Jornal Estado de Minas

Insegurança ameaça postos de saúde em Belo Horizonte

Cartaz em portão trancado informa sobre desativação, que acabou se tornando definitiva. Vidraça quebrada em acesso de fúria (abaixo) foi a gota d'água - Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press


A saúde em Belo Horizonte enfrenta dois inimigos que nada têm a ver com filas, longa espera por atendimento ou dificuldade para marcação de exame e consultas especializadas. Centros de saúde, a porta para pacientes da atenção básica, se tornaram reféns da falta de infraestrutura e da violência, cada um deles com efeitos diretos sobre o outro. O desafio da falta de estrutura é tamanho que a própria Secretaria Municipal de Saúde admite que mais da metade das unidades da capital precisaria ser reconstruída. Espaços pequenos e apertados, vulneráveis pela ausência de porteiros e da Guarda Municipal de forma permanente, viraram porta aberta para a violência. Por mês, são registradas em média 50 ocorrências, que vão de agressões verbais e físicas contra funcionários, passando por ameaças de morte e culminando com roubos a servidores e pacientes. Diante de mais um episódio esta semana, a secretaria anunciou ontem medida extrema: o fechamento, por tempo indeterminado, do Centro de Saúde Cafezal, no Aglomerado da Serra, Centro-Sul da capital.

A secretaria afirma que a decisão se deu diante da estrutura física inadequada do local, que não pode oferecer a pacientes e trabalhadores as condições necessárias para funcionar, além de não estar de acordo com as normas do Ministério da Saúde. Além disso, episódios de violência são recorrentes na unidade.
O último ocorreu segunda-feira, quando uma mulher quebrou o vidro da recepção por estar insatisfeita com uma orientação que lhe foi repassada. Ela foi imediatamente contida por agentes da Guarda Municipal, e deve responder por dano ao patrimônio. A unidade do Cafezal tem dois guardas fixos – um dos poucos centros com a presença constante da corporação.

Os problemas no local são antigos. No início do ano passado, em visita à comunidade e aos profissionais do posto, o prefeito Alexandre Kalil (PHS) ameaçou fechá-lo caso a violência persistisse. Na ocasião, o atendimento foi suspenso por quatro dias e retomado a partir da advertência de Kalil. O secretário municipal de Saúde, Jackson Machado, informou que o centro ficará fechado desta vez até que se encontre outro local para que a unidade possa operar.
Ele argumenta que não haverá prejuízo no atendimento à comunidade, que será remanejada pelos centros de saúde da região. Hoje a prefeitura deve divulgar quais unidades absorverão a demanda.

Consultas agendadas serão remarcadas. Os profissionais de saúde serão realocados em outros centros de saúde. Visitas domiciliares feitas pelos agentes comunitários e de combate a endemias estão mantidas nas casas próximas ao Centro de Saúde Cafezal. Jackson Machado explica que o espaço físico para a unidade depende de um lote de pelo menos 820 metros quadrados, dimensão difícil de ser encontrada na região. Foi feito projeto de adequação física em área cedida pela comunidade, mas o processo foi interrompido depois que a associação de moradores voltou atrás. 



PATRULHAMENTO
Uma das apostas para conter a violência é a Patrulha SUS, que será implantada gradativamente em BH. Serão 44 motocicletas, com 22 duplas de guardas municipais que farão proteção exclusiva nos centros de saúde.
Até o fim do ano, a expectativa é que todas as regionais sejam contempladas. “A experiência no Barreiro mostrou uma redução de mais de 60% de ocorrências entre os meses de novembro e março”, diz o secretário.

Secretário-geral do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed) e médico da Prefeitura de BH, André Christiano dos Santos diz que levantamento dos cinco primeiros meses do ano mostra 243 registros de situação de violência nas unidades de saúde de BH (média de 48,6 por mês) – números que se concentram nos 152 centros, apesar de envolverem também unidades de pronto-atendimento (UPAs) e outras unidades de saúde do município. No ano passado, a média mensal também ficou em torno de 50 casos.

O médico ressalta que sempre houve situações de conflito nas unidades, mas afirma que, de dois anos e meio para cá, principalmente depois da retirada dos porteiros dos centros de saúde, a violência se agravou, tornando-se uma ameaça mais real. “Já teve até arrastão: bandido entra armado e rouba todo mundo. Os centros estão vulneráveis: não tem porteiro que regule entrada e saída de pessoas e a presença fixa da Guarda está restrita a pequeno número de unidades”, afirma o médico. “O Cafezal vem sofrendo de forma crônica com essa a questão, com ameaças de morte a funcionários e agressão física dentro da unidade. É o reflexo da violência urbana motivada pela disputa de tráfico. Não é direcionado à unidade, mas a deixa na linha de fogo.” 

- Foto: Juarez Rodrigues/EM/DA Press



PROVISÓRIO
Documento assinado pelo Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Belo Horizonte (Sindibel), Conselho Municipal de Saúde e Comissão Local de Saúde do Cafezal pede que seja alugada uma sede provisória perto da comunidade enquanto se constrói a definitiva.
“O local hoje é inviável para continuar os atendimentos. Essas demandas foram repassadas para a prefeitura há mais de um ano”, diz o presidente da comissão, Israel Arimar. Segundo ele, o posto ficou sem gerente depois que o servidor foi ameaçado de morte. “A violência é real e a falta de infraestrutura aumenta a possibilidade de violência. No Cafezal, não há espaço para profissionais atenderem, a recepção dá direto nos locais de atendimento, não tem porteiro”, relata.

A unidade tem 11 mil pacientes cadastrados. Por dia, são cerca de 200 atendimentos, dos quais 100 consultas médicas. Há quatro equipes de saúde da família, duas de saúde bucal, clínico, ginecologista, psicólogo, assistente social e 13 auxiliares de enfermagem. Moradora do Cafezal, Dalva Maria de Jesus, de 59 anos, lamentou ontem o fechamento da unidade de saúde. Ela tinha consulta marcada para hoje.
“Por causa de alguns, todos seremos prejudicados. Espero que a construção se acelere e que haja uma segurança com mais rigidez, para evitar atritos”, diz. Quem também espera para saber onde deverá buscar atendimento é a moradora Anízia do Carmo Andrade, de 53, assim como a filha dela, Aline do Carmo Andrade, de 30. Com exame marcado para hoje, Aline também não sabe o que fazer. “Além do exame, tenho uma consulta que já havia sido remarcada para sexta-feira.” 

 

Atendimento abalado


Confira números das unidades básicas de saúde e do reforço na vigilância

152
é a quantidade de centros de saúde de Belo Horizonte. Aproximadamente a metade precisaria ser reconstruída por falhas estruturais, segundo a própria prefeitura

253
é o número de ocorrências de violência nas unidades de saúde da PBH entre janeiro e maio. A média mensal é de 50

44
é o número de motocicletas que serão empenhadas no Patrulha SUS

22
duplas de guardas municipais devem ir para a rua fazer a segurança exclusiva de centros de saúde até o fim do ano

 

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