Conceição do Mato Dentro – “Aqui é a casa da mamãe do céu ou do papai do céu?” A pergunta singela vem dos lábios de Camila Lages Caram Nascif, de 5 anos, moradora de Belo Horizonte e de férias em Conceição do Mato Dentro, na Região Central de Minas Gerais, a 175 quilômetros da capital. Ao ouvir da restauradora Dulce Senra que se trata da Matriz de Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade, e casa de Deus, a menina ajeita a franja recém-cortada, faz cara de quem já entendeu tudo e entra no templo, construído há quase 300 anos e em restauração há cinco. Junto da garota estão a irmã Isabela, de 8, e as primas Maria Flor Ferreira Lages, de 7, e Amália Ferreira dos Santos Lages, de 5. “Que bonito!”, vai apontando Camila para cada detalhe até chegar à capela-mor, concluída e mostrada com exclusividade nesta reportagem.
Não tem limite o encantamento de quem vê a parte recuperada da igreja, principalmente para a equipe do Estado de Minas que acompanha, há mais de uma década, a luta da comunidade e da paróquia para impedir a ruína da construção, tombada em 1948 pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e interditada desde 2005. Na época, eram gritantes os problemas estruturais e a deterioração dos elementos artísticos. Entre as questões mais graves estavam a torre, a cobertura e o madeirame, que cedia lentamente, com risco de desabar. Os recursos para salvar a matriz provêm da mineradora Anglo American, por meio de uma medida compensatória firmada com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), e também da prefeitura local e da Paróquia Nossa Senhora da Conceição. No total, foram gastos cerca de R$ 10 milhões, sendo que os serviços, com supervisão do Iphan, ganharam mais força de um ano e meio para cá, a cargo da Cantaria Conservação e Restauro.
Satisfeita com o resultado, Dulce conta que foi concluído o altar colateral (lado direito de quem olha para o altar), dedicado a São Miguel Arcanjo, antes conhecido como do Sagrado Coração de Jesus, estando em fase de finalização o de Nossa Senhora do Rosário, antes de São Francisco. Tábuas com desenhos vermelhos, pretos e ocre, “num estilo que lembra as chinesices”, na explicação do restaurador Fábio Zarattini, são minuciosamente trabalhadas, de forma a completar a lateral do arco-cruzeiro. Derivada da palavra francesa chinoiserie, chinesice é o conjunto de pinturas que recriaram, no século 18, em igrejas e capelas de Minas, os pagodes ou pagodas (tipo de torre com fins religiosos comuns na China e em outros países da Ásia), animais e paisagens.
“MANDORLA” Conhecer o interior das igrejas de Minas, para qualquer brasileiro ou estrangeiro, significa fazer descobertas. Na matriz de Conceição do Mato Dentro, no camarim que abriga a imagem da padroeira, na capela-mor, pode-se agora ver a “mandorla” ou um pequeno arco que surpreende pela beleza, com um conjunto de 10 anjinhos de madeira. No forro camarim sobressai a representação da Santíssima Trindade, um triângulo e a pomba símbolo do Divino Espírito Santo. Merecem destaque, na base do retábulo, as duas aves fênix douradas, “que estavam escuras”, conforme a equipe, e os belos anjos barrocos, além das colunas laterais.
Ainda fechada à visitação pública, a matriz recebeu a visita, de forma excepcional, para esta reportagem, das quatro meninas e de Maria Costa Lima Guimarães, de 96, conhecida como dona Maroca, acompanhada das filhas Maria Elizabeth, moradora de BH, e de Maria Heloísa, que mora com a mãe bem ao lado da igreja. “Fui batizada, fiz a primeira comunhão e me casei aqui. Fico feliz de ver a igreja assim, pois está interditada há 13 anos. Sou uma pessoa privilegiada, pois, quando solteira, morava na frente da igreja, depois, ao me casar, continuei residindo perto. Então, fica fácil vir rezar, participar das missas e ver as procissões”, afirmou.
Muitas graças foram alcançadas por dona Maroca nas orações para a padroeira. “Só de criar 11 filhos...”, emociona-se. Em frente das pinturas parietais (feitas diretamente sobre a madeira), ela debulha o terço e reza pedindo tudo de bom para a família e os amigos. Na frente dela está a cena do nascimento de Jesus, feita em 1816 e em 1933. Conforme estudos, o artista copiou as gravuras do livro de Bartolomeo Ricci, de 1607. Os olhos, tomados pelas lágrimas, não embaçam a fé que a senhora demonstra pela vida e a esperança de ver o fim da obra. “O forro com a Assunção de Nossa Senhora está lindo!”, ressalta.
ADRO Quem passa pela rua não deixa de contemplar as fachadas pintadas de tinta nova, branca, o relógio inglês de 200 anos, restaurado, que aciona o sino e marca a vida da população, e as pedras largas reassentadas no piso do adro. O coordenador da obra pela empresa, o engenheiro civil Alexandre Leal, informa que, além do término nos elementos artísticos, há muito por fazer: projetos luminotécnicos interno e externo, jardinagem, além de drenagem externa e limpeza do piso interno, e o sistema de monitoramento por circuito fechado de tevê. “Nosso prazo de entrega é fim de dezembro, mas toda a parte estrutural, cobertura, para-raios e outros, ficou pronta. Com a iluminação especial, as pinturas vão realçar ainda mais”, prevê Alexandre.
Capela do Bonfim