Itamonte e Passa Quatro – O zunir do vento é incessante na travessia da Serra Fina. Sopros que chegam a reunir força suficiente para desequilibrar quem caminha pela crista da formação montanhosa. Esse rigor derruba ainda mais as temperaturas, ao ponto de já terem sido registrados -13,5°C e de as redes sociais exibirem relatos de aventureiros com água congelada em seus cantis. Essa ventania empurra as nuvens como se fossem estruturas líquidas, que praticamente escorrem pelos picos rochosos. Quando se vislumbra o abrigo que a vegetação mais fechada pode fornecer contra o vento, o estímulo é chegar logo ao refúgio. Contudo, apesar de aplacar a incidência direta do vento, a vegetação se torna um obstáculo ainda maior. A cadeia montanhosa é intercalada por florestas extensas de varas finas de bambus emaranhados, que se fecham sobre as passagens, grudando nas mochilas e equipamentos. O reflexo natural de usar os braços para abrir caminho em pouco tempo resulta em ferimentos nos membros, mesmo quando se está de luvas e com trajes compridos.
As dificuldades acabam unindo as pessoas que fazem a travessia. A reportagem do Estado de Minas, por exemplo, começou a expedição com dois componentes e terminou com cinco. Um deles foi o técnico em segurança do trabalho Efigênio Vieira Silva, de 46 anos, que saiu de Campinas (SP) para fazer o caminho sozinho e aproveitou o encontro para cumprir o trajeto com mais segurança. “Vim para a Serra Fina pela conexão com a natureza e o desafio pessoal de superar a montanha, conhecer meu limite e outras pessoas que gostam dessas aventuras. Fiz algumas trilhas longas há mais tempo, como o Vale do Pati (BA), e estou retornando agora”, disse. “A gente estava procurando algum lugar que tivesse montanha, trilhas e que fosse bonito. Quando soubemos que a Serra Fina é um dos lugares mais difíceis, isso nos interessou. Tiramos uns dias (de folga) e viemos”, conta o programador campinense Thiago Ribeiro Mendes, de 38. “É bem cansativo, mas a beleza compensa. Você acaba subindo todos os picos que vê pela frente. Tem chuva, por isso é bom estar preparado. Os picos são muito bonitos e a gente pegou muita neblina. Isso foi bastante interessante”, disse o também programador Erick Baun, de 29.
A vegetação se torna mais escassa e cede espaço a rochas na área mais remota e desolada da Serra Fina. É justamente nesse cenário árido que se avista o Pico da Pedra da Mina (2.798 metros). Uma montanha cinzenta, salpicada de capim amarelado e que se ergue sozinha no vale. O clima dessa região é selvagem, praticamente imprevisível. Nos cerca de 60 minutos gastos para atingir o cume, o céu azul ensolarado deu lugar a um acúmulo repentino de nuvens e ventos de tempestade. Um nevoeiro espesso e gélido reduziu a visibilidade para cerca de quatro metros. Para chegar à parte mais alta, percorre-se um labirinto de paredes de pedras empilhadas, que formam vários abrigos construídos pelos montanhistas para barrar os ventos e proteger quem acampa no pico. No meio da tarde, o termômetro marcava 9°C, mas a sensação era congelante.
Exemplos de superação e admiração ficam registrados no livro do pico, um caderno dentro de uma caixa metálica postada no marco de georreferenciamento deixado pelo IBGE: “Gratidão por ter chagado ao topo. Cuidem do planeta”; “Obrigado a quem participou por mais essa subida”. Algumas pessoas deixam adesivos na caixa, outras, canetas para que mais aventureiros possam usar e até folhas de papel higiênico, além de tabletes de manteiga de cacau para os que sofrem com lábios feridos. A solidariedade da montanha também se faz presente em outros pontos, onde aventureiros deixam garrafas com água para quem tem sede.
Ao descer a Pedra da Mina, mais um ponto que promete trégua, por aparentar ser mais plano, prova-se tão exigente quanto as demais regiões. Trata-se do Vale do Ruah, uma das depressões entremontes mais altas do Brasil, a 2.500 metros de altitude. Ruah é a transliteração do hebraico para sopro, que dizem ter sido dada por um padre que conheceu os ventos implacáveis que varrem aquele planalto contido entre as cadeias da serra e por onde corre o Rio Verde. A navegação por ali é muito prejudicada por uma vegetação de touceiras de mato, que chegam a atingir mais de dois metros de altura, escondendo as curvas e bifurcações da trilha. É o caminho para mais dois picos extremos, o do Cupim de Boi (2.543 metros) e o dos Três Estados (2.665 metros).
O Pico dos Três Estados é um dos mais exigentes da Serra Fina, pois é preciso escalar rochas muito íngremes e escorregadias, que se precipitam em abismos fatais. Nessa elevação, a reportagem experimentou mais uma vez a imprevisibilidade da travessia. O céu limpo se encheu de nuvens pretas e uma tempestade de raios fez do destino o lugar mais perigoso para se estar, pois quanto mais alta a localização, mais suscetível a uma descarga elétrica a pessoa se torna. No pico, esse maciço divide Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Uma escultura traz exatamente a disposição de cada estado. Dali em diante, são ainda mais 11 quilômetros pesados, o que se tornou ainda mais penoso devido à chuva fria e à vegetação densa que molha roupas e equipamentos completamente.
A trilha mesmo termina no chamado Sítio do Pierre, quase na Garganta do Registro. O dono atual da propriedade tranquiliza as pessoas que fazem a travessia. “Comprei essa propriedade para preservação mesmo. Todas as pessoas que fazem a travessia de forma ordeira são bem-vindas. Comprei a terra de um médico canadense, chamado Pierre, que montou um local de repouso e tratamento psiquiátrico para clientes abastados de São Paulo. A área me lembrou minha terra natal, Campos do Jordão, mas atualmente moro em Belo Horizonte”, conta o engenheiro civil José Antônio Costa Cintra, de 61.