas pseudomembranosas branco-acinzentadas, aderentes, que se instalam nas amígdalas e invadem estruturas vizinhas, é a manifestação clínica típica. A transmissão ocorre ao falar, tossir, espirrar, ou por lesões na pele. O período de incubação é de um a seis dias, podendo ser mais longo. Já o período de transmissibilidade dura, em média, até duas semanas depois do  início dos sintomas.

RUBÉOLA Doença aguda, de alta contagiosidade, transmitida pelo vírus do gênero Rubivirus da família Togaviridae. A doença também é conhecida como “sarampo alemão”. No campo das doenças infectocontagiosas, a importância epidemiológica da rubéola está representada pela ocorrência da Síndrome da Rubéola Congênita (SRC), que atinge o feto ou o recém-nascido cujas mães se infectaram durante a gestação. A infecção na gravidez acarreta inúmeras complicações para a mãe, como aborto e natimorto (feto expulso morto) e para os recém-nascidos, como malformações congênitas (surdez, malformações cardíacas, lesões oculares e outras).

SARAMPO 
Doença infecciosa viral e extremamente contagiosa. A transmissão se dá por meio de secreções das vias respiratórias, podendo ser passar diretamente de uma pessoa à outra por secreções expelidas ao tossir, espirrar, falar ou respirar. Os principais sintomas são febre alta, manchas avermelhadas em todo o corpo, congestão nasal, tosse e olhos irritados e pode causar complicações graves como cegueira, encefalite, diarreia intensa, infecções do ouvido e pneumonia, sobretudo em crianças com problemas de nutrição e pacientes imunodeprimidos.

POLIOMIELITE A poliomielite ou “paralisia infantil” é uma doença infectocontagiosa viral aguda, caracterizada por um quadro de paralisia flácida, de início súbito. O déficit motor instala-se subitamente e sua evolução, frequentemente, não ultrapassa três dias. Acomete em geral os membros inferiores, de forma assimétrica, tendo como principal característica a flacidez muscular, com sensibilidade conservada e ausência de reflexos no segmento atingido. A transmissão ocorre por contato direto pessoa a pessoa, pela via fecal-oral (mais frequentemente), por objetos, alimentos e água contaminados com fezes de doentes ou portadores, ou pela via oral-oral, por gotículas de secreçõesao falar, tossir ou espirrar. A falta de saneamento, as más condições habitacionais e a higiene pessoal precária constituem fatores que favorecem a transmissão do poliovírus.

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