Imagine uma fileira de carros largados em estacionamentos de vias públicas se estendendo por 10,8 quilômetros, suficientes para sair da Praça 7, chegar até ao Mineirão e ainda dar uma volta no estádio. É aproximadamente essa a distância que se cobriria se fossem enfileirados todos os veículos encontrados pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em estado de abandono nas vias da capital mineira, ocupando vagas, servindo de abrigo para mosquitos transmissores de doença e para criminosos. Desde 2016, os fiscais da administração pública já encontraram 2.708 veículos nessa situação, sendo que 1.675 acabaram sendo removidos às pressas pelos proprietários que ocupavam irregularmente os espaços públicos. Outros 230 foram retirados e estocados à espera de leilão pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU). Há, ainda, 803 aguardando o trâmite fiscal e uma destinação final. E a caça já começou.
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Samu do Centro-Oeste de Minas ganha habilitação do Ministério da SaúdeTerra volta a tremer em Poços de Caldas no Sul de MinasPrefeitura de Nova Lima assume administração de trecho da MG-30Aumento de moradores de rua fora do Centro muda estratégia da Prefeitura de BHCriminoso esfaqueia rapaz e estupra garota de 17 anos em SabaráE não são apenas os carros listados que se encontram em estado de abandono, ocupando irregularmente as vagas como se fossem extensões de suas propriedades. A reportagem do Estado de Minas encontrou três veículos abandonados na Região Leste. Dois deles, uma Kombi e uma Brasília, largados no cruzamento das ruas Paulo Brandão e Itaí, no Bairro Paraíso, já têm até grama crescendo debaixo de suas carcaças enferrujadas. Os pneus da Brasília estão todos baixos e os traseiros da Kombi completamente furados.
Procurando na vizinhança, descobriu-se que os dois veículos têm donos que simplesmente os deixam deteriorando nos estacionamentos da via pública, servindo de reserva de peças para a sua oficina mecânica. “O dono largou os carros aí e fica removendo peças para usar em outros veículos.
Na Rua Pirapora, outra Kombi, com os pneus traseiros furados, apossou-se de um dos estacionamentos daquele trecho do Bairro Santa Efigênia. O veículo provavelmente foi estacionado pelo dono, pois dispõe de trava para a direção e uma haste de madeira tranca seu compartimento de carga, impedindo que seja aberto com facilidade. Externamente, o veículo já se tornou vítima de vandalismo e de furtos. Seus retrovisores, faróis e outras peças foram levados. Uma corrente precisou ser presa ao compartimento do motor para impedir seu roubo, mas o cadeado foi estourado. A lateral direita da Kombi recebeu, inclusive, adereços de pichações.
Em dois locais em que a PBH considera que os proprietários precisam remover seus veículos, a reportagem do EM encontrou situações curiosas. Numa delas, na Rua Itaí, o veículo em questão não foi encontrado. Um grupo de vizinhos deu a sentença: “Estava aí acumulando lixo dentro, atraindo insetos e empoçando água de chuva para criar dengue. Um dos vizinhos da rua acabou comprando do outro quando a PBH veio e levou aquele cacareco embora”, afirmaram.
No Bairro Santa Teresa, também na Região Leste, um ônibus que está estacionado na Rua Tenente Durval foi notificado pela PBH para que seja removido. O veículo está estacionado bem ao lado do 36º Batalhão da Polícia Militar. Quando o sentinela da unidade policial foi perguntado sobre seu dono, surpreendentemente se voltou para dentro do quartel e exclamou: “Ô Simões, estão querendo saber do seu ônibus”. De dentro do batalhão, então, sai um policial esguio e de fisionomia muito calma, o cabo Rodolfo Hércules de Almeida Simões, de 35. “Já recorri à PBH e a BHTrans veio aqui três vezes para ver a situação. Aquele não é um veículo abandonado.
É resgatar ou perder
O destino dos veículos que são removidos pela Superintendência de Limpeza Urbana (SLU) é a Central de Tratamento de Resíduos Sólidos, no Jardim Filadélfia, Região Noroeste de BH. O espaço funciona no antigo Aterro Sanitário da BR-040. Quando chegam lá, de acordo com a SLU, as carcaças têm ainda prazo de 90 dias para ser resgatadas pelos seus donos antes de integrar os lotes que acabam sendo vendidos num leilão público como sucata.
O trabalho inicial de localização e processamento das carcaças é realizado pelo Centro de Operações da Prefeitura (COP-BH), que encaminha a demanda para a BHTrans e o Departamento Estadual de Trânsito (Detran-MG) para identificação dos veículos, dos proprietários e levantamento de impedimentos administrativos e judiciais. Se o veículo for mesmo fruto de algum crime, quem o recolhe é o Detran-MG. Para ser considerado carcaça ou veículo abandonado, é preciso que se configurem as seguintes situações: veículo com habitáculo de passageiro violado, sem portas ou com vidros quebrados, havendo acúmulo de lixo ou água em seu interior; ausência de rodas, motor ou outros componentes mecânicos, impossibilitando o deslocamento com segurança por seus próprios meios; queimado total ou parcialmente; parte estrutural da lataria com danos irreparáveis, resultado de vandalismo ou depreciação voluntária; evidentes sinais de colisão ou ferrugem; impossibilidade de identificação do proprietário ou do veículo; visível e flagrante mau estado de conservação.
Nesse caso, a fiscalização é acionada para notificação e autuação dos proprietários.