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Estado de Minas MONTANHAS DE HISTÓRIAS

Caminho dos bandeirantes, Garganta do Embaú é trajeto de romeiros para Aparecida

Antiga picada de bandeirantes durante o avanço do litoral para o território que originaria Minas Gerais, a Garganta do Embaú é hoje parada obrigatória de romeiros a caminho do santuário de Aparecida


postado em 30/07/2018 06:00 / atualizado em 06/09/2018 10:43

Entre o município mineiro de Passa Quatro e o paulista de Cruzeiro, a imagem de Nossa Senhora Aparecida é ponto de orações e descanso para romeiros e cavaleiros fiéis à padroeira do Brasil que passam pela região (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Entre o município mineiro de Passa Quatro e o paulista de Cruzeiro, a imagem de Nossa Senhora Aparecida é ponto de orações e descanso para romeiros e cavaleiros fiéis à padroeira do Brasil que passam pela região (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
 

Passa Quatro, Itanhandu e Cruzeiro (SP) –
Os cavalos escovados, de crinas bem aparadas e ferraduras novas trotam pelo acostamento da rodovia MG-158, em Passa Quatro, no Sul de Minas. São grupos de dezenas de cavaleiros e amazonas, gente de todas as idades, camisas xadrezes, chapéus de vaqueiro e pertences presos aos arreios. A fé em Nossa Senhora Aparecida é o que move os fiéis montados, que em maio deixam a região de Passa Quatro, Itanhandu, Itamonte e Pouso Alto entre outras, para cruzar a divisa com São Paulo, pernoitando em fazendas e chegando ao santuário nacional da padroeira do Brasil, na cidade de Aparecida (SP). “É uma tradição que vem de gerações, e a gente continua fazendo e passando para as pessoas mais novas. A gente tem os pontos de parada e vai seguindo com muita fé, fazendo agradecimentos e pedindo bênçãos para a padroeira”, conta José dos Santos, de 53 anos, que viajou com uma grande comitiva montada de Itanhandu. Esse movimento tradicional mantém ativa uma rota primitiva que já foi trilha indígena, picada de bandeirantes e estrada de tropeiros. A primeira rota que ligava a região de São Paulo ao território que originaria Minas Gerais.


“As explorações dos portugueses se mantiveram restritas ao litoral por muito tempo, sobretudo devido ao fato de eles terem encontrado enormes dificuldades para vencer verdadeiras muralhas naturais, como a Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira”, afirma o geólogo Antônio Gilberto Costa, diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Foi pela ambição que esses obstáculos foram vencidos. Os portugueses vieram do Norte, da Bahia, pelo Rio São Francisco, enquanto os paulistas aprenderam com os índios a passagem pela mata, em uma abertura da Serra da Mantiqueira que era chamada de Garganta do Embaú”, indica o professor da UFMG.

E é justamente nessa abertura, atualmente a divisa entre os estados dentro dos municípios de Passa Quatro e Cruzeiro (SP), que os romeiros e cavaleiros que utilizam atualmente a Garganta do Embaú fazem parada obrigatória num pequeno altar com a imagem de Nossa Senhora Aparecida. Não foi sem um propósito que a santa foi ali instalada. Como padroeira do Brasil, a imagem personifica uma tentativa de apaziguar os sentimentos de rivalidade que surgiram entre os paulistas que lutaram na Revolução Constitucionalista (1932) e os mineiros que combateram os compatriotas defendendo a Federação.


Aquele ponto foi adotado pelos fiéis a cavalo, mas também é parada para motociclistas, expedicionários e viajantes à procura de oração e graças. Cavaleiros e amazonas do Sul de Minas se aproximam da capela com uma postura de respeito. Até os cavalos parecem silenciar sua passada e o som das ferraduras batendo no asfalto quase é abafado. É um momento de reverência, quando os fiéis removem os chapéus de suas cabeças e os levam ao peito. Há quem já chegue recitando orações. Outros desmontam e puxam os cavalos. Aproximam-se da santa recurvados, se ajoelham diante da representação de sua adoração, tocam na imagem e fazem o sinal da cruz.

"As explorações ficaram restritas ao litoral por muito tempo. Os obstáculos foram vencidos pela ambição"

Antônio Gilberto Costa, diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico da UFMG

No caminho, os cavaleiros cristãos são recebidos em postos de combustível para almoçar e jogar conversa fora, enquanto aguardam mais viajantes chegarem. Os comerciantes capricham para deixar tudo pronto para o grande número de componentes. Há gente mais velha, que não pode mais cavalgar e prefere ir de carro ou apenas assistir à passagem dos grupos. “É bonito demais. Gosto de ver as cores das roupas dos cavaleiros, os cavalos bonitos, a fé de todo mundo. Lembra a nossa infância, quando os cavaleiros desciam também, todos impecáveis, com muita fé, e era ainda estrada de terra que precisavam pegar”, conta a aposentada Maria da Glória Oliveira, de 77, que mora próximo à Garganta do Embaú.

Cruzar os 65 quilômetros que separam as montanhas da divisa de Minas Gerais com a planície do Vale do Paraíba até o santuário de Aparecida é o objetivo. Alguns dos religiosos que levam idosos e crianças para o encontro cristão recorrem a carroças e charretes, que garantem um pouco mais de conforto à jornada. Outros cavaleiros levam uma montaria a mais, para servir de transporte de carga ou revezar com o cavalo que estiver mais sacrificado. Os perigos são muitos, mas o trajeto que consideram mais arriscado fica em São Paulo. “Nas montanhas há muitas curvas e, se você ficar no acostamento corre, sim, algum risco de um caminhão invadir para fazer a curva, mas a gente vai com Nossa Senhora guiando nossa viagem e abençoando”, conta o comerciante Thiago Martins, de 30, que nasceu em Pouso Alto, mas veio de Juiz de Fora, onde mora. Para ele, o segmento da BR-116 (Via Dutra) deixa os animais mais nervosos. “Os carros e caminhões passam voando, deslocando muito ar. Até a gente se assusta. Por isso, é preferível descer pelas trilhas, estradas menores, ruas dentro das cidades. Mas tem romeiro que insiste em descer pela Dutra. É muito perigoso”, disse.

 

 

 

Serra de três estados e muitas idades


Pico dos Três Estados: passando por Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, a Serra da Mantiqueira surgiu em momentos geológicos diversos (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)
Pico dos Três Estados: passando por Minas, São Paulo e Rio de Janeiro, a Serra da Mantiqueira surgiu em momentos geológicos diversos (foto: Ramon Lisboa/EM/DA Press)

Apesar de parecer uma sequência uniforme de montanhas e montes seguindo de Sudoeste a Nordeste por mais de 600 quilômetros, abrangendo Rio de Janeiro, São Paulo e entrando várias vezes no estado de Minas Gerais, a Serra da Mantiqueira não é uma formação que surgiu em um mesmo momento geológico. “Vamos encontrar ao longo dessas serras materiais de idades diferentes, que em algum momento foram erguidos para as posições onde se encontram. Como são muito antigas, elas foram mais altas do que são atualmente. Os processos erosivos estão reduzindo essas altitudes”, observa o geólogo Antônio Gilberto Costa, diretor do Museu de História Natural e Jardim Botânico da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Dentro dessa dinâmica, o professor da UFMG afirma que as montanhas com rochas mais novas estão na Serra de Itatiaia e na Serra de Passa Quatro (Serra Fina). “Essas são as rochas mais novas da Mantiqueira e têm até 60 milhões de anos. São mais recentes, pois estamos falando de rochas com mais de 500 milhões a até 1 bilhão de anos.

É uma formação que tem íntima identidade com Minas Gerais, pois a maior parte das montanhas se encontra no estado. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a Serra da Mantiqueira tem 60% de sua extensão no interior de Minas, 30% dentro do estado de São Paulo e outros 10% em território do Rio de Janeiro. Uma das extremidades da serra fica na região do município de Barbacena e se precipita para a direção Sudoeste, chegando à divisa com o Rio, em seguida ingressando na borda do território paulista, seguindo nessa divisão até Joanópolis (São Paulo) e Extrema (Minas Gerais), com sua extremidade final na cidade de Bragança Paulista.

 

(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedições) 


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