Montes Claros, Francisco Sá e Grão Mogol – A BR-251, entre Montes Claros e Salinas, no Norte de Minas, é uma das rodovias mais movimentadas do estado, sendo muito usada por motoristas de caminhões e carretas que transportam mercadorias do Sul e Sudeste para o Nordeste brasileiro. Se por um lado a estrada carrega – e impulsiona – o progresso, por outro, virou um corredor do medo, por ser uma via de pista simples e não suportar um tráfego tão pesado. Os acidentes com mortes se tornaram rotina: entre 2016 e o primeiro semestre deste ano, foram 889 ocorrências, num total de 105 vidas perdidas no perigoso trecho, segundo a Polícia Rodoviária Federal (PRF). A média é de um acidente por dia. Só no mês passado, foram mais 11 mortes em dois graves acidentes, aumentando para 116 o total de óbitos nos últimos dois anos e meio.
Leia Mais
Veja histórias de sofrimento e luta de quem perdeu parentes em acidentes nas BRs de MinasNúmero reduzido e inatividade dos equipamentos de fiscalização abrem espaço para a imprudênciaEstradas já duplicadas em MG matam mais por quilômetro que as de pista simplesAcidente BR-251Motorista de carreta fica preso às ferragens na BR-251Cinco pessoas ficam feridas em capotamento na Avenida Silva LoboAmbulância bate em ônibus do Move na Avenida dos Andradas Encontro inusitado une música clássica ao hip hop no Alto Vera CruzHumberto passa sempre pela Serra de Francisco Sá, o trecho mais perigoso da via, local de constantes tragédias.
Na quinta-feira, o Estado de Minas percorreu 100 quilômetros da BR-251, entre Montes Claros e o acesso para Grão Mogol. A distância foi suficiente para perceber o perigo enfrentado por quem precisa viajar por todos os 300 quilômetros da rodovia, entre Montes Claros e a BR-116 (Rio-Bahia), trecho onde estão municípios como Francisco Sá, Grão Mogol, Salinas, Padre Carvalho e Josenópolis. A reportagem viveu de perto o medo, longas filas de caminhões e carretas e registrou flagrantes de imprudência dos motoristas, que insistem em desrespeitar o limite de velocidade e fazer ultrapassagens em locais proibidos, especialmente onde a lentidão das filas de carretas, em contraste com a pressa dos imprudentes termina facilitando a ocorrência de colisões frontais.
Em diversos pontos nas laterais da estrada, o medo e a ocorrência de tragédias são marcadas por cruzes afixadas por parentes de quem perdeu a vida nos acidentes. Na perigosa da Serra de Francisco Sá, marcas na pista e pedaços de peças de veículos são provas dos acidentes constantes. Embora o lugar seja chamado pelos moradores da região de “curva da morte”, o trecho, na verdade, é uma sequência de curvas em uma região íngreme, ao longo de seis quilômetros, do Km 470 ao Km 476.
No arriscado trecho, há várias placas alertando sobre o perigo e o limite da velocidade permitida (40 quilômetros por hora) – sinalizações desobedecidas por muitos motoristas, que insistem em não tirar o pé do acelerador. Ao subir a serra (sentido Francisco Sá/Salinas), carretas e caminhões carregados andam em velocidade muito baixa. E assim, mesmo diante do perigo, motoristas mais apressados e impacientes fazem ultrapassagens em locais de faixa contínua. Mesmo em se tratando de estrada de pista simples, a reportagem do EM flagrou veículos de carga rodando, literalmente, lado a lado no trecho da subida da serra.
IMPRUDÊNCIA Os números dos acidentes da BR-251 revelam as faces do perigo. De acordo com a PRF, em 2015, foram registrados ao longo de toda a rodovia 316 acidentes, que resultaram em 330 feridos e 31 mortos. Em 2016, foram 245 acidentes, que deixaram 232 pessoas com ferimentos e 14 mortos.
Para o inspetor Pedro Gilvan Medeiros, chefe substituto da delegacia da PRF em Montes Claros, além do excesso de veículos, especialmente de caminhões e carretas, e da capacidade da rodovia de pista simples, a imprudência dos motoristas agrava os riscos. “A maioria dos acidentes na rodovia tem como causa o fator humano. Ocorre pela falta de obediência à sinalização e, principalmente, pelo excesso de velocidade”, afirma Gilvan.
Feridas incuráveis
As mortes ocorridas BR-251 acarretam sofrimento e dor eterna aos parentes de pessoas que saíram para uma viagem pela estrada e não voltaram mais. É o caso da aposentada Maria Divina Fernandes Soares Pena, de 65 anos, moradora de Francisco Sá, um dos municípios cortados pela rodovia no Norte de Minas. Divina perdeu a filha, a professora Leila Sabrina Soares Pena, de 25, há nove anos. “Para mim, é como se fosse hoje. É uma dor que nunca passa”, lamenta a mulher que, há 12 anos, sentiu também as mortes de dois sobrinhos em outra tragédia na mesma rodovia.
Maria Divina recorda que Leila morreu em 12 de julho de 2009, durante uma pequena viagem até Montes Claros – distante 42 quilômetros de Francisco Sá. A professora aproveitava para visitar a exposição agropecuária de Montes Claros e comprar remédios para a mãe. Ela viajava num Santana, que rodou na pista e bateu de frente com um carro.
O autônomo Lincoln Aparecido Soares Pena, irmão de Leila, cobra soluções para melhorar a estrada. “As rodovias estão sempre muito cheias e não comportam tantos carros. Os governantes deveriam olhar isso e melhorar as condições das estradas para reduzir o número de acidentes. Deveriam duplicar pelo menos um trecho, entre Montes Claros e Francisco Sá”, reivindica. Ele também sempre passa pela rodovia, fazendo fretes em seu pequeno caminhão. “Já testemunhei vários acidentes e ajudei a socorrer vítimas. Ocorrem muitos acidentes com viajantes de fora que não conhecem os riscos dessa estrada.”
Também moradora de Francisco Sá, Raquel Rodrigues de Souza lida constantemente com as tragédias na BR-251 por conta da sua profissão. Socorrista do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência e Emergência (Samu) no município, afirma que já perdeu as contas da quantidade de vítimas de colisões e capotamentos que atendeu. “Já vi de tudo.
A dor da perda de um ente querido de forma trágica na estrada também é eterna para a dona de casa Elvira Martins Barbosa, de 35, moradora do distrito de Serra Nova, no município de Rio Pardo de Minas. Ela é viúva do lavrador Juscelino Marques, uma das nove pessoas que morreram na tragédia envolvendo 10 veículos no mês passado. “Nem dá acreditar. É muito difícil de aceitar. A gente fica caminhando pela casa e pelo quintal sem encontrar lugar. Tudo fica diferente e ruim”, diz Elvira, agora sozinha com os filhos Fernanda, de 16, Renielson, de 9, e Luan, de 8.
Das nove vítimas, sete eram de Rio Pardo de Minas. Elas viajavam em um Doblò da secretaria de saúde do município, que levava pacientes e seus acompanhantes para tratamento médico em Montes Claros. Juscelino faria uma consulta com um neurologista. “Ele estava muito feliz, porque sofria problema de coluna e os médicos disseram que poderia melhorar”, relata Elvira.
ANGÚSTIA Outra moradora de Rio Pardo que convive com uma angústia que nunca passa é a servidora pública Gercina Santana Rocha. Ela perdeu no mesmo acidente a mãe, a aposentada Maria Francisca Santana, e um irmão, o sargento da Polícia Militar Rafael Pedro Santana, de 25. “Ninguém se conforma em perder parentes em acidente de uma hora para outra. Não há dor pior do que essa. É sem fim, inexplicável”, afirma. A mãe morreu no dia da tragédia, mas seu corpo só foi identificado e liberado para o enterro há nove dias. O PM teve 90% do corpo queimado e morreu em 27 de julho, depois de ficar 11 dias internado na Santa Casa de Montes Claros. O empresário Abrão Barbosa lamenta a morte da sobrinha, a estudante Natália Araújo de Almeida. “É horrível ter um parente morto num acidente de carro. Os governantes precisam olhar para essa estrada. A rodovia não suporta o fluxo de caminhões.”
Descontrole fatal
Na edição de ontem, o Estado de Minas publicou levantamento exclusivo feito pela Polícia Rodoviária Federal mostrando que, em Minas Gerais, as rodovias duplicadas registraram mais mortes por quilômetro do que as simples em 2016 e em 2017. Essa situação revela, segundo especialistas, motoristas, parentes de vítimas e a própria PRF, que o controle de velocidade deve estar acompanhado das duplicações, para que a mudança de perfil das rodovias efetivamente signifique redução de mortes.
"Estávamos na serra e todos os carros seguiam com o alerta ligado, quase parados. Num piscar de olhos, percebemos o impacto. Um caminhão nos espremeu e paramos atrás de uma carreta de sal. Foi um impacto gigante em cima da gente. A janela estourou e pulei por ela para pedir ajuda. Aí, vi um homem com o corpo queimando, que agora sei que era o policial, em desespero, gritando pela mãe dele. Foi muito chocante."
Sandra Simone Almeida, sobrevivente da tragédia no Km 474 da BR-251 que matou nove pessoas em 16 de julho, entre elas o sargento Rafael Pedro Santana
.