Jornal Estado de Minas

Pedidos de dupla cidadania ou visto quase triplicam em consulados em BH

Dario Savarese, cônsul da Itália em BH: "Só pessoas que demonstrarem meios consistentes para se sustentar podem requerer o visto de permanência. É preciso um valor mínimo próximo de R$ 150 mil anuais e a posse de uma casa ou contrato de aluguel registrado na Itália" - Foto: Jair Amaral/EM/D.A Press

Crise econômica e política, expectativa de melhores oportunidades de trabalho, violência, insegurança e busca de qualidade de vida. Os motivos são os mais diversos, mas decisivos para o que tem sido considerada a terceira grande onda migratória da história recente do país. Brasileiros estão lotando as representações de países da Europa, como Alemanha, Itália e Portugal, em busca de cidadania e vistos de permanência. Quem tem alguma chance está, literalmente, fazendo as malas. O sonho de obter passaporte da comunidade europeia fez a demanda mais que triplicar em alguns consulados de Belo Horizonte. E esses são apenas os números formais. Embora muita gente embarque com tudo resolvido, a grande maioria engrossa uma grande massa de ilegais que leva na bagagem a esperança de conseguir, além-mar, o direito de morar e trabalhar como um cidadão do país escolhido para começar vida nova.

No Consulado da Itália, na Savassi, na Região Centro-Sul de BH, nos dias abertos para quem está em processo de obtenção de cidadania, chega a dar fila. De acordo com o cônsul Dario Savarese, desde 2016 o número de brasileiros que obtiveram cidadania italiana foi de pouco mais de 3 mil.

No mesmo período, foram concedidos dois vistos permanentes e quase 6 mil passaportes. A comunidade italiana em Minas tem 30 mil pessoas registradas no cadastro consular. Pelas contas da representação, nos últimos dois anos cerca de 300 cidadãos italianos se mudaram para a Itália, dos quais metade nascida no Brasil.

Quem não é cidadão deve obedecer a regras de ouro para ter o direito de viver no país. “A concessão do visto de permanência (‘residenza elettiva’), sem direito a trabalhar, está sujeita a requisitos. Só pessoas que demonstrarem ter meios consistentes para se sustentar autonomamente podem requerer o visto. É preciso um valor mínimo próximo de R$ 150 mil anuais, constituído por rendas que devem ser constantes no tempo, e a posse de uma casa ou contrato de aluguel já registrado na Itália”, explica Dario Savarese.

O destino Alemanha também é visado por muitos. No consulado, no Bairro Buritis, na Região Oeste de BH, a procura por cidadania mais que triplicou no último um ano.
Comprovando ter ascendência alemã, um brasileiro pode requerer a cidadania, desde que observados os critérios estabelecidos. “A procura está fora do comum”, afirma o cônsul honorário Victor Sterzik. Somente na quarta-feira pela manhã, 14 processos foram enviados ao consulado no Rio de Janeiro.

Por enquanto, as saídas se concentram em estudantes que cursarão mestrado e doutorado e em alemães que retornam à terra natal. Antes do aumento do número de imigrantes na Alemanha, o tempo para concessão de cidadania era de cerca de três anos. Hoje, o tempo gira em torno de cinco a seis anos. “Todo mundo que tem condição de sair do Brasil está fazendo isso, porque não acredita mais no país. Eu me pergunto o que vai ficar para o jovem que não tem essa opção”, questiona Sterzik. Para ele, o volume de processos de cidadania vem de uma incerteza sobre o que vai ocorrer no país.
“Acredito muito no Brasil. Meu pai era um otimista crônico e eu sou também. Estamos passando pela maior crise dos últimos 100 anos, mas a conscientização política e a melhoria na educação podem mudar este país.”

Rigidez


Uma das menores migrações é a francesa, diante das regras mais rígidas: apenas a primeira geração de descendentes de franceses pode requerer a cidadania, até os 50 anos de idade – depois disso, o governo entende que não houve interesse. Outros casos são os cônjuges ou pessoas que são consideradas essenciais para o país, normalmente do meio científico. Outros programas dão apenas o direito de residência, por tempo determinado. “Não há uma política de atração de imigrantes, até por causa da proteção do mercado de trabalho”, explica o cônsul honorário em BH, Manoel Bernardes.

Mesmo assim, aumentou a procura de quem quer fazer as malas com destino ao país da Torre Eiffel. “Pessoas nos procuram diariamente para saber sobre a possibilidade de ter cidadania, mas a França é um país diferente. Se a primeira geração não solicitou e o pai ou avô não forem vivos para fazer a linha sucessória, não dá”, relata. “Diante disso, o que ocorre é a pessoa ir como clandestina mesmo.”

A redescoberta de Portugal


Um dos destinos prediletos dos brasileiros tem sido Portugal. Primeiro, pela facilidade do idioma.

Segundo, pelos incentivos dados pelo governo português a quem deseja se fixar no país. Oficialmente, cerca de 100 mil brasileiros estão morando legalmente em Portugal. Desses, estima-se que 10% sejam mineiros. Mas, diferentemente das décadas de 1980 e 1990, quando houve emigração de uma massa de mão de obra, agora o país está de olho em quem tem condições financeiras de investir. Em troca, dá o direito de residência, com possibilidade futura de cidadania.

“Depois que a situação brasileira ficou muito instável política e economicamente, essa emigração vem se acentuando. Não só da parte de descendentes de portugueses, mas dos próprios brasileiros (sem vínculo familiar com o país). Nos últimos quatro anos, a solicitação de permanência em Portugal aumentou cerca de 400%. Se até 2014 tínhamos 200 casos por ano em BH, desde então, são mais de 1 mil”, afirma o presidente da Câmara Portuguesa de Minas Gerais, Fernando Ribeiro Dias.

Ele lembra que têm direito à cidadania descendentes de portugueses até a terceira geração, mediante comprovação da origem. Outra possibilidade são os descendentes dos chamados cristãos-novos, judeus que chegaram a Portugal a partir do ano 1600 e se converteram ao cristianismo para poder ficar no país – a comprovação se dá por meio de fatos e evidências. “O passaporte é valioso, pois não dá direito só a Portugal, mas a toda a comunidade europeia”, relata.
Ele revela ainda um outro componente dessa história: “Muitas pessoas estão correndo atrás por causa da isenção de visto do europeu para Estados Unidos e Canadá”.

Independentemente da origem familiar, Fernando conta que há muitos se arriscando para ganhar a vida, principalmente os mais jovens, que tentam o visto de trabalho, considerado o mais difícil, uma vez que a taxa de desemprego em Portugal é considerada alta, na casa dos 8%. “Há 15 anos, havia em Portugal muito bombeiro, eletricista, pintor, enfim, uma mão de obra não especializada. Alguns retornaram ao Brasil quando a situação do país melhorou, mas essa melhora foi curta e começaram a sair novamente”, relata.

Mas, ressalta o presidente da Câmara Portuguesa, desta vez, a maioria dos que estão deixando o país são profissionais qualificados ou investidores. As regras portuguesas justificam: comprando um imóvel de no mínimo 500 mil euros (cerca de R$ 2,3 milhões), constituindo empresa com pelo menos 10 empregados ou deixando 1 milhão de euros numa aplicação financeira o interessado ganha o direito de residência para toda a família – depois de cinco anos, pode solicitar a nacionalidade.

Fernando Dias diz que o telefone não para mais. A Câmara já tem até as orientações e advogados disponíveis para facilitar o trâmite entre os interessados. “São pelo menos 15 ligações por dia com esse propósito, de gente de todos os níveis sociais e econômicos”, conta.

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