Jornal Estado de Minas

A MORTE NÃO ESCOLHE ESTRADAS

Estrada da morte também causa acidentes em pistas duplicadas

- Foto: Edésio Ferreira/EM/D.APress
Uma das principais rodovias do Brasil, a BR-381, via importante para fazer a conexão entre São Paulo e o Nordeste do país passando pelo interior do território nacional, engloba atualmente três realidades completamente diferentes. Seus 787 quilômetros em Minas Gerais se dividem em 313 de pistas simples e 474 de rodovia duplicada, além de pontos dentro do trecho em que não há barreira física entre os sentidos e estão em obras, que se arrastam para a tão sonhada duplicação. Apesar das diferentes características, uma coisa é comum a todos segmentos dessa estrada: ainda que por meios diferentes, a morte passa pelos três. Enquanto o excesso de velocidade é o principal vilão da parte duplicada entre Belo Horizonte e São Paulo, provocando capotamentos, saídas de pista, colisões em objetos fixos e uma série de outros acidentes, no percurso de 313km entre BH e Governador Valadares, no Vale do Rio Doce, o maior perigo é representado pela colisão frontal. No meio desse caminho ainda entram os obstáculos impostos pelas obras de duplicação, como estreitamentos de pista e falta de sinalização, que potencializam os efeitos da imprudência.

O que mais chama a atenção da BR-381 é que ela é, ao mesmo tempo, tratada como rodovia da morte e melhor estrada de Minas Gerais. A primeira caracterização vale para o caminho entre a capital mineira e Governador Valadares, devido ao histórico de tragédias, especialmente nos 110 quilômetros até João Monlevade, extremamente sinuosos. Já a segunda leva em conta a pista dupla, com duas faixas de circulação (às vezes até três) para cada sentido, viadutos para possibilitar os acessos e acostamento em todo o trecho. Porém, a diferença nos adjetivos atribuídos a cada segmento não se mantém quando o assunto é a mortalidade.

Em 2016, houve 1.254 acidentes, com 90 mortos, nos 313 quilômetros da pista simples dessa BR, o que significa mortalidade de 0,28 por km. No lado oposto, foram 3.362 acidentes e 103 mortes nos 474 quilômetros, o que confere ao trecho uma mortalidade de 0,21/km.

- Foto: Edésio Ferreira/EM/D.APress Já em 2017, foram 1.035 acidentes e 97 mortes na parte simples, média de 0,31 óbitos por quilômetro. Na parte dupla, foram 3.142 acidentes com 125 mortos, média ligeiramente inferior à do outro trecho, de 0,26 por km. O mestre em engenharia de transportes pelo Instituto Militar de Engenharia do Rio de Janeiro Paulo Rogério Monteiro destaca que, em uma rodovia duplicada como a Fernão Dias, os excessos no acelerador passam a ser o principal risco ao qual os motoristas se expõem e por isso é importante controlar a velocidade. “Mas temos que lembrar que no outro trecho da 381 a letalidade das batidas, quando comparamos mortes por acidente, é maior. Precisamos de menos acidentes para alcançar os números parecidos de morte, então, as intervenções são mais urgentes nos trechos simples”, afirma. O especialista também sustenta que o volume de tráfego é mais intenso na parte duplicada, até em função da capacidade maior da rodovia, o que faz com que o segmento simples da estrada seja ainda mais perigoso, porque sua letalidade leva em consideração um volume menor de condutores.

 

 

DESCONTROLE No aspecto controle de velocidade, outra característica dessa rodovia tão importante para Minas Gerais chama a atenção.

No lado considerado pior da BR-381, a recorrência de tragédias potencializadas pelos carros pulverizados nas colisões frontais fez o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) promover a instalação de uma série de radares no trecho há cerca de sete anos. Hoje, são 47 controladores nos 313 quilômetros, além de outros 11 no trecho coincidente dessa estrada com o Anel Rodoviário de BH. Já no percurso de 474km onde o controle de velocidade é considerado ainda mais necessário são apenas 13, o que estava previsto no contrato de concessão entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e a Autopista Fernão Dias, concessionária responsável pelo trecho. De acordo com Gledson Ferreira da Silva, agente do Grupo de Fiscalização de Trânsito (GFT) da Delegacia Metropolitana da PRF, um dos pontos em que os policiais mais flagram excesso de velocidade com um radar móvel na área da delegacia está nas imediações da Refinaria Gabriel Passos (Regap), em Betim, cerca de um quilômetro depois de um radar fixo. “Os motoristas memorizam os controladores de velocidade, reduzem nesses pontos e aceleram logo depois”, afirma Gledson.

Em nota, a Autopista Fernão Dias, responsável pelo trecho duplicado da BR-381, admite que fez estudos para viabilizar a instalação de novos radares na rodovia, mas não informou o número previsto de equipamentos. Os estudos foram apresentados à ANTT, que analisa o documento. A Autopista ainda sustenta que já considerando os primeiros sete meses de 2018, a concessionária registra redução de acidentes e mortos na ordem de 19,3% e 20,2% respectivamente quando os números deste ano são comparados com o mesmo período desde 2015. A empresa pontua que esse resultado foi obtido por uma série de ações de construção de 88km de faixas adicionais, instalação de 63 passarelas, entre outras.
A reportagem procurou também a assessoria do Dnit, responsável pela parte de pistas simples da 381, em Minas e em Brasília, mas o órgão não retornou os contatos.



Os caminhos da dor

Sem duplicação para acabar com as colisões frontais em toda a extensão entre Belo Horizonte e Governador Valadares, e com poucos radares para frear os abusos no caminho para São Paulo, a morte é frequente na BR-381, seja na pista dupla seja na simples. Na terça-feira, o motorista de caminhão Guilherme de Freitas, de 39 anos, ia de Itaúna para Itabira, na Região Central de Minas, quando deu de cara com um carro em sua mão de direção na altura do Km 438, em Sabará, na Grande BH. “Eu estava na faixa da esquerda ultrapassando uma carreta que seguia na terceira faixa e veio esse carro. Ele trombou na carreta, rodou e bateu com o lado dos passageiros na frente do meu caminhão. Quando vi que os três ocupantes estavam mortos fiquei impressionado”, conta. “Acredito que ele passou mal, porque veio de uma vez, em alta velocidade, na transversal, sem esboçar nenhuma mexida no volante ou pisada no freio. Essa rodovia é muito complicada, tinha que ter a duplicação para pôr fim a batidas desse jeito”, afirma.

Do quintal de sua casa na comunidade Caminho dos Emboabas, em Caeté, na Grande BH, o motorista de ônibus Wellinton Aparecido da Cruz, de 36, assiste a outra linha de problemas da BR-381 em seu trecho de pistas simples: as tragédias e todo o transtorno causados pelas obras de duplicação na região. Ele se lembra do desastre que matou cinco estudantes em 2009 em Sabará e deixou outros 13 feridos em uma curva no Km 435. Um caminhão invadiu a contramão e pegou a van onde estavam os universitários. A curva ganhou cruzes simbolizando os mortos.

EXCESSO Na Rodovia Fernão Dias,  trecho duplicado da BR-381, praticamente não há registros de colisões frontais justamente pelo fato de ter barreiras físicas para separar os fluxos opostos.
Mas os acidentes causados pelo excesso de velocidade são frequentes. Moradora de Igarapé, na Grande BH, a dona de casa Maximiliana Maria da Silva, de 48, ainda busca explicações para a morte do filho, Evandro Antônio Maia, após um capotamento em 20 de dezembro de 2015. Evandro e um amigo voltavam de uma festa em Itatiaiuçu quando sofreram um acidente no Km 510 da Fernão Dias, em Igarapé. O veículo não fez uma curva e acabou capotando, matando os dois. Após os capotamentos, o carro foi parar no outro sentido e ficou bastante destruído, o que, segundo Maximiliana, indica que poderia estar em alta velocidade. “Meu filho amava a vida e é muito duro pensar que não vou vê-lo de novo por conta de uma coisa tão banal. Acho importante ter controle de velocidade nessa estrada, até porque a fiscalização surte efeito quando mexe no bolso dos motoristas, mas também precisamos ser mais conscientes e respeitar as regras”, diz ela.

A dona de casa encontra forças para seguir a vida na pequena Ana Carolina, de 5 anos, filha de Evandro. “Digo que Deus é maravilhoso, porque precisou do meu filho, mas deixou uma sementinha que é uma bênção na vida da gente”, completa.

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