O relógio marca 20h30. “Clima!”, grita um dos puxadores. Logo, o grupo de mais de 100 corredores deixa a praça do Museu Abílio Barreto, no Bairro Cidade Jardim, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, em passos apressados. Ao virar a Rua Sinval Barreto, já na batida da playlist, que sincroniza o ritmo acelerado da música com batimentos cardíacos, o grupo dá largada à corrida. Juntas seguem duas repórteres sedentárias do jornal Estado de Minas, que resolveram encarar o desafio e mostrar a nova forma de correr e explorar a cidade. Estamos falando do Calma Clima, o primeiro running crew – um jeito novo de correr, que virou febre nas principais cidades do mundo – da capital. Muito forte fora do país, o conceito já tem levado muita gente a tirar os tênis velhos do armário para dar aquele rolê pela cidade. Missão da noite: sete quilômetros entre o Museu Abílio Barreto e o Edifício Maletta, no Centro.
O nome Calma Clima dita os dois momentos que orientam o grupo.
E é em fila indiana que o grupo ganha a passarela sobre a Avenida do Contorno, desemboca na Rua Coelho de Souza, passa pela Avenida Álvares Cabral e cruza a Praça da Assembleia. Ufa, calma! Uma breve parada no início da Avenida Barbacena. Quem chega primeiro descansa, quem vem em ritmo mais lento, fica em desvantagem. Clima! Renovam o grito, e segue a correria. O grupo desce a Barbacena inteira. E a multidão que corria compacta, começa a se dispersar, formando uma espécie de linha do cansaço. Aqui já é possível perceber os desafios que se impõem ao movimento que propõe reunir pessoas de perfis tão diferentes em um único grupo. “O Calma Clima surgiu com a ideia de caminhantes marginais.
Continuando o roteiro, a multidão atravessa a passarela sobre a Avenida Teresa Cristina. Passa pela estação do Metrô Carlos Prates, e segue a toada na Avenida Nossa Senhora de Fátima. Estamos na metade do caminho. Ali, duas estreantes já pedem arrego e tentam uma carona com o carro da reportagem. Mas, é importante registrar o apoio e cuidado da equipe tanto no incentivo como na segurança dos participantes. Durante todo o trajeto, os climáticos – como são chamados os participantes do projeto – se revezam na “escolta” para não deixar ninguém para trás. O cansaço faz parte, só não vale desistir.
Depois da subida da Rua Patrocínio, calma! Uma breve parada no mirante da Praça Pisa na Fulô, no Bairro Carlos Prates, Região Noroeste de BH. O espaço, que recebe foliões durante o carnaval, ganha outra percepção numa noite de terça-feira.
CIDADE REVELADA De volta para a reta final do roteiro. O grupo desce uma longa escada escondida entre o mato alto – que muita gente nem sabia que existia na cidade, inclusive, nós –, cai no Elevado Helena Greco, margeia o viaduto, desce por outra escada escura e mergulha no Hipercentro. “Nunca tinha passado por essas escadas. Já as tinha visto, quando passo de carro, mas, nunca a pé. É muito interessante que os percursos passam dentro de umas ‘quebradas’. Às vezes, a gente mora em BH, mas não conhece nem um décimo da cidade”, disse Matheus Fróes de Oliveira, de 32, que corria pela segunda vez com o grupo.
O movimento segue rumo a parada mais esperada. Depois de virar à direita na Rua Paraná, passar pela Rua Padre Belchior, dar aquele último gás da acelerada final na Avenida Augusto de Lima, enfim, a bandeirada final: Edifício Arcângelo Maletta. Ufa! Êba! Essa é a mistura de sentimento das duas repórteres que venceram o desafio do Calma Clima. O suor já tomou conta das roupas, as pernas dão sinal de exaustão e os batimentos cardíacos ainda bastante acelerados.
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Estacionamento em praça de esportes vira polêmica em Montes ClarosPrevenção e vida saudável são receita para evitar InfluenzaNa primeira corrida, em março deste ano, nem se imaginava a proporção que esse movimento tomaria. Aquele primeiro evento reuniu uma turma de 17 pessoas. Pouco mais de quatro meses depois, as ruas da capital já são tomadas por mais de 100. “O Calma surgiu de um sentimento de escassez. Vivemos em uma cidade que se pauta muito pela falta: a falta de lugares para ir, circular, para se encontrar. E eu já vinha correndo por montanhas próximas de BH e muitas pessoas começaram me escrever para pedir dicas.
Então, decidi criar um grupo”, contou o idealizador do projeto, Bernardo. O percurso é sempre desenhado para contemplar o máximo de ruas, que são os objetos de exploração do movimento. Esse trajeto de sete quilômetros, elaborado cuidadosamente por Gabriel Cisalpino Pinheiro, de 38 anos, poderia ser facilmente percorrido em apenas 2 km, e demorar menos de 10 minutos de carro.
Sair da Região Centro-Sul da cidade e cair no “Centrão” causa impacto. É deixado para trás os prédios cercados de câmeras e segurança e caímos em ruas escuras, sujas e com as mazelas sociais à vista. Esse pode parecer um cenário considerado perigoso para mulheres que se arriscam em passar pela região nessa hora da noite. Mas, não quando se está cercada por um grupo. Além do mais, logo o possível medo dá lugar à empatia. Cobertos e descobertos, deitados nas calçadas, moradores em situação de rua acompanham a passagem do grupo. “Vai, vocês dão conta!”, gritam alguns, em incentivos aos corredores que estão na lanterna do movimento, ao passarmos pela Rua dos Tamoios.
As reações das pessoas de “fora” são as mais diversas possíveis. Há os que se perguntam “Isso é um arrastão?”, ou ainda há os que olham feio e buzinam de dentro do carro para que o grupo desocupe a via. “É surreal a energia que essa massa correndo transmite pela cidade. Essa ideia de estar com o corpo em movimento, sem nenhum instrumento, livre e solto, cria essa comoção e se torna uma inspiração”, comentou o idealizador do projeto.
NÃO ANDE, PEDALE!
Não curte correr, mas gosta de pedalar? Então, pronto! Você também pode se exercitar e turistar pela cidade. Grupos de bicicletas já se reúnem com o mesmo objetivo há alguns anos. O RUTs (Rolé Urbano das Terças), por exemplo, surgiu em fevereiro de 2008. A proposta da turma é destacar a simplicidade do andar de bicicleta e fazer roteiros que procuram visitar lugares da cidade pouco “convencionais”. “A ideia é reunir com os amigos que gostam de pedalar e depois sair pra explorar a cidade. Hoje estão indo cerca de 15 participantes, mas isso porque hoje existem outros grupos de pedal”, contou um dos ciclistas participantes Vinícius Túlio, de 37 anos. Outro grupo que tem uma proposta parecida é o Bicimanas. Nele, mulheres trocam mensagens pelas redes sociais, informam os trajetos em tempo real e combinam de pedalar juntas com o intuito de se fortalecerem e fazer com que a experiência de pedalar seja mais segura.