Itamonte e Passa Quatro – Um paredão de montes verdejantes abraça o horizonte. Debruçada sobre essa cadeia, se ergue uma sequência de picos cinzentos ainda mais altos e encobertos por nuvens, dos quais mal se avista a silhueta rochosa. Essa visão, que reduz tudo mais no Vale do Rio Verde, parte da Bacia Hidrográfica do Rio Grande, é como a Serra Fina presta as boas-vindas aos aventureiros que chegam a Passa Quatro, no Sul de Minas, com a intenção de explorar uma das áreas mais hostis do planeta. Um gosto ainda distante das dificuldades reservadas pelos 33 quilômetros de passagens dessa sucessão de montanhas, que figura entre os expoentes das travessias brasileiras com alto grau de exigência. E foi para mostrar os contrastes desse sertão quase esquecido de Minas Gerais que a reportagem do Estado de Minas montou uma expedição para trazer imagens e relatos desse terreno remoto do estado das alterosas.
O início da trilha é na zona rural de Passa Quatro, atingido por péssimas estradas. Não há portarias ou guaritas, já que a Serra Fina não fica em um parque, mas numa Área de Preservação Ambiental (APA). Essa via vicinal desemboca numa trilha mais estreita, e, logo adiante, já a pé, chega-se a uma caverna escura e deteriorada, à beira de um riacho que verte da montanha. O abrigo natural é conhecido como a Toca do Lobo, o mais tradicional ponto de partida para a travessia. Um local de abastecimento. Mas, também, a primeira dúvida da trilha, uma vez que não há placas indicando que o caminho segue cruzando o curso d’água.
Guias e relatos de aventureiros consideram o primeiro trecho da travessia como o mais difícil, pois é quando se ganha mais elevação. Do outro lado do riacho, isso logo se traduz em realidade com a passagem ingressando em aclives tão fortes que aproximam os membros superiores do solo úmido, ao ponto de ser preciso avançar usando as mãos agarradas às raízes das árvores. A trilha beira um abismo com névoa encobrindo suas bordas, até que a floresta de mata atlântica dá lugar a uma cobertura de mato amarelado e fino. O frio se torna mais rigoroso, amplificado pelo vento incessante soprando a neblina e pela passagem tocando o orvalho que até congela nas folhagens. Em poucos passos, os trajes e equipamentos ficam ensopados. O sol, nesse denso nevoeiro, se torna um astro de intensidade debilitada, quase uma lua opaca ainda tardiamente no céu de inverno.
Já no alto, o caminho pela crista dos morros ganha muitos nomes, como Passo dos Anjos ou Vale de Nuvens. Essa estreita cumeeira é que denominou a Serra Fina. Há momentos em que os exploradores se encontram em trilhas com menos de dois metros de largura, que terminam em precipícios. O destino do primeiro dia é uma muralha rochosa e íngreme, o Alto Capim Amarelo, uma montanha de 2.392 metros que figura como o 27º mais alto pico do Brasil e o 11º de Minas Gerais. Um cume que ostenta paredões escuros e barro formado por pequenas minas. Cordas com nós ao longo do comprimento foram deixadas nos trechos mais agudos, para auxiliar na subida dos montanhistas. Muitos consideram esse o dia mais desgastante. E as mensagens deixadas no livro do pico, uma caixa metálica com um caderno para que exploradores escrevam seus relatos, revelam histórias de superação e alívio. As nuvens daquele alto são caóticas, sujeitas ao vento que as empurra, concentra ou dissipa, sem qualquer previsão, abrindo a visão de vales entre São Paulo e Minas Gerais ou os escondendo num branco paredão nebuloso.
Depoimentos
Lições nas alturasMateus Parreiras
A primeira vez que enfrentei a Serra Fina foi em 2007, quando escalei com um grupo de amigos seu ponto culminante, a Pedra da Mina. Fomos pela chamada Trilha do Paiolinho e levamos três dias para concluir a subida. Uma amostra clara das dificuldades que a travessia completa imporia, como a vegetação densa, o clima instável e o relevo desgastante. Na época, dos três amigos que começaram, dois conseguiram assinar seus nomes na Pedra da Mina, algo que mostra como aquela cadeia de serras é hostil. A travessia foi ainda mais exigente, mas as lições de 11 anos atrás me fizeram antecipar a preparação física e racionalizar equipamentos para concluir o desafio.
Recompensa espetacular
Ramon Lisboa
Nas costas, aproximadamente 23 quilos, entre equipamentos, comida e água, que me acompanharam nesses quatro dias de travessia, uma das mais difíceis do Brasil. Assim começou a aventura na Serra Fina. De cara, começamos em uma subida pela mata fechada, que logo se abriu revelando as lindas cadeias da Serra da Mantiqueira em direção ao Alto Capim Amarelo, primeiro cume da travessia. O mais bacana desse primeiro dia é poder ver a progressão toda apenas olhando para trás. Às vezes, é difícil acreditar ter andado tanto. Cada perrengue, cada pirambeira, cada joelho esfolado, cada bambu na cara vale a pena quando se recebe como recompensa as mais espetaculares vistas da Serra da Mantiqueira e a sensação de ter terminado essa linda travessia. Histórias para a vida toda, orgulho de participar da equipe de reportagem que fez a travessia da Serra Fina.
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedições)